Thursday, 25 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

O Brasil de chuteiras dos pés à cabeça

Bandeirolas, postes em verde e amarelo, faixas, fitas nos carros, comércio enfeitado de balões. O patriotismo iluminado pela Copa do Mundo de Futebol vem colorindo as cidades – midiática e presencialmente. Nada (ou pouco) problemático – até aí. No entanto, se forem pensadas as articulações político-econômicas possibilitadas e provocadas por todo esse entusiasmo, percebe-se o tamanho do envolvimento de dinheiro e atenção pública em tal fenômeno.

O mais grave é que muitas vezes o circo é pago com dinheiro público. Cada cidadão deveria conhecer bem onde estão sendo empregados os recursos oriundos da pesada carga tributária que incide sobre os rendimentos dos trabalhadores. Se há revolta com a soma de financiamento aos governos, por que não assusta o gasto feito para aproximar população e futebol? Enfeitar uma avenida com as cores da nação pode não ser tão dispendioso, mas as diversas ações que cada governante cria para chegar ao torcedor oneram substancialmente os cofres públicos.

Antes de questionar o dinheiro envolvido em negociações próprias da política dos gramados, deve-se refletir sobre os recursos gastos para instalar telões em praça pública nos dias de jogos, enfeitar com verde e amarelo ruas e repartições, organizar shows em comemoração ao futebol nacional. Investimento na cultura? Certamente supérfluo, pois para ver e torcer pela conquista de mais um título nesse esporte, o brasileiro não precisa nada além de um televisor que, presente em 99% dos lares, está próximo de todos. As emissoras televisivas disputam a transmissão dos jogos como o filé do conteúdo audiovisual, chamariz de anunciantes de ampla variedade e vastíssimo poderio financeiro. As próprias famílias e grupos sociais complementam o quadro, conformando espaços de recepção com traços próprios de sociabilidade.

Engendramentos complexos

Além disso, o comércio utiliza-se da Copa para dar vida aos seus negócios, restaurantes e bares abrindo suas portas para a torcida canarinho, com lojas e marcas de todo o tipo vinculando seus produtos e serviços ao mundo da bola. Claro, a cultura de massa vincula-se ao capitalismo, mas, ainda assim, essa exploração da imagem do futebol brasileiro é mais apropriada enquanto fator de movimentação econômica do que como alavanca eleitoral (sem entrar-se na ampla relação entre essas duas últimas).

Em ano de eleições, as diversas esferas do poder público ornamentam as cidades e criam eventos midiáticos para chamar a atenção das indústrias culturais e, através desse alvoroço, gerar imagens para uma TV que precisa falar do assunto permanentemente. Uma parceria desse tipo pode ir mais longe ainda: enquanto a mídia ganha espaço para seguir com sua cobertura nacionalista, conversando com os torcedores reunidos em festas governamentais, os políticos brasileiros ganham espaço, torcendo ao lado do povo ou divulgando slogans e imagens que identifiquem o governo responsável por mais aquele dia de carnaval.

Nesse sentido, associar imagem de candidatos e partidos políticos, mesmo que de forma modesta, à festa do futebol é sempre uma pseudo-alegria: trata-se da maior expressão esportivo-cultural do brasileiro, uma bela festa popular. É através dessas associações, entre a cultura popular, a mídia e a política, costuradas pelo capital, que se dão os engendramentos mais complexos, por vezes indiscerníveis, da sociedade humana.

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Respectivamente, professor titular no programa de pós-graduação em Ciências da Comunicação da Unisinos; e jornalista e mestranda em Ciências da Comunicação pela mesma instituição