Friday, 19 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

O continente em silêncio tem muitos vilões

De preocupante a apavorante, esta é conclusão do estudo da mestranda da Universidade de Columbia, Nova York, Carolina Morais Araújo, sobre o aumento da violência contra jornalistas na América Latina e Brasil (ver aqui). Cresce o número de assassinatos e aumenta a diversidade das motivações contra o livre exercício do jornalismo.

Se o crime organizado aparecia como o principal vilão seguido de perto pelas ameaças e chantagens exercidas por políticos locais, notadamente nos grotões distantes dos centros de poder, agora os jornalistas são atacados e abatidos enquanto trabalham na cobertura de manifestações populares nas metrópoles e multiplicadas na mesma proporção em que crescem as dificuldades econômicas e políticas neste ciclo de vacas magras.

A autora registra também a crescente incidência da censura econômica em regimes políticos onde é precário o equilíbrio dos poderes e o Estado de Direito parece vulnerável às investidas de governantes, legisladores ou magistrados autocráticos e onipotentes, caso da Venezuela e Equador.

Uma grave situação cuja identificação exigiria razoável familiaridade com as entranhas da indústria do jornalismo ficou intocada: o controle endógeno do conteúdo dos veículos de informação/entretenimento que levou o ministro Joaquim Barbosa, então presidente do STF, a considerar nossa imprensa monolítica, enviesada e nada pluralista.

O fenômeno não é apenas brasileiro, é comum nas corporações jornalísticas latino-americanas ditas “liberais” e anti-bolivarianas. A prova está no número insignificante de jornais do continente que introduziram no organograma a figura do Ombudsman, Editor de Qualidade ou Defensor do Leitor.

Nas redações não há transparência, apenas obediência às “ordens superiores” nem sempre as mais sábias, competentes e independentes. Como minguam os empregos e o número de candidatos para cada vaga aumenta exponencialmente, impera tanto nos grandes, como nos médios e pequenos veículos o mesmo constrangimento e medo que amordaça jornalistas que ousam desafiar as ordens de narcotraficantes, contraventores, contrabandistas, madeireiros, milicianos e policiais corruptos.

Este clima institucionalizado de violações não produz manchetes, sequer gera notícias, o continente está em silêncio – na feliz expressão da autora do estudo — porque além dos jornalistas marcados para morrer há muitos outros marcados para calar-se. E sumir.

Horror: a Lista negra em ação

O veterano repórter político Franklin Martins, 67 anos, 52 de profissão, passou os últimos 18 anos enfiado numa missão senão secreta quase clandestina: pesquisar o cancioneiro popular brasileiro relacionado com a política. O resultado é “Quem foi que inventou o Brasil?” monumental coletânea em três volumes, lindamente ilustrados com base em mil canções coligidas a partir de 1902.

Franklin trabalhou nos mais importantes veículos da mídia brasileira, sobretudo os do Grupo Globo. No segundo mandato do Presidente Lula (2007) ocupou o cargo de ministro-chefe da Secretaria de Comunicação da Presidência da República. No recente lançamento dos dois primeiros volumes e a abertura da mostra no Instituto Tomie Othake (SP), a formidável pesquisa só mereceu do principal grupo jornalístico brasileiro um registro na prestigiosa coluna dominical de Elio Gaspari. Iniciativa do colunista, obviamente.

“Inimigo da casa” não merece mais: está banido do noticiário, tornou-se não-existente, invisível, porque suas opiniões sobre o desempenho da mídia brasileira não coincidem com as da Família Marinho.

Na Folha, saiu apenas uma rápida entrevista, na véspera do lançamento. Nosso pool jornalístico também funciona na contramão, como um pool censório. Este tipo de violação merece ser estudado. Este observador está às ordens dos eventuais pesquisadores.

Assista aqui, a íntegra da entrevista de Franklin Martins ao Observatório da Imprensa.