Friday, 29 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1281

O cristal estilhaçado

Faz falta, no Brasil, a face de jornalismo propositivo. É possível que o venhamos a ter, paralelamente à ampliação de massa crítica da população. A questão é quando. Enquanto tal realidade não se apresenta, vão-se perdendo oportunidades, sabe-se lá com que conseqüências. A observação diz respeito ao artigo ‘Concertación enquanto é tempo’, escrito pelo senador Jefferson Peres e publicado pela Folha de S.Paulo (domingo, 21/5). A despeito de pronunciamentos elogiosos que o senador mereceu de seus pares, nos primeiros dias da semana, nenhum eco o artigo teve na mídia em geral. A essa altura, nenhum rastro é detectável. Como é costumeiro, trata-se de ‘página virada’.

A tese sustentada por Jefferson Peres – aliança entre os quatro maiores partidos (PMDB, PT, PSDB e PFL), retirada a diferença quanto ao elenco de partidos, é algo bem próximo do que defendi neste Observatório, em janeiro, no artigo ‘A eleição e as lições chilenas‘, tão logo se declarou a vitória de Michelle Bachelet como nova presidente do Chile.

No artigo, propunha, como arco de aliança para uma concertación, à brasileira, a frente democrática PT-PSDB-PSB-PPS-PDT-PCdoB-PV-PSOL. Concordo com a inclusão de algumas alas do PMDB, além de outros como PCB e PSTU que, na ocasião, me escaparam da memória, fato pelo qual me penitencio.

Que leitura da realidade atual brasileira leva a tentar pautar, em algum veículo da imprensa, tal proposta? Essa é a natureza do presente artigo, já que a imprensa, na ânsia de acompanhar, dia-a-dia, ocorrências da vida política nacional, parece alheia à ameaça de impasses no horizonte não muito distante. Vamos, pois, tentar montar o quadro.

Pacto já!

É fato incontestável, a julgar a eficiência das pesquisas, o largo favoritismo de que goza o presidente da República, frente a seus eventuais adversários. No cenário, há indisfarçáveis sintomas de campanha política que sugere, de parte a parte, fortes retaliações, troca de acusações e mais o que possa eclodir. Com tudo que foi denunciado, para as próximas eleições, não há partido que, efetivamente, possa sustentar a bandeira da pureza. Sob esse aspecto é até bom que o PT tenha passado pelo incêndio da fantasia. O débito de cada expressiva força partidária, se houver grandeza de propósitos em favor da nação, possibilita um sentar à mesa e negociar um projeto efetivo para o Brasil, reconhecendo que o cristal partiu, deixando pelo chão incontáveis estilhaços. Para os estilhaços, evitando que quem pise neles sangre, apenas resta a tarefa de serem retirados e jogados fora.

Na prática, propõe-se que o presidente da República, num gesto de estadista, conclame as forças políticas para um pacto. A grandiosidade do ato estaria legitimada pela própria dianteira que as pesquisas atestam. Alguém poderá imediatamente argumentar o contrário. Por que o presidente assim agiria, havendo praticamente a certeza da vitória? É exatamente nesse ponto que o gesto partiria do estadista e não do simples governante. Fazê-lo após as eleições, talvez seja tarde. Não sabemos que rasgos profundos poderão ser produzidos. Em assim sendo, a sociedade brasileira terá perdido mais um auspicioso momento de sua história.

Lendo a aguda entrevista concedida por Ciro Gomes à revista Caros Amigos (edição 110) e o artigo ‘Lula e o PT nos Estados’, assinado pelo jornalista Fernando Rodrigues (Folha de S.Paulo, 27/5), fica claro o impasse que se avizinha. Enquanto a figura do presidente se consolida no favoritismo das pesquisas, estas, por outro lado, indicam a fragilidade do PT para o cargo de governador nos principais centros da nação.

Segundo o artigo, o partido do presidente perde, com larga margem, em São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais. Afora a ‘pálida esperança’, no Rio Grande do Sul, quase nada resta no Paraná e em Santa Catarina. ‘Nos estados do Nordeste’, continua Fernando Rodrigues, ‘a situação também é desoladora. O PT é figurante na Bahia e no Ceará’. Com que suporte irá o presidente para um segundo mandato? O estadista sabe que o melhor momento para composições é quando está em vantagem. O governante se ilude ao imaginar que, ante a necessidade imposta pela situação, sairá para a negociação.

Enfim, para quem não aposta no pior, fica o registro de um aceno em favor de pensar o país fora de interesses locais e menores. Será que algum veículo de imprensa, num esforço de jornalismo propositivo, oferecerá ao eleitorado o caminho da visão amadurecida? O outro atalho está sentenciado no artigo do senador Jefferson Peres: ‘O Brasil está numa encruzilhada. Se fizer a opção errada, irá resvalar para o limbo no qual vegetam nações inviáveis’.

A hora é essa: pacto já!

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Ensaísta, doutor em Teoria Literária pela UFRJ, professor titular do curso de Comunicação das Faculdades Integradas Hélio Alonso (Facha, Rio de Janeiro)