Thursday, 18 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

O hoje é para sempre

‘A luta LGBTT não é modismo, assim com a luta contra o racismo não é. Trata-se sim de corrigir as grandes monstruosidades construídas por homens como o senhor!’, escreveu Helder Maia, estudante da Bahia, num comentário neste Observatório. Bernie Ecclestone, proprietário dos direitos comerciais da Fórmula 1, concedeu uma entrevista ao jornal The Times. O dirigente defendeu os regimes totalitários e elogiou o regime nazista desenvolvido por Adolf Hitler. E, claro, despertou a reação dos judeus pelas suas palavras, como muitos outros já fizeram. Alguns mesmo indo para a cadeia por lembrar alguma coisa ‘politicamente incorreta’ sobre o passado.

A emissora pública alemã NDR demitiu a apresentadora Eva Herman depois que ela elogiou políticas nazistas sobre amparo da família e aos pais em uma coletiva de imprensa pelo lançamento de seu novo livro sobre educação infantil. Só para lembrar, o que foi adotado pela ditadura Vargas na sua política de saúde materno infantil amparando a gestante, a nutriz e a criança inspiradas pelas ações do partido dos trabalhadores alemães. Até hoje uma prioridade em termos de saúde pública visando à proteção para o futuro da nação e dos povos.

O que me chama a atenção do comentário do jovem é a certeza da conquista definitiva da verdade moral e sexual que jamais mudará. Este, no seu entender, é o definitivo objetivo da humanidade e da cultura, agora finalmente atingido. E foi negado este estágio, na visão do mesmo (e de muitas pessoas que não possuem um senso do relativo) por homens monstruosos. Este tipo de raciocínio, na verdade, de pensar na conquista do absoluto e no definitivo, foi o que criou o que ele chama de monstros e monstruosidades. Ele acha que seria fácil resolver matando os monstros como eu e criando a sociedade justa e definitiva que se ilude esteja sendo conquistada.

Sem monstruosidades e aberrações

Nisto está a ilusão criada por Hitler em um povo. Uma nação, espelhada em muito na Itália transformada por Mussolini, eletrizando o povo em um objetivo definitivo. O sonho de mil anos. A motivação para todos darem tudo de si para o bem da nação e levar rapidamente o estado a um grau de riqueza. A nação que os judeus tinham prosperado e se sentido em casa em pouco tempo virou um inferno. Assim também foi com a homossexualidade, que se sentiu prestigiada sendo incorporada no início no partido, e fazendo parte das SA, (Sturmapteilungen), ou Divisões de Assalto, uma espécie de milícia particular nazista. Composta por desempregados. A Noite das Facas Longas (30 de junho 1934) encerra abruptamente este namoro. Não era uma ação contra a homossexualidade, mas acabava com a parceria inicial. No dia 26 de abril de 1937, três anos depois apenas, os bombardeiros da Legião Condor reduziram a cinzas a cidade basca de Guernica. O povo saudava o Terceiro Reich. O que hoje atribuímos a personificação do mal era visto pelos jovens estudantes o Líder inspirador do futuro melhor e mais justo.

Passado todo este tempo, o inglês Bernie Ecclestone, o bispo britânico Richard Williamson e outros ainda lembram as realizações. Outros lembram os paralelos com os israelenses e os palestinos deslocados das suas terras não prometidas.

Mas o moralismo anti-homossexual não ficou restrito nos países católicos. Todos os países comunistas foram ferrenhos perseguidores da homossexualidade. Até hoje é em Cuba (que tem se aberto) e nos países da ex-cortina de ferro com população islâmica. Na Coréia do Norte ou Miamar, como na China não existe tolerância, mesmo sendo países de cultura mais moderna e anticristã. Mas era vista como uma prova da degeneração humana a que podia levar o capitalismo. Ou seja, aqueles que achavam que a sociedade achara o caminho da verdade, e que ela deveria ser imposta por qualquer força, por qualquer lei sábia fazem parte daqueles que criaram as ‘monstruosidades’ que o jovem acredita que a sua não irá criar jamais. Que esta nova é muito diferente em essência das anteriores. Isenta de monstruosidades e aberrações. O grande perigo.

Pensar diverso é pecado

Justamente o iluminismo vinha pregar o contrário. A inexistência de verdades morais absolutas e, portanto, a tolerância para o que os que se achavam donos da verdade pelos ‘errados’. A liberdade de pensamento, de manifestação e de crença. Não porque se tinha certezas da verdade, mas porque ela só pode aparecer quando não se atribui ao hoje e ao agora o caráter de eternidade. Do crente no correto e, portanto, impedir que o novo surja. Ou que o passado seja redescoberto e sirva de inspirador. O que caracterizou o Renascimento. De tornar a sociedade menos flexível para os novos desafios deste mesmo século. Não precisamos nem pensar muito longe. A oportunidade desta próxima geração em construir novas virtudes que pensa virá ser as definitivas na face da terra está chegando rapidamente. Muito das nossas formas de se relacionar com a natureza e com nós mesmos deverão ser radicalmente modificadas. E rapidamente. Thomas Malthus já previra, mas foi preferido ignorá-lo. E até hoje se deixa ficar para ver como é que fica. A farra continua e pensamos em mais formas de farrear apenas.

Papeis e leis não resolvem muito. Não cria amizade e nem identificação. Vimos isto nos distúrbios dos subúrbios de Paris. Diz-se agora com o desastre aéreo com os franceses negros que caíram perto das ilhas Comores. A mídia interna teria tratado com comoção diferente os dois fatos. Não se pode saber qual teria sido a reação nas Ilhas Comores com a morte dos franceses brancos no distante Atlântico para compararmos melhor. Ou se os jovens dos subúrbios se sentem franceses históricos ou islâmicos conquistando o mundo infiel.

Os porta-vozes da Igreja católica afirmam que a homossexualidade vai ‘contra a natureza’, os mulás [líderes muçulmanos] a comparam à ‘anarquia sexual’, os gurus hindus se indignam por ela ir ‘contra a cultura védica’ e seus colegas sikhs a consideram um atentado aos ‘ensinamentos do Guru Granth Sahib’ (livro sagrado do sikhismo). Estar nas leis não garante a sua eternidade ou virtude verdadeira. Todos os que legislaram no passado criando monstruosidade também pensavam estar estabelecendo virtudes eternas. Hoje possuem certezas aqueles que estão dispostos a imitá-los pelas leis. Isto é o que você deve acreditar a partir daqui. Pensar diverso é pecado.

Sexualidade não reprimida

A reserva de mercado para jornalistas formados na universidade é um dos exemplos da confiança na justeza das leis e não nos seus erros ocultos. Do despertar do corporativismo em detrimento dos reais interesses que a mídia deve ter para a sociedade. E o que vimos foi que o jornalismo não melhorou nestes 40 anos. Mesmo assim, políticos atrás de votos, como o regime militar fez em busca de simpatia e cumplicidade, ensaiam novas leis em detrimento da cidadania. Para ser jornalista se exigiria diploma universitário, mas para o mesmo falar sobre temas de profissões universitárias, ele está isento de necessidade de ter formação igual, apenas a garantia legal de alijar os demais profissionais da mídia.

‘Mas a família patriarcal ainda reina: ainda que liberalizado e quase incontestado, o capitalismo global não pode passar sem ela. E assim será até que os comunistas tenham a clarividência de compreender que o grande combate pelo derrubada da burguesia passa também pela abolição da família e por uma sexualidade não reprimida, como defendiam os bolcheviques.’ Escrito por Ana Barradas para Kaos en la Red, (http://www.psicologado.com/site/artigos/sexualidade/os-comunistas-e-a-homossexualidade)

‘Na primeira noite eles se aproximam

e roubam uma flor

do nosso jardim.

E não dizemos nada.

Na segunda noite, já não se escondem;

pisam as flores,

matam nosso cão,

e não dizemos nada.

Até que um dia,

o mais frágil deles

entra sozinho em nossa casa,

rouba-nos a luz, e,

conhecendo nosso medo,

arranca-nos a voz da garganta.

E já não podemos dizer nada.

Até nossos filhos desejam levar dizendo que é para o bem deles. Que gostam mais deles do que nós mesmos.

‘Nós vos pedimos com insistência:

Nunca digam – Isso é natural

Diante dos acontecimentos de cada dia,

Numa época em que corre o sangue

Em que o arbitrário tem força de lei,

Em que a humanidade se desumaniza

Não digam nunca: Isso é natural

A fim de que nada passe por imutável.’

(Bertolt Brecht)

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Médico, Porto Alegre, RS