Tuesday, 19 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1279

O mercado de trabalho para o jornalismo cultural

Com muita frequência, sou abordado por alunos de comunicação social, jornalistas recém-formados e profissionais experientes de outras áreas sobre um conflito interno que costumam ter de vez em quando: eles têm consciência de que o mercado de trabalho para o jornalista não anda nada fácil neste século 21 mas, ao mesmo tempo, possuem um desejo por vezes incontrolável de trabalhar com jornalismo cultural. Para estas pessoas, resolvi mandar boas e más notícias.

Primeiro a má notícia. Sim, elas estão certas, o mercado de trabalho para o jornalismo talvez nunca esteve tão desconvidativo quanto hoje. Redações minguadas, editores economizando repórteres que vão para as ruas porque tem pouca gente para cobrir as páginas dentro da redação, salários cada vez mais nivelados para baixo — fruto de uma altíssima demanda, de sindicatos fracos e também de empresas jornalísticas constantemente no vermelho.
Além disso, tem o tal acesso gratuito a informações jornalísticas, o que inclui textos profissionais que os grupos de mídia são impelidos a compartilhar nas redes sociais para não ficarem de fora do circuito. E tem também as notórias, perigosas e altamente consumidas fake news. Tudo isso faz parte da realidade do jornalismo como um todo, talvez num nível mundial, e o jornalismo cultural não foge desse cenário — talvez é até mais agravado pelo fato de haver uma demanda sempre maior de pessoas que querem trabalhar com cultura e um imaginário de certos empregadores que trabalhar com cultura é lazer e, portanto, pode ser mal remunerado ou até feito de graça.

Agora é a vez das boas notícias. A primeira, e talvez mais importante, está ligada também ao mercado de trabalho. Estamos acompanhando com entusiasmo a virada do jornal norte-americano The New York Times, que começou a apresentar altas sucessivas nos lucros com assinaturas digitais. Sinal de que existe uma forte probabilidade de tal comportamento virar tendência no resto do mundo, ou seja, do público entender que jornalismo bom é jornalismo pago.

O resto é publicidade, comentário de rede social ou fake news. E por falar em fake news, o policiamento contra elas está crescendo, com as entidades se mobilizando para haver uma punição maior, especialmente em ano de eleição. O próximo passo é criar uma consciência coletiva mais abrangente contra os perigos de se compartilhar, promover e comentar textos como esses. E isso começa com quem está me lendo neste momento, ao evitar compartilhar links de “notícias” suculentas que, na verdade, são frutos falsos ou podres.

A segunda boa notícia tem a ver também com demanda. Mas demanda de uma cobertura de qualidade. Os consumidores de informação estão dando conta de que o tempo — para lazer ou trabalho — precisa ser bem aproveitado. Então, não vale a pena perder tempo com fontes que não agregam algo em suas vidas. Tome, por exemplo, a cobertura da cerimônia do Oscar deste ano feita pela TV Globo. A emissora juntou três profissionais com pouco conhecimento especializado em cinema. O resultado foi uma troca de comentários que em nada acrescentava o conhecimento do telespectador sobre os bastidores das produções vencedoras, seus elementos técnicos, estéticos e de linguagem. A cerimônia perdeu 20% de audiência nos EUA neste ano. Com coberturas pouco instrutivas mundo afora, tende a se tornar irrelevante a médio prazo.

A próxima boa notícia para quem quer entrar no mercado do jornalismo cultural tem a ver com outra demanda, a de produção cultural. Mesmo nestes últimos três anos em que o Brasil viveu uma de suas piores crises econômicas, produzimos uma média de 115 longas-metragens por ano, centenas de peças teatrais estrearam pelo país, produtoras continuam fazendo séries, minisséries e documentários para os canais de TV, shows nacionais e internacionais não param de lotar os grandes estádios e até mostras de audiovisual — polêmicas ou não — continuam aterrizando em museus de todo o País. E onde há produção cultural há demanda por jornalismo cultural, pois ele é a ponte e o filtro indispensável para traduzir, prestar serviços, refletir e informar sobre o que se tem feito de arte e entretenimento aqui e lá fora.

As oportunidades profissionais

Mas quem está lendo este texto talvez esteja à procura de dicas concretas de como começar ou sobreviver de jornalismo cultural. Então vamos a elas:

Depois que você leu todos os livros fundamentais de teoria e prática do jornalismo, bem como os livros especializados de jornalismo cultural, a dica é começar por cursos de especialização. Sejam bons cursos livres — eu mesmo me tornei crítico de cinema após um curso livre de um ano de história do cinema — ou cursos formais, como um lato-sensus, mestrado ou doutorado, ainda que estes dois últimos sejam mais visados por quem quer se tornar pesquisador ou professor universitário. Fazer cursos é fundamental não só para aprofundamento e atualização profissional, como também para construção de um networking dentro da área.

Cumprido este passo, agora é se jogar no mercado, inovar, testar, ousar. Alguns de meus ex-alunos resolveram criar sites cobrindo as estreias culturais de São Paulo. No começo era só gasto — com transporte, entrevista e manutenção do site — mas aos poucos começou a haver retorno de publicidade e o início de uma remuneração permanente. Hoje eles fazem parte da cobertura cultural da cidade, sendo convidados para grandes estreias, aberturas etc.

E enquanto muitos acreditam que a mídia tradicional não está abrindo vagas para gente nova no mercado, outros correm atrás e descobrem o contrário. Um exemplo: uma ex-aluna e talentosa jornalista, Fernanda Talarico, buscou sua formação e, ainda muito nova, correu atrás de grandes redações. Acabou entrando no caderno de cultura da Folha de S.Paulo e agora começou na revista Rolling Stone.

Jornalismo Cultural é uma das editorias de maior índice de leitura no Brasil e no mundo, pois informa e entretem. Sua base — a produção cultural — nunca foi tão grande e diversificada como hoje. Portanto, as razões para investir nesta especialização são maiores do que os entraves atuais do mercado. O copo está meio cheio. Corre lá e bebe.

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Franthiesco Ballerini é escritor, jornalista e autor do livro ‘Jornalismo Cultural no Século 21’. www.franthiescoballerini.com