Thursday, 28 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1281

O misterioso e suspeito desaparecimento do Conselho de Comunicação Social

A Conferência Nacional de Comunicação é uma iniciativa que merece ser saudada e prestigiada. Sobretudo diante do misterioso e suspeito desaparecimento do Conselho de Comunicação Social (CCS), órgão auxiliar do Congresso previsto pela Constituição para a tomada de decisões. Demorou 14 anos para sair do papel e depois de breve existência eclipsou-se misteriosamente.


O CCS teve vida breve, porém profícua e, por isso, resumida praticamente a um único mandato (2003-2005). Em seguida suicidou-se, graças à diligência do coveiro indicado pelo chefe do Legislativo, senador José Sarney, para enterrá-lo.


Na pauta das discussões da Conferência, não aparece nenhuma sugestão destinada a revivê-lo e, assim, superar a afrontosa ilegalidade atual. Mas há propostas para criar Conselhos de Comunicação Social nas esferas municipal, estadual e federal sem vinculação com o Executivo e o Legislativo.


Exigência constitucional


O CCS, além de ser fruto de uma exigência constitucional longamente debatida pelos constituintes de 1988, tinha legitimidade, foi escolhido por um acordo partidário, endossado pela Mesa do Senado. Sua arquitetura era precária (dos cinco representantes da sociedade civil apenas três não possuíam vinculações corporativas, um dos quais era o presidente, não-votante). Mesmo assim, foi possível discutir importantes tópicos da agenda midiática (os oito conselheiros restantes foram escolhidos equitativamente pelas corporações empresariais e profissionais).


Na pauta de discussões da Confecom não é mencionada com clareza a necessidade de se criar um órgão regulador nos moldes da FCC (Federal Communications Comission) americana ou do modelo europeu das Altas Autoridades para o Audiovisual. Esta é uma questão central que não deveria estar camuflada ou disfarçada. A existência da FCC nunca foi seriamente contestada nos EUA e os seus recuos na Era Bush não chegaram a anular os benefícios que produziu na matriz da livre iniciativa. O mesmo acontece na União Européia com os diversos organismos reguladores, aceitos com naturalidade pelo segmento do empresariado mais conservador.


O Estado é laico


A regulação viola o venerando conceito da liberdade de impressão defendido já no século 17 por John Milton. A mesma regulação, porém, será de capital importância para evitar o caos produzido pela convergência de tecnologias nas mídias eletrônicas e digitais.


As propostas preliminares colocadas diante da Confecom mencionam a necessidade de reorganizar o sistema de concessões para o audiovisual, mas nenhuma ONG encarou a aberrante distribuição de canais de rádio e TV para parlamentares, vergonhoso comércio de favores que compromete visceralmente tanto a nossa mídia eletrônica como a própria lisura dos procedimentos parlamentares. Sem este saneamento estrutural será impossível criar um sistema audiovisual minimamente isonômico e justo.


O dossiê oferecido pelos órgãos governamentais contém propostas positivas e realistas:


** Aprovação de uma lei que garanta o direito de resposta e regule o valor das indenizações (corrigindo-se a lamentável decisão do STF que extinguiu integralmente a Lei de Imprensa);


** Coibir a comercialização para terceiros do tempo da programação de rádio e TV;.


** Criação de instrumentos para controlar o número máximo de concessões para grupos empresariais;


** Flexibilizar a Lei de Licitações para facilitar a compra de conteúdos regionais independentes;


** Restringir a propriedade cruzada de meios de comunicação, sobretudo em cidades médias e pequenas (tal como preconiza a FCC americana);


** Garantir o acesso à banda larga para todo cidadão;


** Regular por lei o preceito constitucional da classificação indicativa da programação de TV;


** Exigir contrapartidas dos fabricantes de bebidas alcoólicas, sobretudo cervejeiras, para mensagens de alerta para o perigo do seu consumo.


Algumas propostas oficiais não escondem a sua natureza centralizadora e intervencionista:


** A redução dos custos dos pequenos jornais é uma ilusão e uma forma de controlá-los. Melhor seria adotar os modelos ora em discussão no Congresso americano que prevêem para a pequena imprensa ameaçada de extinção o formato de sociedade não-lucrativa, livre de impostos.


** A regulamentação do proselitismo religioso é uma balela, tentativa de manter o status quo antidemocrático: o Estado brasileiro é laico. Ponto final. Proselitismo religioso faz-se nos templos que já gozam de amplos privilégios fiscais e trabalhistas.


Recurso de ‘judicializar’ é inadequado


Lamentável a decisão de não participar da Confecom adotada pelas seis mais importantes entidades empresariais de mídia (ANJ, Abert, Abranet, ANER, Associação Brasileira de TV por Assinatura e Associação de Jornais e Revistas do Interior). Sem uma plataforma mínima para o exercício da convivência e da negociação (já alcançada no falecido CCS) será difícil evitar futuras confrontações.


O recurso de ‘judicializar’ todas as pendências políticas mostrou-se neste ano rigorosamente inadequado. Os supremos magistrados estão estressados pela excessiva visibilidade, desgastados por confrontos pessoais e afogados pela avalanche de demandas. As partes insatisfeitas promovem imediatamente a volta à estaca zero. Melhor conversar ou, pelo menos, ouvir.


 


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