Thursday, 25 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

O molho bom

Vamos imaginar a seguinte hipótese: a de que a imprensa não tivesse a liberdade que tem para investigar e analisar os fatos recentes do cenário político brasileiro. Em outras palavras, que a imprensa, na liberdade de que goza para escarafunchar suspeitas e estabelecer relações, não tivesse o direito de errar, como às vezes erra, na missão de zelar pela ética nas relações, sobretudo nas relações dos governantes com a coisa pública. Que ela se ativesse apenas àquilo que determina a lei, ou ao que os sátrapas de plantão quisessem que fosse investigado. Será que teríamos chegado ao ponto a que chegamos?

Respondendo à pergunta, e para falar especificamente do chamado ‘escândalo do mensalão’, Lula, José Dirceu e o PT adorariam que isso acontecesse. Os dólares na cueca certamente não viriam à tona. Nem a Land Rover de Silvinho Pereira. Muito menos o ervanário tungado ao contribuinte pelo filho do presidente. Ou o malcheiroso caixa 2. E não adianta vir a Marilena Chaui dizer que tudo isso é ‘produto da mídia’. A frase é batida, mas encerra uma velha verdade: contra fatos não há argumentos. Que me desculpe a filósofa, mas a cegueira política é toda dela, como disse o FHC. Dela e dos que macaqueiam o que ela diz.

Matéria simbólica

Não por acaso o atual governo deu amplo apoio ao projeto de controle da atividade jornalística. Devíamos ter desconfiado. Sem a liberdade de que a imprensa desfruta – liberdade, diga-se, sujeita, como todas as atividades, a abusos, equívocos e arbitrariedades, mas igualmente regulamentada pela lei –, toda a sujeira que agora está indelevelmente pespegada à imagem do partido que se dizia defensor dos bons costumes na política continuaria encoberta. Só gente mal-informada ou de visão estreita e obsoleta não percebe isso.

Este é apenas um exemplo de como não se pode equiparar o jornalismo a outra atividade qualquer. Trabalhamos com matéria simbólica, que não se mede em átomos. Nosso objeto é subjetivo, embora os fatos não o sejam. É dessa combinação entre a materialidade do fato e o subjetivismo do jornalista que sai o tempero que o leitor esperar encontrar. Quanto mais consistente e bem-apurado esse molho, melhor.

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Jornalista e escritor