Wednesday, 24 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

O motim dos jacobinos

Até parece que a seleção francesa de futebol foi atacada por um déjà vu. Não é novidade que os defeitos morais de pais frequentemente se refletem na formação dos filhos. Essa máxima se encaixa muito nas sociedades em processo de esfacelamento. Vide a História dos romanos e a atual demolição da família nas nações ocidentais capitalistas e seus reflexos sobre o perfil dos cidadãos pós-modernos.


Os jogadores da seleção francesa participaram de um motim inigualável nas edições anteriores das copas do mundo. A ministra francesa dos Esportes Roselyne Bachelot considerou o levante um ‘desastre moral’. Incumbida pelo presidente da República Nicolas Sarkozy de investigar os motivos da rebelião, a ministra cobrou dos jogadores como eles gostariam de ser lembrados pelas futuras gerações. Ao mesmo tempo, o técnico Raymond Domenech os rotulou de estúpidos e imbecis. O mesmo técnico que minimizou e estranhamente rebateu a acusação de prostituição infantil – nome pomposo para pedofilia – contra os convocados Ribéry e Govou.


Os próprios alvos dos amotinados não tiveram capacidade moral para dirimir um ato anterior que provocou a ojeriza do mundo aos franceses na Copa da África do Sul. O gol de Gallas auxiliado pelo passe de mão do capitão Henry, que eliminou a Irlanda, recebeu tratamento vip de heroísmo. Mesmo a Fifa, entidade com poderes para cancelar o jogo e punir o francês, avalizou sua ação, justificando-a da pior maneira possível: ‘O ato de tocar a bola com a mão não pode ser considerado uma falta grave’. Assim, a Fifa não tem moral para punir o atacante brasileiro Luís Fabiano e seus braços auxiliares, a irrefreável língua do técnico Dunga contra os globais, nem qualquer outra trapaça porque, de quebra, sua omissa atitude perdoa a ‘mão vingadora’ de Maradona naquele gol contra a Inglaterra na Copa de 1986. Em suma: para os dirigentes da Fifa, a moral é relativa.


Primeiro da fila


Outro ponto a se considerar indica as origens dos jogadores da seleção francesa. Em sua maioria filhos de imigrantes ou naturalizados, cresceram nas periferias das principais cidades do país ou nos bolsões de violência e miséria da África. Muitos deles são vítimas da exploração. E essa influência moldou o caráter deles. Cogitou-se, inclusive, o envolvimento no sururu do ex-jogador Zidane – aquele da cabeçada em Matterazzi –, mas ele negou. Bom exemplo ele não é. Nem o pivô da revolta, Anelka, cujo histórico anterior revela outros momentos de estresse com a seleção nacional. Ele chegou a abandonar o futebol, mas demoveu sua decisão.


Essa era a segunda e última chance de Anelka se redimir e colocar seu nome na galeria dos famosos da França. Mas ele preferiu se filiar aos jacobinos ao invés de tentar derrubar a Bastilha dos adversários. Ele optou por se mancomunar com os Robespierres da vida e sair guilhotinando seus ex-companheiros e superiores.


Se Anelka e seu grupo tivessem se dedicado mais à educação, saberiam que tanto o inventor Joseph Guillotin quanto Maximilien Robespierre tiveram suas cabeças decepadas na guilhotina. Por não ter equilíbrio, bom senso e maturidade emocional, Anelka se tornou o primeiro na fila a perder a cabeça.

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Diretor de Jornalismo da Rádio Unasp, professor e doutorando em Comunicação e Semiótica (PUC-SP); Lagoa Bonita, SP