Tuesday, 16 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1283

O passarinho, o Santo
Antonio e a falta de notícia


1. Uma nota na Folha de segunda-feira (19/6), na coluna ‘Toda Mídia’, do primeiro caderno, tira qualquer dúvida. A Nike tinha pronto um baita comercial com o Ronaldo, que iria ao ar logo depois do jogo do domingo na TV de vários países, simultaneamente. A pífia apresentação do Fenômeno, porém, desestimulou o marketing da empresa e o comercial acabou suspenso. A Nike garante a escalação do sósia do Bussunda, mas, infelizmente, não consegue fazê-lo jogar bola.


2. Sábado (17/6) à tarde, no Sportv, assisti a um estelionato. Apresentava o canal a cabo da Rede Globo uma matéria sobre os grandes jogos das Copas ocorridos no dia 17 de junho e, no fim, destacou a decisão da Copa de 1962. Mostrou o gol tcheco, o empate marcado pelo Amarildo e a virada com o Zito. Até aí, tudo bem. Foi o terceiro gol, da forma apresentada, que quase me fez cair do sofá. Na edição, Garrincha dá uns dribles na linha lateral da grande área e cruza. Há um corte de imagem e vemos o goleiro tcheco soltando a bola para a conclusão oportunista do Vavá. O problema é que o Garrincha não participou da jogada, que tem início na lateral direita do ataque brasileiro, na altura da intermediária adversária. Dali, Djalma Santos dá um balão para a área. O goleiro vai para a bola tranqüilo, mas, atrapalhado pelo sol, solta nos pés do centro-avante brasileiro. Mane foi o craque da Copa de 62 e não precisa dessa ‘homenagem’.


3. Há uma semana, antes da estréia contra a Croácia, a seleção brasileira era quase unanimidade. A imprensa preparava os espíritos para o grande show que aconteceria em Berlim e a torcida entrava com gosto no clima. Já eram consideradas saudosistas as comparações com as equipes de 58 e 70, porque a atual geração seria muito melhor e mais vitoriosa. A coisa chegou a tal ponto de desvario que poucos se escandalizaram quando Roberto Carlos cometeu a heresia: Cafu é mais importante que Pelé para o futebol brasileiro. Dois jogos depois, só o Galvão Bueno tenta sustentar essas sandices.


Com o olhar


4. O pessoal da telinha passa o dia em intermináveis mesas-redondas falando ‘eu acho que’, ‘eu penso que’, ‘eu imagino que…’ e não nos dá uma única informação relevante. Os tais boletins ao vivo são uma embromação. Ao fundo, a imagem invariável do ônibus da seleção estacionado diante de um hotel, de um aeroporto ou de um campo de treinamento. O texto dos solertes também não varia. Agora, a seleção está deixando tal cidade. Agora, a seleção está indo para o treino. Agora, a seleção está chegando ao estádio. Com sorte, o telespectador pode ver alguma movimentação. Jogadores que entram ou saem do ônibus, o indefectível assessor de imprensa da CBF, de vez em quando um Parreira. E o ‘repórter’ vai descrevendo. Passou o Cris. Vem aí o Emerson. Emocionante.


5. Tem mais de 847 jornalistas brasileiros cobrindo a seleção e ninguém conseguiu informar qual é o peso do Ronaldo Fenômeno. Afinal, quantos quilos o jogador tem a mais? Parece que jornais, revistas, rádios e emissoras de televisão, além de sites e blogs, esqueceram-se de enviar repórteres à Alemanha. Só tem comentarista e o poeta Pedro Bial. Então, os caras ficam perguntando aos convidados das mesas-redondas: você acha que o Ronaldo está gordo? Não satisfeitos, transferem a pergunta aos telespectadores: www.qualquercoisa.com.br, dê sua opinião – o Ronaldo está gordo?


6. O Bial, no Jornal Nacional, está virando páreo para o Galvão Bueno. Na segunda (19/6), a fonte da matéria dele era um passarinho. Isso mesmo, aquele bichinho que voa. O Bial falou com um passarinho que teria visto o jogo bem do alto e apontou para ele os problemas e as soluções para a seleção. Fantástico! Na véspera da estréia, o big brother já havia roubado a cena com a inacreditável entrevista do Zagallo e do Santo Antônio. Incomodado, o Galvão deu o troco sábado, véspera do dificílimo confronto com a Austrália. Encerrou o carro-chefe do jornalismo global, ao lado de Fátima Bernardes, falando do encontro (não gravado) que tivera com Ronaldo. Disse pressentir uma grande apresentação do Fenômeno no dia seguinte. Não – explicou o narrador –, o jogador não disse isso com palavras. Foi apenas com o olhar.


É esse o jornalismo que a Copa nos serve 24 horas por dia.

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Jornalista, São Paulo (SP)