Friday, 19 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

O presidente e a notícia ruim

Esta quarta-feira (6/12) foi um dia exemplar para avaliação do desempenho da nossa imprensa e também da crescente má vontade do governo com um jornalismo livre.


O Estado de S.Paulo prestou um servição à democratização da mídia ao dedicar duas páginas à escandalosa concessão de rádios e TV a parlamentares. Esta é uma das maiores aberrações do nosso sistema midiático que o Observatório da Imprensa vem denunciando há tempos, chegando mesmo a oferecer farta documentação à Procuradoria Geral da República.


E por que esta iniciativa do Estadão chama tanto a atenção? Simplesmente porque grande parte dos jornais brasileiros tem interesses no rádio e na TV e, por isso, prefere deixar as coisas como estão em vez de liquidar o coronelismo eletrônico.


Esse foi o lado bom do dia. Coube ao presidente Lula, mais uma vez, o papel de vilanizador da imprensa. Numa cerimônia em Brasília, no dia anterior, o presidente declarou que a imprensa só gosta de notícias ruins e insinuou que esta preferência deve ser muito rendosa do ponto de vista econômico.


O presidente Lula deu azar: naquele exato momento o apagão aéreo chegava ao seu ponto culminante com a pane que paralisou por três horas o tráfego aéreo em Brasília, São Paulo e Rio.


Pergunta: se fosse jornalista, o presidente Lula omitiria esta notícia ruim? Felizmente Lula não é jornalista. Mas como presidente da República, na véspera do segundo mandato, mostra que ainda não aprendeu as lições elementares da cartilha democrática.


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Notícia ruim deve dar mais dinheiro, ironiza presidente


Eduardo Scolese e Pedro Dias Leite # copyright Folha de S.Paulo, 6/12/2006


Em discurso de improviso ontem diante de autoridades do Judiciário, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva manteve em alta a linha petista e do governo de ataques à imprensa. Disse que ‘lamentavelmente’ é obrigado a respeitar a ‘cultura’ de que as notícias boas são mantidas em segundo plano pela mídia: ‘Do ponto de vista econômico, a notícia ruim deve dar muito mais dinheiro’.


As críticas de Lula ocorreram no início da tarde, no Palácio do Planalto, em evento de premiação de iniciativas para a modernização da Justiça. Lula citou a imprensa no momento em que enaltecia iniciativas de melhoria nos serviços judiciais: ‘Lamentavelmente nós temos uma cultura e temos que respeitar aquilo que a gente tem. Muitas vezes as notícias boas não merecem os destaques que merecem uma notícia ruim’.


‘Possivelmente, eu acho que, do ponto de vista econômico, a notícia ruim deve dar muito mais dinheiro do que a notícia boa’, acrescentando: ‘Como é que a gente vai educar a sociedade brasileira de que as coisas boas acontecem em maior número que as coisas ruins no país?’, questionou.


Após as eleições, o desgaste da relação do Planalto com a imprensa recrudesceu por conta de seguidas insinuações de dirigentes petistas e de integrantes do governo sobre um suposto favorecimento dos veículos de comunicação ao PSDB.


Lula, além do presidente do PT, Marco Aurélio Garcia, e do ministro Tarso Genro (Relações Institucionais), tem repetido esse tipo de ataque.


Ontem, Lula afirmou que os vencedores das cinco categorias do Prêmio Innovare não precisaram fazer lobby para pôr em prática suas idéias: ‘As pessoas que ganharam os prêmios não tiveram nenhuma necessidade de fazer uma passeata em Brasília, não tiveram necessidade de marcar nenhuma audiência com o presidente da República e não tiveram sequer a força de vir a Brasília pedir que mudasse alguma lei’.


No final da tarde, em seu gabinete, Lula disse ao senador Pedro Simon (PMDB-RS) que foi ‘judiado’ pela imprensa.