Friday, 29 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1281

O professor e as eleições

Li neste Observatório da Imprensa o artigo intitulado ‘Estado
de Minas e a vitória de Pirro
‘, de autoria do professor e filósofo Fernando
Massote, que tratava das eleições municipais em Belo Horizonte. Faço questão de
recomendar que ninguém deixe de ler o texto em questão: a recomendação é
principalmente para aqueles que desejam um brinde ao autoritarismo e à
parcialidade.


Há tempos o professor vem capitaneando uma campanha solitária, quixotesca e
fundamentalista contra o jornal Estado de Minas. No afã de tentar dar uma
explicação mais legítima para a sua guerra santa particular contra as páginas do
diário, ele tentou, em vários momentos, fantasiá-la de um combate pela liberdade
de expressão, contra a censura que os veículos mineiros estariam sofrendo por
parte do Palácio da Liberdade.


Apesar de esse assunto parecer estar se esgotando em Minas Gerais – afinal,
quem lê os jornais locais sabe que as coisas não são bem assim –, infelizmente,
quem mora fora do estado acaba tendo uma idéia equivocada do que acontece aqui,
haja vista a insistência com que o professor reitera suas críticas nas
prestigiosas páginas digitais deste Observatório da Imprensa. É um método
velho e surrado, mas que obteve muita simpatia por parte de um certo ministro da
Propaganda na Alemanha da década de 1930.


Ex-colaborador


Nesse último texto, ele deixou de lado os outros jornais do estado – talvez
pela impossibilidade de criticá-los, uma vez que a cobertura crítica à
candidatura de Marcio Lacerda mereceu amplos espaços em todos os jornais – e se
fixou apenas no jornal Estado de Minas.


Antes de tudo, gostaria de dizer que não tenho procuração para defender o
jornal Estado de Minas, sou tão-somente um estudante de Direito. Eu mesmo
tenho uma visão crítica não só dele como também de outros jornais, inclusive de
outros estados, tão somente como uma análise de um estudante de comunicação…
Agora, acusar o jornal de agir na ‘esteira de um modelo de mobilização tirado do
arsenal da CIA’ é um pouco demais.


Aliás, o texto do professor é todo ‘demais’, mas possui um mérito: o de
revelar as suas verdadeiras motivações e criar as condições para que algumas
questões fiquem mais bem esclarecidas.


O professor foi colaborador do jornal Estado de Minas durante anos.
Isso foi comentado numa recente aula de ética na publicidade.


Nesse período de duas décadas, se orgulhava tanto dos textos que lá estampava
que chegou a publicar vários em seu livro. Por que só resolveu iniciar suas
críticas depois que o jornal interrompeu a colaboração dele? Enquanto aceitava
publicar seus artigos, o jornal era ótimo. Quando passou a não se interessar
mais por eles, o jornal piorou tanto que merece ser execrado. Ou será que o
professor sempre teve essa imagem do jornal, mas por conveniência pessoal,
silenciou-se por anos em troca da publicação de seus artigos? E se o jornal
ainda estivesse publicando os seus textos, será que ele teria a mesma opinião
hoje em dia? Confesso que nenhuma das três opções acima me parece digna de quem
se arvora em ser defensor da ética e da liberdade.


Calúnia, injúria e difamação


Outro esclarecimento que o professor, no meu entendimento, ficou devendo aos
seus leitores é a explicação de que a análise que fez das eleições em Belo
Horizonte não partiu de um observador isento da cena política, como o texto dá a
entender. Além de esquecer-se de informar que sua colaboração foi dispensada
pelo jornal Estado de Minas (a colaboração do professor era voluntária,
por isso não se trata de demissão) ele também se esqueceu de informar que foi
cabo eleitoral atuante a favor de Leonardo Quintão, a quem brindou com um
manifesto de apoio em seu blog, que recebeu uma minguada adesão. Minguada não…
Isso é exagerar. Raquítica é um termo mais adequado.


Mas, esclarecidas as minhas opiniões sobre as relações pessoais de fundo que
envolvem o professor, o jornal e as eleições, gostaria de me deter ponto a ponto
nos argumentos apresentados por ele no artigo em questão.


Depois de iniciar o seu artigo fazendo diversas considerações sobre a CIA e o
golpe de 1964, o professor manifesta a sua indignação pessoal contra a campanha
via internet sofrida pelo candidato Leonardo Quintão. Este tipo de campanha é
realmente lamentável e merece repúdio. Aliás, como estudante de Direito de uma
faculdade que recebe anualmente prêmios e menções honrosas, considero que a
calúnia, a injúria e a difamação são caminhos condenáveis para se atingir o
sucesso num pleito. Todavia, quem assistiu às eleições em Belo Horizonte e lê o
texto do professor deve ter ficado surpreso com a falta de menção à violenta
campanha de difamação sofrida pelo outro candidato, Marcio Lacerda, a quem,
diga-se, eu apoiei. Aliás, no primeiro turno, não havia um dia em que você
abrisse a sua caixa postal eletrônica e não encontrasse uma dezena de mensagens
caluniando, difamando ou injuriando o candidato Marcio Lacerda. Sem mencionar os
inúmeros vídeos no YouTube e blogs que iam na mesma linha.


‘Controversa figura’


Marcio Lacerda foi vítima de sucessivas ondas de spams difamatórios na
internet, sempre apócrifos e violentos, tentando vinculá-lo ao episódio do
mensalão. O professor Massote é um homem bem informado e certamente viu a
certidão do Supremo Tribunal Federal (STF) atestando a total inocência de Marcio
Lacerda; com toda certeza ouviu o depoimento do senador Delcídio Amaral,
presidente da CPMI dos Correios, e leu a carta do relator da CPMI, deputado
Osmar Serraglio, ambos também comprovando a inocência de Márcio Lacerda. No
mínimo alguém deve ter lhe contado que o procurador-geral da República, a
Polícia Federal e a Receita Federal também atestaram a total ausência de vínculo
entre Márcio Lacerda e o mensalão. Ainda assim, em mais uma ausência de
compromisso com a realidade, o professor preferiu ignorar tudo isso.


Pelo visto, ele não se preocupa com a questão ética da campanha eleitoral em
si. Parece se incomodar apenas com alguns de seus desdobramentos. Se quem é
atingido pela calúnia é o adversário, tudo bem. Se não, como explicar que,
apesar de todas as provas em contrário, ele reitere no seu artigo a mesma
insinuação presente nos ataques covardes sofridos pelo candidato e que foram
considerados criminosos pela Justiça? Será que, assim como Leonardo Quintão, o
professor pretende colocar-se na posição de juiz ou procurador de justiça para
condenar alguém?


Outro aspecto importante é o tratamento quase afetuoso dirigido por Massote
ao ex-governador Newton Cardoso, que também deu apoio a Leonardo Quintão,
registrado pela revista Veja e por entrevista concedida a uma emissora de
rádio. Certamente na dúvida de como qualificá-lo, já que desta vez estavam no
mesmo campo político, Massote tratou-o por ‘controversa figura’ – e deve ter
sido o primeiro intelectual mineiro a elogiá-lo dessa maneira, passando uma
borracha sobre uma história de muita ‘controvérsia’ – e bota ‘controvérsia’
nisso. Parodiando uns dos exaustivos bordões de Quintão: ‘É controversa figura
cuidando de controversa figura’…


Opinião e informação


O professor segue em frente e apresenta a ‘prova’ de que o jornal Estado
de Minas
fez a defesa da candidatura de Marcio Lacerda ‘de forma desabrida
escancarada, sem limites’. A ‘prova’ é a manchete do dia seguinte à eleição, 27
de outubro: ‘Vitória da aliança’. Sabem qual foi a manchete da Folha de
S.Paulo
no mesmo dia: ‘Vitória de Kassab fortalece Serra’. Já pensou se o
jornal Estado de Minas desse uma manchete igual à da Folha:
‘Vitória de Lacerda fortalece Aécio’? O que o professor Massote diria? Isso dá
para fazer, não é, professor?


O professor também critica o fato da coluna ‘Em dia com a política’, assinada
pelo jornalista Baptista Chagas de Almeida, trazer comentários e opiniões
pessoais do repórter. Ora, coluna assinada, em qualquer lugar do mundo, é para o
colunista trazer os bastidores da notícia, fazer suas análises e manifestar sua
opinião. Essa é a labuta de nomes como Clóvis Rossi, Ancelmo Góis, Dora Kramer,
Ricardo Noblat, Ilimar Santos ou Lauro Jardim, entre tantos outros. Aliás, sou
assíduo freqüentador dos blogs de vários deles.


Pelo visto, na opinião do professor, estes jornalistas também não poderiam
expressar suas opiniões, já que todas as opiniões são pessoais. Por isso, a
coluna é assinada. Para não se confundir com a cobertura jornalística rotineira.
A propósito, a jornalista Dora Kramer, do Estado de S.Paulo, escreveu o
seguinte sobre Leonardo Quintão: ‘O mocinho bonito do PMDB significa a volta das
velhas estruturas simbolizadas na figura de Newton Cardoso’. Já pensou se fosse
o Baptista Chagas que dissesse a mesma coisa? O professor iria ver aí mais uma
prova da conspiração. Será que o professor reclamou do texto da jornalista Dora
Kramer?


Mas, além de tudo isso, que me parece uma amazônica soma de equívocos, o
professor ainda comete outros erros. Alguns graves, quando vindos de um
professor que se orgulha de se apresentar como acadêmico, o que deveria
significar um mínimo de respeito aos fatos. O que significa não confundir
opinião com informação, desejo com realidade. Isso dá para fazer…


Manipulação da realidade


Vale a pena reler especialmente o penúltimo parágrafo do texto do professor.
Neste trecho, vale observar que o número de votos brancos, nulos e abstenções de
quase 25% nestas eleições são apresentados pelo professor como algo fora do
normal. No entanto, nas eleições municipais de 2004 em Belo Horizonte, no
primeiro turno, sabe qual foi o percentual correspondente a esta mesma soma? Os
mesmos quase 25%. E nesse mesmo trecho o professor resume o seu sentimento com
relação ao tema tratado: segundo ele, se tudo corresse dentro da normalidade do
desejo pessoal dele, a curva ascendente de Quintão se manteria até a vitória no
segundo turno. Neste caso, a vitória seria legal e legítima. Como o eleitor
ousou contrariar o desejo do professor, ele termina o seu texto questionando a
legalidade e a legitimidade do resultado das urnas.


Em um país que ainda mantém viva a memória da ditadura recente, este tipo de
raciocínio é assustador. Autoritarismo é autoritarismo. Intolerância é
intolerância, de esquerda ou de direita, não importa. A semente é sempre ruim. E
começa a ser plantada na manipulação da realidade… Aposto que se o Quintão
tivesse lido esse texto, professor, ele deixaria de pedir para você dar um
jóia…

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Empresário, estudante de Comunicação Social na PUC-Minas, estudante de Direito na Faculdade Milton Campos e secretário nacional de Comunicação da Juventude do PSDB, Belo Horizonte, MG