Thursday, 25 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

O que é e o que não é relevante

A tendência de vitória do presidente Lula no primeiro turno das eleições de outubro, indicada pelas diferentes pesquisas de intenção de voto recentemente divulgadas, trouxe de volta a discussão sobre a influência da mídia no processo político, especialmente nas eleições.


Fala-se agora da ‘irrelevância da mídia’ (sic), tendo em vista a exposição negativa sem precedentes recebida por Lula e seu governo durante os últimos meses e o resultado eleitoral que se antecipa.


Será que a mídia é, de fato, irrelevante? Ou será que os colunistas políticos, que se consideram formadores de opinião, estão identificando a si mesmos – e às suas opiniões – com a instituição mídia e, neste caso, apenas cometendo mais um erro de avaliação?


Sem autocrítica


Todos aqueles que acompanham a mídia no Brasil sabem que, no auge da crise política, em meados de 2005, a grande maioria dos colunistas políticos – sobretudo da mídia impressa – antecipou o fim político de Lula e do PT. Quando os índices de avaliação do governo e do presidente não caíram na velocidade que esses colunistas anteciparam, uma das reações mais comuns foi acusar o presidente de ‘chavismo’ e/ou de ‘populismo’.


Chavismo ou populismo era uma crítica ao comportamento do presidente por ele se dirigir diretamente às suas bases social e política sem a mediação dos ‘formadores de opinião’. O presidente fez isso por meio de um sem número de viagens pelo interior do país e através do programa de rádio Café com o Presidente (ver ‘A importância do rádio na campanha de Lula‘).


Em alguns momentos, os colunistas passaram a identificar a sua própria opinião crítica com a opinião pública, de tal forma que desconsiderar a opinião deles seria desconsiderar a opinião pública.


Num momento seguinte, alguns colunistas passaram a desqualificar a própria população – segundo eles, incapaz de compreender a verdadeira dimensão dos escândalos que a mídia denunciava e, portanto, sem condições de fazer o julgamento que eles, colunistas, esperavam que fosse feito tanto do presidente Lula como de seu governo.


Esta, alias, é uma posição que permanece e, agora, se refere ao próprio resultado eleitoral que as pesquisas antecipam. O diretor de redação da Folha de S.Paulo, por exemplo, fala da ‘afoiteza do eleitor’ se confirmada a vitória de Lula no primeiro turno e de como isso ‘terá prejudicado a qualidade democrática desta eleição’ [ver ‘Anistia a Lula‘, (para assinantes da Folha ou do UOL), de Otavio Frias Filho, Folha de S.Paulo, 24/8/2006].


Raramente ocorreu a esses colunistas/editores fazer algum tipo de autocrítica e considerar a possibilidade de que suas próprias análises, elas sim, ao longo do tempo, estivessem equivocadas.


Opiniões equivocadas


Na verdade, não é absolutamente a instituição mídia que é irrelevante. Ao contrário. A grande mídia privada e comercial é cada vez mais central e determinante na construção da agenda pública; na definição dos modelos de comportamento de vida, sobretudo, para crianças e adolescentes; na representação da violência; na permanente desqualificação da política e dos políticos.


O que é de fato irrelevante para a imensa maioria da população é a opinião de uns poucos colunistas políticos, que das redações de jornais e revistas desconhecem o que realmente se passa no cotidiano do Brasil real. Falam uns para os outros e continuam a acreditar que falam para a sociedade como um todo e, pior, que expressam a opinião da maioria.


A sociedade civil brasileira está mudando. Ao longo dos anos ela foi se organizando e está construindo, pouco a pouco, seus próprios mecanismos alternativos de informação e avaliação política fundados nas condições concretas de sua existência. Por isso, ela pode fazer julgamentos diferentes daqueles que os colunistas políticos da grande mídia gostariam que ela fizesse.


A mídia não é irrelevante. Irrelevantes são alguns de seus colunistas que, com suas opiniões e análises equivocadas, se distanciam cada vez mais da maioria dos brasileiros.

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Pesquisador sênior do Núcleo de Estudos sobre Mídia e Política (NEMP) da Universidade de Brasília e autor, entre outros, de Mídia: crise política e poder no Brasil (Editora Fundação Perseu Abramo, 2006)