Friday, 26 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

O que esperamos da imprensa

Terminado o primeiro turno eleitoral, é hora da avaliação, tanto para os candidatos que enfrentarão um segundo turno como para aqueles que, agora eleitos, exercerão as funções a eles outorgadas pelo povo no exercício da democracia. Também é hora de avaliar a cobertura da imprensa, instrumento de poder paralelo.

Revistas e jornais deixaram a desejar em diversos pontos. A grande maioria deu extrema importância à campanha presidencial, deixando de lado os outros cargos em disputa. Os escândalos invadiram as páginas dos impressos, que descuidaram de questões como plano de governo (embora os candidatos tenham contribuído para esta situação). Como o fizeram nos escândalos – embora não dando a mesma repercussão a todos os lados da questão –, os mídias, como instrumentos investigativos e imparciais, deveriam ter se aprofundado nos projetos de governo.

Falta de tato

Em sua coluna, o ombudsman Marcelo Beraba expôs muito bem as falhas da Folha, que descumpriu inclusive normas de seu Manual de Redação, mas toda a mídia impressa cometeu os mesmos erros, prestando, de certa forma, um desserviço à opinião púbica nesta eleição. Elogiáveis nos jornais as entrevistas, os artigos e as sabatinas, que colaboraram para a formação de opinião sobre os candidatos, mas um fato não anula o outro.

As revistas de grande circulação, ditas “formadoras de opinião”, há muito já se tornaram mero entretenimento, sem nenhuma credibilidade. Pautadas pelo mercado e publicando aquilo que as torna mais vendáveis – cujo conteúdo é discutível, seja pela falta de aprofundamento na discussão dos temas, seja pela parcialidade adotada nos textos – seguem modelo de jornalismo que em nada difere do papa das artes Assis Chateaubriand, como dizia Glauber Rocha, que usava sua máquina comunicacional como instrumento de favorecimento pessoal e manipulação de opinião, fazendo um jornalismo totalmente isento de responsabilidade social. É lamentável que uma destas revistas esteja envolvida no esquema do “dossiê”, exacerbando assim a mediocridade que vem assolando o meio.

Quanto à mídia televisiva, a TV Globo mais uma vez mostrou sua total falta de tato no que se refere à política e à necessária isenção nessa área. O último debate na emissora mostrou que o “Padrão Globo de Jornalismo” é contestável e partidário. Assistimos a uma reprise mesquinha do documentário Muito além do Cidadão Kane. Como veículo de comunicação sério e de maior público, a Globo não poderia ter adotado a posição do último debate.

Evolução e limitações

Como o candidato Luiz Inácio Lula da Silva não estava presente (decisão duvidosa que, porém, deveria ter sido respeitada pela emissora), a Globo não poderia ter representado o candidato por uma cadeira vazia nem ter aberto aos participantes a possibilidade de perguntas à cadeira vazia (numa metáfora sarcástica ao presidente). O jogo de câmeras também mostrou sua posição contrária ao candidato petista, como não ocorreu com FHC na época de sua reeleição, que se recusou a participar de todos os debates e não teve nenhum objeto representando-o. Simplesmente lamentável que a maior emissora do país, com peso internacional, que durante toda a campanha eleitoral cobrou tanto a ética dos candidatos, tenha sido totalmente contrária aos princípios defendidos. Hipocrisia.

Merecem crédito as ações na internet. Jornais disponibilizaram sites com informações sobre os candidatos. Era possível saber, consultando a rede, declarações de bens e de imposto de renda, os gastos declarados de campanha de todos os candidatos de todas as regiões do país – isso, sim, um serviço democrático e apartidário.

O balanço geral que se pode fazer da cobertura da campanha eleitoral não difere muito do da eleição anterior. Evoluímos nas mídias e na democratização da informação, fato muito bom e que ressalta os princípios de uma República igualitária, porém o trato da informação e a análise dos fatos sob a ótica do partidarismo precisam ser revistos, retrabalhados e repensados. Só assim as eleições deixarão de ser maniqueístas e a política, instrumento de realização de interesses pessoais. É dever do quarto poder trabalhar pela difusão da informação imparcial para a construção de um país mais digno. Pelo menos, é isso que esperamos.

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Diagramador, escritor, São Paulo