Friday, 26 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

O risco das mudanças nas redações

 

Os recentes investimentos das empresas tradicionais de comunicação na aquisição de tecnologia digital podem dar a impressão de que está havendo uma verdadeira revolução na mídia brasileira. Está em curso um acelerado processo de adaptações nas redações, com a evidência de que o jornalismo deverá ter como plataforma central os aparelhos móveis.

Ao papel deve restar uma função marginal no conjunto de meios com que as empresas de jornalismo irão se relacionar com seus públicos. No entanto, o conhecimento da necessidade e mesmo o investimento em sistemas de publicação voltados para equipamentos digitais ainda não parecem ter produzido uma mudança consistente na cultura das redações.

Segundo consultores que prestam serviço a essas empresas, já não ocorrem, como no surgimento da internet, episódios patéticos como o envio de duas equipes diferentes para cobrir o mesmo acontecimento, mas as redações ainda têm dificuldade para resolver a equação entre rapidez e qualidade do material jornalístico a ser entregue em cada plataforma.

Como estamos experimentando um sistema absolutamente novo de edição, no qual o texto se encontra com os conteúdos de áudio e vídeo desde a origem, é preciso reorganizar o sistema desde a pauta.

Processos de produção

Observadores das mudanças produzidas no jornalismo pela rapidez com que os tablets têm ocupado o mercado de equipamentos de comunicação registram um esforço em todas as grandes empresas, e até mesmo nas editoras menores que produzem revistas customizadas para nichos específicos de mercado, no sentido de dotar suas estruturas de sistemas publicadores multimídia.

No entanto, além da necessidade de aculturar seus profissionais, as empresas precisam adaptar os processos decisórios, o que costuma provocar mudanças estruturais importantes.

Mais do que nunca, as redações serão estimuladas a entregar produtividade, para compensar os investimentos que estão sendo feitos. E, como se sabe de experiências anteriores, esse tipo de pressão não costuma produzir bons resultados em termos de qualidade jornalística.

As empresas tradicionais precisam reaprender como fazer o público encontrar o conteúdo que elas oferecem em meio à profusão de ofertas do difuso ambiente digital. Não é a mesma coisa de criar uma revista com uma capa atraente e colocá-la nas bancas ou quiosques ou contratar apresentadores populares e formatar programas atrativos para chamar a atenção do público da televisão ou do rádio.

Agora não se sai à caça da audiência. A audiência é que pode localizar e escolher o conteúdo que “flutua” nesse ambiente.

Descobrir como o usuário das mídias digitais encontra o conteúdo que determinada empresa está oferecendo passa a ser o processo de venda predominante. Portanto, não se trata apenas de encontrar os processos de produção que assegurem o conteúdo de melhor qualidade, mas também de garantir que esse conteúdo seja adequado àquilo que mais agrada aos novos hábitos dos leitores.

Valor a ser preservado

Entre outros detalhes, por exemplo, é preciso considerar que a leitura nos aparelhos móveis se dá de maneira muito diferente do modo como usamos um computador de mesa ou um laptop. As decisões do leitor são tomadas muito mais rapidamente e pequenos detalhes podem definir a que elemento de informação ele vai dedicar seu tempo cada vez mais precioso.

Portanto, todo o conteúdo, desde os textos, imagens e arquivos de áudio, até mesmo aos ícones que orientam o uso têm que ser extremamente eficientes e intuitivos. Para isso, é preciso que as empresas tradicionais consigam entrar nessa competição com alguma vantagem em relação à diversidade de alternativas disponíveis. Disputam esse mercado desde grandes empresas internacionais até as redes sociais e blogs, passando por qualquer pessoa que consiga publicizar textos e imagens que atraiam a atenção do público.

E a principal vantagem competitiva das empresas jornalísticas que ainda se caracterizam como tais ainda é seu título, cuja reputação foi construída ao longo do tempo com base no fornecimento de conteúdo confiável.

Esse é o que se chama ativo intangível ou capital simbólico. Esse patrimônio não depende da posse de tecnologia, mas da preservação dos valores essenciais do jornalismo.

Como em todo processo de mudança, nem sempre esse valor essencial é priorizado.

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