Friday, 26 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

O trololó dos vazamentos sigilosos

O caso do vazamento de informações sigilosas pela Receita Federal, das quais, entre os 140 nomes envolvidos, consta o de Veronica Serra, filha do candidato minoritário das pesquisas, José Serra, não é novidade. No ano de 2000, não 140 nomes, mais sim 17 milhões de nomes, tiveram seu sigilo fiscal invadido e nenhum jornal veio a público pedir a cabeça desse ou daquele responsável e muito menos chamar o presidente da República de ‘o responsável pela bandidagem’, como argumenta o Estado de S.Paulo em seu editorial de 3 de setembro deste ano.

Entre os dados ‘vazados’ estavam os do então presidente Fernando Henrique Cardoso, Gugu Liberato, Silvio Santos e Antonio Ermírio de Moraes. O secretário da Receita Federal na ocasião era Everardo Maciel, parente do então vice-presidente da República Marcos Maciel e responsável direto pela proteção dos dados sigilosos. Imagine, caro leitor, uma história dessas, tendo entre seus personagens o presidente Lula, um afilhado político na Receita e uma candidata presidencial. Que júbilo para muitos!

O ‘escândalo’ da receita, que Serra propaga aos quatro ventos auxiliado por parte da imprensa, repercutiu no Partido dos Trabalhadores. O presidente nacional do PT, José Eduardo Dutra, entrou no dia 06 de setembro com uma representação na Polícia Federal, solicitando que se investiguem as denúncias formuladas no livro Os Porões da Privataria, a ser publicado em 2011 pelo jornalista Amaury Ribeiro Junior, especializado em crimes ‘de colarinho branco’.

Quem viver, verá

Entre as figuras de destaque da narrativa do jornalista estão o ex-tesoureiro de campanhas de José Serra e Fernando Henrique Cardoso, Ricardo Sérgio de Oliveira, o próprio Serra e três de seus parentes: a filha Verônica Serra, o genro Alexandre Bourgeois e o primo Gregório Marin Preciado. Todos eles, afirma Amaury Ribeiro Junior, têm o que explicar ao Brasil.

Sempre muito bem documentado, o livro denuncia, entre outras, as empresas offshore criadas nas Ilhas Virgens britânicas por Verônica Serra e Alexandre Bougeois. Denuncia, através de suas investigações, as movimentações realizadas por Gregório Marin Preciado, ex-sócio, doador de campanha e primo do candidato do PSDB à Presidência da República, José Serra. Preciado foi integrante do Conselho de Administração do Banco do Estado de São Paulo (Banespa), então o banco público paulista, nomeado por indicação de Serra. Preciado obteve uma redução de sua dívida no Banco do Brasil de R$448 milhões para irrisórios R$4,1 milhões, quando secretário de Planejamento do governo estadual.

Sim, caros leitores, o dossiê existe e será publicado e esclarecerá tudo e um pouco mais sobre a chamada época das privatizações, ou privataria, como preferirem, do governo Fernando Henrique Cardoso e de seu ministro polivalente José Serra. Quem viver, verá.

‘Vendem os cadastros baratinho’

A venda de dados cadastrais de pessoas físicas e jurídicas não é ilegal. Mas depende do tipo de informação comercializada e da forma como é obtida. Só na cidade de São Paulo há mais de 40 empresas no ramo. A Telefónica e a administradora de cartões de crédito Credicard são as principais fornecedoras do mercado de mala direta. O Ministério da Educação também divulga nomes e endereços de escolas, sem cobrar nada.

A Telefónica vende dados de assinantes que autorizam divulgação de seu nome e número de telefone. As informações podem ser adquiridas em lista de papel ou em CD-ROM. A Credicard aluga sua mala direta. No mercado, um lote de mil nomes pinçados no cadastro da Credicard pode valer até R$ 1 mil. Empresas de fundo de quintal cobram apenas R$ 10 pela mesma quantidade. Anunciam por meio de classificados.

Os principais dados comercializados são nomes, endereços e telefones. As empresas de mala direta são procuradas por quem deseja divulgar um produto para público específico. Há mala direta só de restaurantes, escolas, condomínios ou homossexuais.

Os políticos são outros clientes preferenciais. Em ano eleitoral, a demanda cresce. Um dos envolvidos no caso do CD-ROM com dados de contribuintes, o português José Adriano Pires, trabalha no negócio há um ano. Diz obter informações ‘de caráter restrito’ com empresas falidas. ‘Elas vendem os cadastros baratinho’, afirma. Cobra R$ 15 por um disquete com mil nomes. Se o cliente quiser etiquetas prontas, Pires dobra o valor.

Acesso irrestrito

A operadora telefônica Intelig comprou o Cadastro Nacional de Pessoas Jurídicas, que relaciona 6,5 milhões de empresas. O documento contém razão social, nome fantasia, endereço completo, natureza jurídica e atividade econômica das empresas. ‘Essa base de dados não é abrangida pelo sigilo fiscal e está sendo utilizada para prospectar clientes, ou seja, mala direta, roteiro de visita, telemarketing’, diz nota da Intelig. A concorrente Embratel fez compra similar.

O acesso às declarações de Imposto de Renda é franqueado a 13.600 fiscais e técnicos de nível médio e superior da Receita por meio de senhas. É tanto maior quanto mais alta a patente do funcionário. Um grupo de 30 servidores de alto escalão tem acesso irrestrito a toda a base de dados.

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Psicólogo, Curitiba, PR