Friday, 19 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

O direito à liberdade

A recente decisão do STF, referendada pelo plenário, e ainda pendente de decisão definitiva, significa uma vitória da democracia e dos direitos fundamentais, após quase 20 anos da promulgação da Constituição de 1998.

Assim sendo, diante da relevância da matéria, faremos breves comentários sob o prisma do Direito Constitucional.

A ADPF 130

O ministro do STF Carlos Ayres Britto concedeu liminar, na ADPF nº 130, ajuizada pelo PDT, e determinou que juízes e tribunais suspendam a aplicação de dispositivos da Lei 5250/67. No dia 27 de fevereiro de 2008, o Plenário do STF referendou a decisão.

Entendeu-se que determinados artigos do referido diploma legal estão em discordância com os incisos IV, V, IX, X, XIII e XV, XXXIII, do art 5º, e artigos 220, § 1º, da Constituição Federal.

Em um Estado Democrático de Direito, deve-se privilegiar a liberdade de expressão, pois sem ela não há liberdade e, conseqüentemente, não há direitos fundamentais. A liberdade é direito fundamental por excelência, caracterizadora do Estado de Direito, em que os homens são livres para fazer o que a lei não veda.

Ademais, a democracia, como sendo o governo de todos, não se compadece com a censura prévia, a proibição de manifestação do pensamento e da opinião, posto que para que todos os cidadãos participem do jogo político devem estar aptos a expressar suas palavras e opiniões, bem como permitir a expressão dos outros.

Guardião das liberdades públicas

Nas palavras de Jürgen Habermas, a democracia e o Estado de direito devem possibilitar a todas as pessoas a liberdade e a igualdade para participar da argumentação pública [Habermas, Jürgen. Direito e democracia: entre faticidade e validade. Tradução: Flávio Beno Siebeneichler Rio de Janeiro. Editora Tempo Brasileiro. 1997. P.122].

Não se pode conceber a democracia apenas como representativa, no sentido de se eleger os membros do poder, e sim, privilegiar a democracia participativa, em que os participantes das decisões sejam os membros da comunidade, ainda que representados pelo Parlamento.

As pessoas devem ter o espírito de influir os seus anseios e, para tanto, a imprensa contém um papel célebre na manifestação livre dos fatos e das opiniões de diversos segmentos da sociedade; todos livres de quaisquer interferências do Estado, e abertos ao diálogo.

Para José Afonso da Silva, as formas de manifestação da comunicação devem observar alguns princípios, como a não restrição quanto ao processo e meio de divulgação; vedação de lei que crie embaraço à liberdade de informação jornalística; vedação de censura política, ideológica ou artística; inexistência de licença de autorização para publicação de veículo impresso de comunicação [Silva, José Afonso de. Curso de Direito Constitucional Positivo. São Paulo. Editora Malheiros. 2007. P.P.243/244].

Dentro deste contexto, o Supremo Tribunal Federal, como guardião das liberdades públicas e intérprete dos valores constitucionais, foi firme na luta pela concretização dos ideais democráticos no Brasil.

Fundamentos da República Federativa

Vale citar trecho do magnífico voto do ministro Carlos Ayres Britto, relator da medida cautelar:

‘Feito este breve e necessário registro, passo a enfrentar o mérito da pretensão cautelar. Ao fazê-lo, remarco o que tantas vezes tenho dito em votos jurisdicionais, livros e artigos jurídicos: a Democracia é o princípio dos princípios da Constituição de 1988. Valor dos valores, ou valor-continente por excelência. Aquele que mais se faz presente na ontologia dos outros valores. Logo, o cântico dos cânticos ou a menina dos olhos da nossa Lei Fundamental, consubstanciando aquela espécie de fórmula política a que Pablo Lucas Verdu se refere com estas palavras: ‘Fórmula política de uma Constituição é a expressão ideológica que organiza a convivência política em uma estrutura social’’ (apud Teoria da Constituição, Carlos Ayres Britto, Rio de Janeiro: Forense, 2006, pág. 169).

Exatamente por se colocar no corpo normativo da Constituição, como princípio de maior densidade axiológica e mais elevada estrutura sistêmica, é que a democracia avulta como síntese dos fundamentos da nossa República Federativa (‘soberania’, ‘cidadania’, ‘dignidade da pessoa humana’, ‘valores sociais do trabalho’ e da ‘livre iniciativa e pluralismo político’) e dos objetivos fundamentais desse mesmo Estado Republicano Federativo (‘construir o desenvolvimento nacional’, ‘erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais’, ‘promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor idade, e quaisquer outras formas de discriminação’).

Vitória da democracia

Diga-se mais, por necessário: a democracia de que trata a Constituição de 1988 é tanto indireta ou representativa (parágrafo único do artigo 1º), quanto direta ou participativa (parte final do mesmo dispositivo), além de se traduzir num modelo de organização estatal que se apóia em dois dos mais vistosos pilares: a) o da informação em plenitude e de máxima qualidade; b) o da transparência ou visibilidade do poder. Por isso que emerge da nossa Constituição a inviolabilidade de expressão e da informação (incisos IV, V, IX e XXXIII do art 5º) e todo um capítulo que é a mais nítida exaltação da liberdade de imprensa…'[ Medida cautelar em Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental 130-7/DF. Extraído do site www.stf.gov.br. Acesso em 27/02/2008].

Assim sendo, os juízes deverão utilizar as regras dos Códigos Penal e Civil quando julgarem processos relativos aos dispositivos legais suspensos.

A decisão proferida na ADPF 130 é, sem dúvida, uma vitória da democracia, dos direitos fundamentais, da valorização da imprensa e dos meios de comunicação, postos à disposição do cidadão.

Considerações finais

Resta esperar a decisão de mérito da ADPF 130. Mas espera-se que seja mantido o entendimento atual, com a vitória da democracia e dos direitos fundamentais, com a retirada de resquícios de tempos autoritários que assolaram o país por mais de duas décadas.

Nossa posição é pela inconstitucionalidade de toda a Lei de Imprensa, apesar de não decidida pela liminar. Nem se alegue que haverá um vazio Legislativo, pois os princípios constitucionais serão aplicados sempre que necessários para resguardar o direito de imprensa até que uma lei condizente com a vontade popular seja editada. Enquanto isso, as regras do Código Civil e do Código Penal serão aplicadas.

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Procuradora do Município de Campos dos Goytacazes/RJ, especialista em Direito Público pela UNIFLU/FDC, mestre em Políticas e Processo pela UNIFLU/FDC, pesquisadora da UNIFLU/FDC e professora de Direito Constitucional