Tuesday, 19 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1279

O enfrentamento que não interessa

O governo está visivelmente atrapalhado. A sucessão de versões e explicações conflitantes que há mais de uma semana oferece à sociedade sobre o vazamento de dados sigilosos relativos a gastos do então presidente FHC revelam um ambiente de insegurança e amadorismo nos altos escalões como há muito não se via.


A imprensa inicialmente não parecia muito animada em explorar o caso, o próprio veículo vazador, o semanário Veja, entrou na história sem grande apetite. Não investigou coisa alguma – há anos que desistiu de cavar suas matérias –, sequer tinha certeza do potencial destrutivo dos documentos que lhe entregaram. Com uma capa quase inteiramente dedicada à devastação da Amazônia, reservou uma chamadinha burocrática para o ‘dossiê’ (edição 2053, de 26/3/2008). Na edição seguinte, fez o possível para baixar a bola.


Mas tantas foram as contradições e tão evidente é o ziguezague na estratégia palaciana que a imprensa, por inércia, vê-se levada a esquentar a cobertura. A mais recente sugestão de que houve um complô doméstico para comprometer a ministra-chefe da Casa Civil é tão pueril e canhestra que remete o caso inteiro para a esfera da inverossimilhança.


O último enfrentamento governo-mídia foi ruim para ambos, nenhuma das partes está agora interessada em reproduzir uma crise política de graves proporções como aquela que resultou do Dossiê Vedoin (de setembro de 2006).


Torcidas do contra


A mídia está interessadíssima no PAC, o crescimento do país só vai beneficiá-la, e a ministra Dilma Rousseff tem um bom relacionamento com os jornalistas mais técnicos e menos apelativos.


E por que razão a bola-de-neve ganhou esta dimensão? Simplesmente porque o sacrifício da ministra Matilde Ribeiro foi insuficiente para encerrar o caso dos cartões corporativos. Ao contrário, exacerbou-o. Em seguida, o empenho para colocar preventivamente o ex-presidente FHC na berlinda revelou a mesma incompetência.


A inusitada entrevista do discretíssimo Gilberto Carvalho, chefe de gabinete do presidente Lula, publicada em manchete na segunda feira (31/3) pelo Estado de S.Paulo jogou os eventuais ‘erros administrativos’ no uso dos cartões para o nível ministerial, tanto nesse como no governo anterior. ‘Nada depõe contra a honra de dona Ruth e do ex-presidente Fernando Henrique. São gastos típicos de um Palácio, de um brasileiro de classe média alta’, anunciou Carvalho. Nas primeiras páginas dos outros jornalões, o vazamento só apareceu na Folha por meio da declaração genérica do ministro Gilmar Mendes, próximo presidente do Supremo Tribunal Federal, considerando os dossiês como ‘covardia institucional’. Ninguém discorda.


Fica evidente que nem o governo nem a mídia estão dispostos a radicalizar, apesar das torcidas em contrário. Fica evidente também que na dinâmica do processo político as tréguas podem ser úteis. Desde que breves.