Thursday, 18 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

O Globo

GRUPO SEVERIANO RIBEIRO
Erica Ribeiro

Uma companhia há quase 90 anos em cartaz

‘Luiz Severiano Ribeiro dá nome a um circuito de cinemas que completa 90 anos em 2007. Das primeiras salas arrendadas nos anos 1910 no Ceará, quando a sétima arte despontava como uma das grandes maravilhas do século, à tecnologia de som e imagem dos cinemas de hoje, o Grupo Severiano Ribeiro sempre teve à frente a marca de seu fundador, que conseguiu manter a empresa nas mãos da família.

Mesmo depois da morte do patriarca, em 1974, o grupo se manteve fiel a seu conceito de administrar tudo de forma conjunta. E, hoje, a terceira geração da família toma conta dos negócios. Até 2007, serão investidos R$ 34 milhões em novas salas com a marca Kinoplex (que tem o conceito dos modernos cinemas estrangeiros) no Rio.

Fundador não gostava de assistir a filmes

Quem pensa que Severiano Ribeiro era cinéfilo se engana. Apesar de ter construído um império que incluiu até a produção de filmes, ele não era fã de cinema. Deixava a esposa, Alba, em uma de suas salas — a preferida era o cinema São Luiz — e ficava do lado de fora, com o gerente, acompanhando o movimento. Mas seu faro era apurado. Pelo nome do filme ou simplesmente pela sinopse, já sabia se a bilheteria seria boa.

A primeira investida em salas foi em 1917, em Fortaleza, quando Severiano Ribeiro arrendou o Majestic-Palace. Logo depois, construiu o cinema Moderno, também no Ceará, inaugurado em 1921. Mudou-se ainda na década de 20 com a família para o Rio, na mesma época da chegada das grandes distribuidoras americanas à cidade. Em 1926, ele arrendou o Cinema Atlântico, em Copacabana. Ao mesmo tempo, formalizou um acordo com João Cruz Júnior para explorar os cinemas Ideal e Íris, no Centro do Rio. Em 1927, associou-se à companhia americana Metro, uma parceria que durou três anos.

— Meu avô teve a ousadia de investir em cinema quando essa indústria apenas engatinhava no país. Meu pai, Luiz Severiano Ribeiro Júnior, deu continuidade ao negócio de exibição e foi também dono da produtora Atlântida (que teve Oscarito e Grande Otelo como ícones), que fez mais de 50 filmes nas décadas de 50 e 60. Nossa empresa acompanhou todas as mudanças desse mercado ao longo dos últimos 90 anos, sempre atenta às novidades. Para nós, trabalhar com cinema é um prazer — afirma Luiz Severiano Ribeiro Neto.

Durante os anos 20 e 30, a empresa iniciou a migração para outros pontos nobres da cidade. A primeira sala inaugurada fora da Cinelândia foi o São Luiz, em 1937. Francisco Pinto, sobrinho-neto de Severiano Ribeiro, lembra que o fundador trabalhou até o fim da vida e tinha tino para negócios.

— Foram 65 imóveis próprios, sempre administrados pela família. Hoje, dez abrigam cinemas de rua e outros estão alugados para diferentes atividades. A quarta geração já está na empresa, seguindo o mesmo conceito de trabalho em conjunto.

Concorrente é parceira em três empreendimentos

O maior concorrente, lembra Francisco Pinto, foi Livio Bruni, dono da rede de cinemas Bruni, que encerrou as atividades nos anos 80. Mas a febre dos cinemas em shopping centers fez o Grupo Severiano Ribeiro passar por uma grande reformulação, nos idos de 1987, quando foram abertas as primeiras salas nos centros de compras. No fim da década de 90, os cinemas multiplex chegaram ao Brasil, com as redes UCI e Cinemark.

Para acompanhar mais essa revolução e concorrer com os gigantes internacionais, a empresa lançou em 2002 a marca Kinoplex. O grupo tem hoje 35 salas nesse formato, que segue os padrões dos multiplex importados. As salas ficam em Campinas e Itaim, na capital paulista, e em Vitória.

Os investimentos nas 34 salas com formato Kinoplex no Rio serão feitos até o fim do próximo ano. Já foram assinados contratos com cinco shopping centers: Leblon (quatro salas), Rio Sul (sete salas), Shopping Tijuca (seis salas), Nova América (sete salas) e NorteShopping (dez salas).

A concorrência vê o grupo com respeito, e também encara como um desafio para o Severiano Ribeiro fincar pé em um mercado onde sempre teve lugar de destaque. O presidente da rede Cinemark no Brasil, Valmir Fernandes, elogia o resultado de décadas de administração familiar.

— Respeitamos a empresa pela retidão nos negócios. São concorrentes muito fortes, o que se torna um estímulo.

O Cinemark está há oito anos no Brasil e em 2006 abrirá complexos em São Paulo, Natal e Vitória. Cada uma das 23 salas custará cerca de R$ 1,5 milhão.

A rede UCI iniciou em 1996 uma parceria com o grupo brasileiro. O resultado foi a construção de três empreendimentos, dois em Recife e um em Fortaleza. O diretor-executivo do UCI, Carlos Marin, acha que a união vai se estender a outros projetos nos próximos anos:

— Não hesitamos na parceria pela certeza do sucesso da associação. Para nós, o grupo é sinônimo de cinema no Brasil.’

CAPOTE
Bruno Porto

‘Atuar é doloroso’

‘Há pouco tempo, o mundo do cinema viu a carreira de Johnny Depp passar por uma transformação. Um ícone entre os fãs de filmes alternativos desde os anos 90, o ator caiu nas graças de Hollywood depois que o seu capitão Jack Sparrow transformou ‘Piratas do Caribe’ num sucesso internacional. A carreira de Philip Seymour Hoffman, estrela de ‘Capote’, que estréia aqui no dia 24 do próximo mês, está passando por um processo semelhante.

Especialista em personagens não convencionais como Depp, Hoffman está trocando o gueto cinematográfico pelo universo regado a festas, champanhe e flashes das estrelas. Essa transformação não se deu em função de uma grande bilheteria, e sim da sua performance no filme que flagra um dos períodos mais importantes da vida do escritor americano Truman Capote. Performance essa que rendeu ao ator de 38 anos o Globo de Ouro de melhor ator (drama) na última terça-feira. E que, segundo 90% da imprensa especializada, deve fazer com que no dia 5 de março Hoffman conquiste o Oscar de melhor ator, o seu primeiro.

O ator, no entanto, diz que nunca fez nada pensando em agradar aos executivos de Hollywood.

— Eu realmente não penso nisso — disse Hoffman, em entrevista ao GLOBO durante o último Festival de Toronto. — Eu sou o que sou. E o que é Hollywood? Eu ainda estou tentando descobrir. Acho que são aqueles estúdios grandes, não? É, eu não penso muito nisso.

Hoffman faz parte daquela categoria de (bons) atores que desaparecem dentro dos papéis. Ou seja, seus personagens não trazem traços visíveis de sua personalidade (difícil, segundo boatos). Em ‘Capote’, ele repetiu esse feito. Segundo amigos próximos de Truman Capote, o ator está perfeito. Gerald Clarke, autor da biografia do escritor que serviu de base para o filme, declarou que Hoffman ‘ressuscitou’ Capote no longa-metragem.

Ver Hoffman interpretando o autor de ‘A sangue-frio’ e ‘Bonequinha de luxo’ é um prazer. Sentimento que parece ter passado longe de Hoffman durante as filmagens de ‘Capote’.

— Atuar para mim é um processo doloroso. No começo, eu cheguei a ficar em dúvida em relação a participar do filme ou não — diz ele. — Fiquei pensando se eu realmente estava disposto a encarar aquele desafio. Não dá para saber aonde um projeto desses vai levar você. Psicologicamente, emocionalmente…Você pode se defrontar com várias coisas.

O ator diz que de cara soube que não queria simplesmente imitar Capote. Era preciso absorver os dilemas do escritor.

— Para fazer isso, fiquei atento à história. É ela quem vai mostrar a direção para você. ‘O que o Truman está fazendo agora?’, eu pensava. Aí eu conseguia visualizar o que ele estava sentindo naquela hora. Se você fizer isso, evita a mímica pura e simples — acredita.

Ele está no próximo filme de Tom Cruise

Interpretar um homossexual notório no cinema é um desafio para qualquer ator. Há sempre o perigo de a performance resvalar na vulgaridade. Hoffman diz que nunca correu esse risco.

— Truman não era vulgar. Ele era inteligente e irônico, e era por isso que conquistava as pessoas. Ele não atraía as pessoas porque era gay, por causa da sua feminilidade, da sua afetação — frisa.

Capote não foi o primeiro homossexual interpretado por Hoffman, que nasceu na cidade de Fairport, em Nova York, e tem uma carreira paralela no teatro. Ele começou a chamar a atenção da crítica vivendo Scotty J., um operador de som que se apaixona pelo protagonista de ‘Boogie nights’ (1997), filme dirigido pelo seu amigo Paul Thomas Anderson. Nos anos seguintes, Hoffman interpretou um homem que passa trotes obscenos em ‘Felicidade’ (1998), um travesti em ‘Ninguém é perfeito’ (1999) e o lendário crítico de rock Lester Bangs em ‘Quase famosos’ (2000). Nos três casos, colheu elogios.

Recentemente, Hoffman voltou a contracenar com Tom Cruise, com quem trabalhou em ‘Magnólia’ (1999). Ele faz o vilão de ‘Missão impossível 3’, que é estrelado por Cruise e estréia aqui dia 5 de maio. Chegou a hora de fazer blockbusters ?

— Eu topei fazer esse filme porque sou amigo do J.J. (Abrams, diretor do filme e criador da série ‘Lost’) . A possibilidade de voltar a trabalhar com Tom também me animou. Se não fosse pelos dois, não sei se agüentaria passar três meses entre tiros e bombas — brinca.’

 

O Globo

Filme coloca Capote na berlinda

‘Lançado há 40 anos, em 1966, ‘A sangue-frio’ chegou às livrarias americanas cercado de grande expectativa. Nos dias seguintes, as críticas dos jornais confirmaram o que todos suspeitavam: Truman Capote havia escrito uma obra-prima. Se o livro (que conta como dois homens assassinaram uma família no interior dos EUA) só recebeu elogios, o mesmo não se pode dizer do escritor.

O crítico de teatro Kennety Tynan escreveu um artigo para o jornal inglês ‘Observer’ dizendo que Capote teria explorado os dois assassinos para ganhar dinheiro e ficar ainda mais famoso. Dirigido pelo desconhecido Bennett Miller (de ‘The Cruise’, inédito no Brasil), ‘Capote’ reacende essa polêmica. Diferentemente do que o seu título possa sugerir, o filme não é uma biografia de Truman Capote. O longa é sobre o período em que Capote escreveu ‘A sangue-frio’.

O filme sugere que Capote estabeleceu uma amizade com os dois assassinos, Perry Smith e Richard Hickock, pensando em enriquecer seu livro. Depois, o escritor, que morreu em 1984, aos 59 anos, teria entregue os dois à própria sorte. Bennett Miller diz que o filme mostra Capote como um homem atormentado e carente.

— Ele teve uma infância muito difícil. E por isso queria ser reconhecido mais do que tudo. Não era um capricho, e sim uma necessidade — diz.

A atriz Catherine Keener (‘Quero ser John Malkovich’, ‘O intérprete’), que vive Nelle Harper Lee, melhor amiga de Capote, concorda com Miller.

— Ele parece um menino que foi abandonado pela mãe e precisa se afirmar. É assim que vejo Capote — diz ela.

Bennett Miller atribui boa parte da força do filme à performance de Philip Seymour Hoffman.

— Philip teve que buscar sentimentos não muito belos dentro dele — diz ele.

Miller conta que num determinado dia Hoffman decidiu que não sairia mais do personagem nos intervalos das filmagens.

— Ele falava com a gente usando a voz feminina de Capote — lembra.

Na hora de falar do (suposto) temperamento difícil de Hoffman, Miller prefere sair pela tangente.

— Nós somos amigos há anos. Nunca tivemos problemas — diz.

No longa-metragem, Nelle Harper Lee é uma espécie de voz da consciência de Capote.

— Ela era fiel a ele. Mas também era ela quem chamava a atenção de Capote, quando ele estava se perdendo em função de sua ambição — diz Catherine Keener.

Para Philip Seymour Hoffman, o grande atrativo de ‘Capote’ não é o fato de ele retratar um escritor conhecido mundialmente.

— ‘Capote’ é um filme acima da média porque trata de uma tragédia ao mesmo tempo clássica e contemporânea — diz ele.’

 

CINEMA EM BUENOS AIRES
Artur Xexéo

Impressões portenhas

‘A COLUNA PUBLICADA NO DOMINGO passado, intitulada ‘Impressões bonaerenses’, rendeu dezenas de centenas de milhares de e-mails. Não, não eram leitores empolgados com o que tinham lido. Geralmente, quando a coluna recebe e-mails, os leitores estão insatisfeitos. Havia até mesmo um deles espantado com a capacidade do colunista de não escrever nada sobre coisa alguma e, mesmo assim, ocupar o espaço de uma página inteira. Nunca saberei se perdi um leitor, passando minha contabilidade para 16, ou se já era um não-leitor mesmo, por acaso, tendo lido a coluna. De qualquer forma, o que provocou a reação de centenas de milhares de leitores foi a surpresa do colunista, passando o réveillon em Buenos Aires, ao perceber que o morador local (local de Buenos Aires, é claro) não era mais chamado de portenho, como nos tempos de antanho, mas de bonaerense. Agora, já posso dizer: não é bem assim. Na verdade, bonaerense é o gentílico relativo à província de Buenos Aires, cuja capital é La Plata, enquanto portenho refere-se ao habitante da cidade de Buenos Aires. Algo assim como fluminense e carioca, colunista burro!

E já que a gente está falando de Buenos Aires outra vez, vamos juntar o assunto a outro tema que tem freqüentado este espaço com assiduidade: o preço do cinema. Um leitor me escreveu contando que, na capital argentina, o ingresso custa cinco pesos (algo que se aproxima, por baixo, de cinco reais). É verdade. Este é o preço dos cinemas na Rua Lavalle.

Não foi a primeira vez que fui a Buenos Aires. Lembro-me da minha emoção ao passear à noite pela Lavalle, há mais de 30 anos. Era o paraíso para um cinéfilo. Um cinema atrás do outro, com letreiros luminosos anunciando a mais recente produção mundial, filas diante de palácios gigantescos e as famosas sessões ‘trasnoche’, com o filme começando a uma e meia da madrugada. A Lavalle não dormia, e os filmes não paravam de ser exibidos. Não é mais assim. Os palácios continuam lá, mas quase todos foram transformados em bingos, ‘lan houses’ e igrejas universais do reino de Deus (será que existe algum lugar do mundo em que não haja uma igreja universal do reino de Deus?). Sobraram três ou quatro cinemas. Que foram transformados em três ou quatro salas cada um. Decadentes, desconfortáveis, feios. E com ingressos a cinco pesos. Só lá este preço é mantido. Porque, nos cinemas modernos de Puerto Madero ou da Recoleta, a entrada ultrapassa os 17 pesos (mas ainda é mais barata que nos multiplex daqui)!

Há outra característica estranha nos cinemas… hummm… portenhos. Todos passam os mesmos filmes. Nos palácios decadentes da Lavalle ou nas 21 salas do multiplex da Ricoleta, a programação é a mesma: ‘King Kong’, ‘Marcas da violência’, ‘Harry Potter’… O esquisito em Buenos Aires é que não há um circuito alternativo. Não há um Arteplex ou um Estação Botafogo. Em outras palavras, nada de filmes asiáticos, europeus ou produções americanas independentes em cartaz. Esses filmes passam lá, mas têm que disputar a mesma sala do blockbuster . Adivinha quem ganha? Nos dias que passei em Buenos Aires, não havia um só filme chinês em cartaz, o que, para alguém acostumado com o circuito carioca, era praticamente uma heresia. Como ir ao cinema sem uma opção em chinês?

A conclusão é óbvia: os multiplex são melhores que os cinemas da Lavalle. Mas multiplex é igual em qualquer lugar do planeta. Cinemas como os da Lavalle só existem em Buenos Aires.’

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O Globo

Sábado, 21 janeiro de 2006

COMBATE À PIRATARIA
O Globo

No cinema, na TV e no DVD, tudo no mesmo dia

‘Os estúdios investem milhões e milhões em filmes, e pouco após o lançamento lá estão as cópias piratas em DVD à disposição do público. Para enfrentar o problema, o estúdio americano 2929 Entertainment, associado ao diretor Steven Soderbergh (de ‘Onze homens e um segredo’, ‘Erin Brokovich’ e ‘Traffic’), optou por uma saída radical: o filme ‘Bubble’, que chega aos cinemas dos EUA na próxima sexta-feira, será exibido na TV a cabo e vendido em DVD no mesmo dia. Isso gerou um boicote em massa da maioria dos exibidores, com medo da concorrência entre as mídias.

— É a maior ameaça à viabilidade da indústria do cinema atual — diz John Fithian, presidente da Associação Nacional de Donos de Cinemas sobre a estratégia.

A atitude, além de combater a pirataria, é motivada pela rapidez com que filmes, música e séries de TV, entre outros produtos, chegam às mãos do consumidor atualmente, através de laptops, DVDs portáteis e até telefones celulares. É um desafio inédito para os exibidores, que já enfrentaram ameaças como a TV e o videocassete.

A atual seqüência de lançamentos prevê que um filme comece nos cinemas, passe para o pay-per-view da TV a cabo, depois saia em DVD, passe para a programação da emissora a cabo e finalmente acabe sua carreira na TV aberta. Ultimamente, o tempo entre um formato e outro é cada vez menor. Hoje em dia, é comum um DVD chegar às lojas apenas três meses depois do lançamento do filme nos cinemas.

A estratégia é motivada também pelo fato de que, atualmente, apenas cerca de 25% dos lucros de um filme vêm de sua exibição nas salas de cinema. A maior parte do faturamento é gerada pela venda do filme a canais de TV e por outras fontes. Lançando o DVD mais cedo, os estúdios também conseguem aproveitar e promover outros filmes.

Disney pretende experimentar a estratégia

Segundo o analista Matthew Harrigan, se os estúdios começarem a lançar filmes em DVD ao mesmo tempo em que os colocam nos cinemas, a indústria entraria em colapso.

— As redes de cinema começariam a quebrar — diz.

Para o diretor financeiro da Disney, Tom Staggs, nem todos os filmes são adequados a essa estratégia.

— Respeitamos as salas de cinema, mas também vamos experimentar para ver o que o consumidor quer — diz ele.’

 

ÓRFÃOS DA REVOLUÇÃO
Carlos Haag

Ecos de uma revolução sem ideologias

‘Na nova coqueluche (para usar um termo adequado ao espírito retrô atual, pleno de saudades de um Brasil ‘melhor’ do passado) do momento, a minissérie ‘JK’, da Rede Globo, mostra o futuro presidente celebrando, em Paris, a vitória de Vargas e da Revolução de 30. Nada mais profético, pois, naquele momento, o país, de mansinho, se virava para o desenvolvimentismo, o populismo e para um Estado que buscava sua legitimidade numa aliança com as classes médias e populares, ainda em formação, e não mais com as oligarquias. A ilusão desse Brasil ‘moderno’ atingiria seu ápice, e iniciaria sua queda, justamente no governo do político mineiro, para acabar na quarta-feira da ditadura militar. Mas que revolução foi essa e será que podemos mesmo chamar assim o mero movimento armado que durou de 3 a 24 de outubro e terminou com a deposição do então presidente Washington Luís e a ascensão de Vargas?

Apenas um rearranjo da política nacional

Há muitas histórias sobre a história da revolta de 1930, mas nem por isso o recém-lançado ‘1930: Os órfãos da Revolução’, do jornalista Domingos Meirelles, deixa de merecer o seu lugar ao sol, em especial por mostrar que revoluções, reais ou apenas no nome, são feitas por homens com uma mãozinha do destino, e não apenas, como querem alguns doutores, fruto de movimentos históricos. Já é coisa natural que a História brasileira seja revelada pelo esforço de jornalistas, mais do que pelos poucos e mais do que concêntricos trabalhos acadêmicos. Aqui, tem-se quase 800 páginas de uma pesquisa histórica notável que se lê como um romance. Sábio, o autor concentrou-se em narrar fatos e descrever personagens, deixando as análises de fora, pois, após o livro ‘Revolução de 30’, de Boris Fausto, o resto é silêncio.

Nos poucos momentos em que se arrisca a ‘historiografar’, Meirelles acerta no ponto: ‘Duramente atingida pelo esfacelamento da ordem econômica, a classe média transformara a revolução no repositório de suas melhores esperanças.’ Nada mais distante do blá-blá-blá escolar que mostrava a insurreição de gaúchos e mineiros contra a escolha de Júlio Prestes como um embate entre a aristocracia rural e a nova elite industrial. A revolução de letras minúsculas foi mesmo um rearranjo da política nacional sem que nenhuma classe social pudesse se gabar de trazer para si o rumo político do país. Só com a consolidação do poder de Vargas é que a coisa mudaria, nem sempre para melhor.

O livro de Meirelles dá o sabor desse preparatório do Estado Novo em que Getúlio Vargas aparece como uma figura escamosa, dúbia, sem ideologia e todo oportunismo. Até o último momento, o futuro ditador se divide entre os rebeldes e uma falsa lealdade a Washington Luís, à espera da decisão do fiel da balança política. Em suma, um pragmático que pôs fogo na pólvora e foi para longe esperar a explosão. As simpatias de Meirelles se voltam, então, para Luiz Carlos Prestes, cuja Coluna foi tema de seu livro anterior, ‘A noite das grandes fogueiras’. Exilado em Buenos Aires, Prestes passará, durante o movimento de 30, do tenente pequeno-burguês que queria sanear o seu país, e era admirado pelas elites, ao comunista anátema de governos e da classe média.

Já antes da eleição fraudulenta que elegeria Júlio Prestes e derrotaria a chapa Vargas-João Pessoa, a chamada Aliança Liberal tentou ganhar o apoio do ‘cavaleiro da esperança’ para sua revolta, caso não conseguisse o poder. Vargas chegou a prometer a Prestes, num encontro sigiloso, apoio financeiro para a revolução da Coluna, mas o futuro líder do PCB logo percebeu que não bastava mudar os homens na presidência para resolver os problemas sociais do país.

A exposição dessas forças políticas heterogêneas, que engendrariam o futuro do Brasil, toma a maior parte da obra. Meirelles foi esperto ao se referir, no título de um livro que pretende contar o que foi o movimento de 1930, aos ‘órfãos da Revolução’, a deixar claro que a insurreição em si pouco significou. O que importou, em verdade, foram as esperanças mais uma vez perdidas de que se queria mudar o cenário de privilégios para um país democrático e justo. Órfãos foram todos aqueles que acreditaram que bastava depor o presidente de cavanhaque e polainas, acabando com a Velha República, para fazer surgir um Brasil melhor. Mera ilusão. O morador antiquado do Catete, que dava poderes ao governo para fechar sindicatos e jornais, foi substituído pelo gordinho baixo, de fala mansa, que preferia se passar por ‘pai dos pobres’ para melhor manipulá-los e achava mais fácil comprar um jornal do que fechá-lo.

Órfãos de 2002 unidos aos órfãos de 1930

Mas não sejamos severos apenas com Vargas. Prestes também não entrou para a História como o mesmo idealista que, em 1930, descobriu o marxismo. Em pouco tempo, ele voltará a flertar com Vargas e passará a vida pregando a necessidade de se usar a emergente classe burguesa nacional, fortalecida pela revolução que ele rejeitara, como massa de manobra para chegar ao poder. No meio desse imbróglio todo, tão bem descrito por Meirelles, uma figura notável: o operário Minervino de Oliveira, candidato do PCB à presidência na eleição (com uma votação ínfima de 131 votos, menor do que o número de militantes do seu partido…) que detonou a revolta. O Brasil demoraria mais sete décadas para votar novamente num operário para presidente, que prometeu uma revolução social no país. Os órfãos de 1930 ganharam a companhia dos órfãos de 2002.

CARLOS HAAG é jornalista’

 

PARA GOSTAR DE LER
Rachel Bertol

Nova agência para o livro

‘O ano de 2006 é o tudo ou nada para os gestores de políticas do livro e da leitura no governo Lula: em ano eleitoral, corre-se para aprovar, até o fim de março, a Agência Nacional de Leitura, órgão paraestatal que funcionará nos moldes de entidades privadas como o Sebrae, de incentivo a microempresas, ou o Serviço de Responsabilidade Social na Indústria (Sesi). A principal meta é difundir o hábito de ler, através de ações variadas, como o apoio a bibliotecas, a capacitação de profissionais, a realização de pesquisas. Os recursos virão da cadeia produtiva (editoras, distribuidores, livreiros, gráficas) que tem uma dívida social com o país: no fim de 2004, o setor se beneficiou da isenção total de impostos e, em troca, se comprometeu a contribuir com 1% de suas vendas para um fundo de estímulo à leitura — o qual, mais de um ano depois, só recebeu cerca de R$ 1 milhão até agora, segundo o governo. Isso num universo potencial de contribuições que se estima em R$ 85 milhões.

— Mas a Agência ainda não foi criada. Com a proximidade da aprovação do projeto, muitas empresas já começaram a contribuir de maneira mais efetiva. Foram as próprias empresas que sugeriram a contribuição voluntária — afirma Galeno Amorim, presidente do conselho diretivo do Vivaleitura, nome dado às atividades do ano ibero-americano de leitura, em 2005.

Criação do Selo Pró-Leitura de responsabilidade social

No primeiro ano, estima-se que a Agência receberá R$ 45 milhões da cadeia produtiva, valor que poderá subir para R$ 85 milhões no segundo. Para garantir os recursos, as empresas que contribuírem ganharão o Selo Pró-Leitura de responsabilidade social, a ser exigido em editais de compra de livros pelo MinC ou pelo MEC, na obtenção de empréstimos no BNDES, assim como em outras medidas de estímulo. A criação da Agência integra o Plano Nacional do Livro e Leitura, que será lançado na Bienal do Livro de São Paulo, em março, dentro das diretrizes básicas de uma política do livro até 2022.

— Queríamos um órgão que não sofresse risco de contingenciamento, para que seja possível uma política de Estado permanente. O entendimento com o ministro Antonio Palocci (da Fazenda) foi a criação de uma agência autônoma. Para cada real que o setor privado contribuir, o Estado brasileiro vai entrar com outro real — afirma Galeno, que trabalhou na secretaria de cultura de Ribeirão Preto na gestão de Palocci.

Portanto, no cenário ideal, em seu primeiro ano a Agência poderá movimentar R$ 90 milhões, acima dos R$ 23,9 milhões que o MinC destinou ao livro em 2005. Há ações urgentes que se esperam da Agência, como a realização de nova pesquisa sobre hábitos de leitura, já que a última foi realizada há seis anos. O quadro da leitura no Brasil é grave, levando-se em conta que, segundo o Instituto Paulo Montenegro, somente um entre quatro jovens e adultos brasileiros consegue compreender totalmente as informações de um texto. Hoje, a política do livro é de responsabilidade da Biblioteca Nacional, mas a nova Agência deverá absorver parte dessas atribuições.’

 

FERNANDO PESSOA
Zuenir Ventura

O poeta e a Coca-Cola

‘Não sei se vocês conhecem o episódio que acabo de descobrir a respeito de um poeta, talvez o maior em língua portuguesa, sobre a vida do qual a gente acha que já sabia tudo setenta anos após sua morte. Ele é Fernando Pessoa — ou Álvaro de Campos, Ricardo Reis, Alberto Caeiro, Bernardo Soares, quatro dos mais famosos heterônimos que lhe serviram de alter ego e que no total devem ser mais de 80.

Não se trata da descoberta de qualquer segredo sobre a discutível sexualidade do poeta. Quanto a isso nada de novo. Há, como se sabe, os poemas homoeróticos, há o romance meio platônico com Ophelia, primeiro através de cartas, encontros e apenas um ou dois beijos e, nove anos depois de uma separação ‘sem qualquer razão concreta’, como ela escreveu, o reatamento: ‘Sei que qualquer outra pessoa não seria capaz de ‘namorar’ o Fernando (as aspas são dela). Mas eu compreendia-o muito bem.’ Quando pararam de se ver e de se corresponder, em janeiro de 1930, ‘Fernando dizia-me constantemente que estava doido’. Mesmo durante o longo afastamento, ela acreditava que ele gostava dela: ‘Não deixou de pensar em mim.’ Há enfim indícios de homossexualidade, mas nenhuma certeza.

O que li como novidade numa revista portuguesa já constava, porém, do site Mix Brasil, onde a ensaísta Thereza Pires, usando versos de Pessoa como epígrafe — ‘O amor é que é essencial. O sexo é só um acidente./ Pode ser igual ou diferente’ — fala de tudo isso e mais: de como em 1928, trabalhando em propaganda, o autor de ‘Mensagem’ fez a campanha de lançamento da Coca-Cola em Portugal para a agência McCann-Erikson.

‘O humor mordaz do poeta criou o slogan ‘Primeiro estranha-se, depois entranha-se’, informa Thereza. De saída foi um sucesso, a que se seguiu um enorme prejuízo financeiro. ‘O então diretor de Saúde de Lisboa entendeu que a mensagem publicitária era um explícito reconhecimento da toxicidade do produto e decretou a interdição de todo o estoque do refrigerante, que foi lançado ao mar.’

Ainda bem para a literatura. Se continuasse fazendo anúncios, Pessoa talvez não tivesse tido tempo de escrever grande parte dos 25 mil textos que, calcula-se, escreveu. Como disse Ophelia (*), ‘ele não queria trabalhar todos os dias, porque queria dias só para si, para a sua vida, que era a sua obra. Vivia com o essencial. Todo o resto lhe era indiferente’. Morreu em 1935 de cirrose hepática, causada provavelmente por excesso de álcool.

* ‘Cartas de amor de Fernando Pessoa’ — Organização, posfácio e notas de David Mourão-Ferreira. Edições Ática, 1978. Lisboa.

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Chega de impunidade! Juscelino precisa tomar uma providência urgente contra esse coronel Licurgo. O país não agüenta mais suas crueldades.’

 

EXTOR(Ç)ÃO?
Ancelmo Gois

Extorsão do vernáculo

‘O site de notícias do governo fluminense informou ontem que caiu no Rio o índice de crimes de… ‘ extorção ‘ (aaaaaiiii!!!).

Confira só o crime hediondo contra o vernáculo em www.imprensa.rj.gov.br/SCSsiteImprensa/detalhe_noticia.asp?ident=30749.’

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