Friday, 26 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

O populismo e a mídia

O sistema televisivo italiano tem suas particularidades, que podem soar bem diferente para os brasileiros. Existem praticamente dois sistemas, o Mediaset, privado, que pertence ao político Silvio Berlusconi, e o sistema RAI (Radiotelevisione Italiana), governamental, com três canais. A direção da RAI é nomeada pelo governo que está no poder naquele momento e, portanto, segue a linha, em especial a jornalística, que este determinar.

Não existe, como nos Estados Unidos, o FCC – Federal Communications Commission (Comissão Federal de Comunicações) e outros órgãos criados para impedir a formação de monopólios que consentiriam aos políticos controlar a imprensa e os canais televisivos do país. No Brasil deveria ser assim, mas criaram-se artifícios na lei, de legalidade duvidosa, que permitem a determinados políticos monopolizarem a mídia em seus estados, como no Maranhão, Bahia, Alagoas etc.

O professor de semiótica e escritor Umberto Eco, em entrevista a Deborah Salomon (The New York Times Magazine) externa seu temor sobre o populismo midiático, ou seja, dirigir-se ao povo diretamente pela mídia. Um político – segundo ele – que tenha na mão a mídia pode orientar o curso da política, mesmo não sendo membro do parlamento.

Cita como exemplo emblemático, mesmo sendo parlamentar, Silvio Berlusconi, o qual, entre os anos de 1994-5 e 2001-6, foi ao mesmo tempo o homem mais rico da Itália, o presidente do Conselho de Ministros (primeiro-ministro), proprietário de três redes de televisão – fora outras, sob seu controle – e, em função do cargo, controlador das televisões estatais. Crê ele que esse sistema, perigoso à liberdade de imprensa, possa acontecer em outros países, se já não está acontecendo. Explica que, se no exterior existe tanto interesse pelo caso italiano, é também porque, no século passado, o país foi um laboratório. A começar pelos futuristas, que lançaram seu manifesto em 1909, para passar ao fascismo, experimentado no laboratório italiano e depois emigrando para a Espanha, os Bálcãs e a Alemanha.

Essa afirmação surpreende a entrevistadora que tenta contestá-lo, permitindo a Eco mostrar sua personalidade:

Deborah Salomon – Entende dizer que a idéia da Alemanha nasceu do fascismo italiano?

Umberto Eco – Sem dúvida, assim dizem os históricos.

DS – Mas talvez só àqueles italianos?

UE – Se não lhe agradar o fato, não escreva; para mim é indiferente.

DS – Então o senhor considera que a Itália seja a origem de ambas as tendências, seja no campo artístico, com a moda futurista, seja no político, com o fascismo?

UE – De fato. Por que não?

Faz um comparativo interessante sobre Silvio Berlusconi e o atual presidente do Conselho, Romano Prodi: ‘Berlusconi é um grande ator. Prodi não é um ator, isso não é um delito, mas uma fraqueza.’

Finalizando, Umberto Eco fala dele. Aposentou-se na vetusta e famosa Universidade de Bolonha, pois completou 75 anos. Não pretende entrar na política, uma vez que cada um quer fazer seu trabalho, e o dele é o de um estudioso que escreve romances.

Deborah lhe faz como última pergunta: ‘Para o senhor, é importante que seus romances ainda continuem a ser lidos depois de 100 anos?’.

‘Escrever um livro sem se preocupar com a sua sobrevivência seria coisa de imbecis.’

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Jornalista