Saturday, 20 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Os editores não se curvaram, insurgiram-se

Título de matéria da edição de quinta-feira (6/12) do Financial Times usa um verbo impróprio, “to bow”, curvar-se (ver “Editors bow to Leveson pressure”).

Os 20 editores de diários e semanários londrinos que se reuniram no restaurante Delaunay (tradicional ponto de jornalistas em West End) e adotaram as principais recomendações do Relatório Leveson, na realidade, questionaram o farisaísmo liberal – ouliberalóide –do empresariado midiático que acredita no conto da carochinha de que uma rigorosa autorregulação nos procedimentos jornalísticos equivale a um atentado às liberdades.

São os editores que geralmente pagam pelos abusos e malfeitorias cometidas pelos subordinados, por sua vez insuflados pelos departamentos de marketing. O almoço foi o primeiro resultado da reunião do dia anterior com líderes parlamentares, incluindo o camaleônico primeiro-ministro David Cameron, que desistiu de ser Joana D’Arc da independência e passou a cobrar pressa para a implementação das recomendações antes que os deputados as tornassem mandatórias.

O acordo entre os principais porteiros das redações do Reino Unido abre caminho para a criação voluntária de uma entidade autorreguladora que atenda às reclamações do juiz Leveson, porém desprovida de qualquer vínculo oficial.

Bom sinal

Os editores concordaram em introduzir um mecanismo capaz de reagir rapidamente às queixas de cidadãos, criar um colegiado para nomear os dirigentes da entidade autorreguladora e um serviço independente para arbitrar reclamações no caso de difamação. A mesma turma concordou com a sugestão de Leveson para a criação de um corpo independente que acompanhará o andamento dos trabalhos na entidade autorreguladora.

Os editores não abrem mão do direito de participar de um novo código de imprensa (press code) para consagrar o que é certo ou errado em matéria de jornalismo.

Por que bufaram tanto os senhores empresários de mídia se os seus mais qualificados funcionários adotaram livre, espontânea e velozmente a essência do Relatório Leveson?

Esta pseudopolitização de uma questão eminentemente profissional não coloca as empresas tradicionais de mídia na contramão dos anseios de requalificação da imprensa no qual está engajada grande parte da sociedade mundial? Não é artificial a histeria privatista e “empreendedora” que domina a maior parte da mídia dos dois lados do Atlântico?

Se o Financial Times, a bíblia cor de salmão do conservadorismo mundial, adota posições politicamente tão liberais, verdadeiramente progressistas, não é isto um sinal de que o espectro ideológico da Guerra Fria está sendo drasticamente alterado?

Passo decisivo

Empresários não perdem o emprego quando seus veículos perdem credibilidade, leitores e anunciantes. Jornalistas vão para o olho da rua, de onde não mais sairão se tiverem mais de 50 anos. E como os editores e executivos geralmente ganham os maiores salários nas redações, são as primeiras vítimas das razias e passaralhos.

A grande verdade é que o sensacionalismo da mídia virou manchete da imprensa sensacionalista. O trágico trote telefônico no hospital onde estava internada a provável-futura rainha da Inglaterra (Kate Middleton, ver “Morte de enfermeira de Kate após trote abre polêmica internacional”) e a foto do homem segundos antes de ser esmagado pelo metrô em Nova York (ver “Foto de homem prestes a morrer questiona limites do mau gosto”) deixaram a esfera da conversa de botequim e seminários acadêmicos. O comportamento da mídia virou papo cotidiano.

A façanha dos DJs australianos que provocaram o suicídio da enfermeira Jacinta Saldanha, de origem luso-indiana, deveria reaquecer o debate sobre o diploma para o exercício profissional – jornalistas formados cometeriam tamanha leviandade? Disk-jockeys têm código de ética?

Os editores ingleses que se reuniram no Delaunay não estavam pensando em John Milton nem no seu panfleto Areopagitica, mas a sua firme adesão à “Doutrina Leveson” indica que estamos dando um passo crucial em direção da requalificação do jornalismo.

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Acomodados, “seu” Santana?

O leitor Luiz Fernando Santana, ao comentar o artigo “Areopagítica, 368 anos depois”, acha que a nossa preocupação com o Relatório Leveson é escapista, afirma que pensamos mais no Reino Unido do que no Brasil. Tem este direito, em contrapartida temos a obrigação de considerá-lo inapto a perceber o sentido de uma convocação da mídia brasileira para acompanhar os avanços da imprensa britânica, matriz do jornalismo mundial, nutriz do patriarca Hipólito da Costa.

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Areopagítica, 368 anos depois – Alberto Dines

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Site oficial do Inquérito Leveson