Thursday, 25 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Os ‘embrulhos’de sábado à tarde

‘Final de jogo aqui em Montevidéu. Brasil 4, Uruguai 0.’ Assim se encerrava, de forma tradicional, a transmissão de Galvão Bueno para a Rede Globo de Televisão. Ai começou a minha angústia. Como viver à frente da TV aberta em um final de sábado à tarde?


Tive de pensar rápido. A qualquer momento começaria a novela das 6, algo tão abominável que o cantor Daniel é um dos atores principais. Não aguentaria assistir a essa mistura de Pantanal com O Rei do Gado. Comecei a me desesperar. Empunhei com toda gana e disposição o meu controle remoto, a maior invenção da humanidade, e comecei a mudar os canais.


Canal 9, Rede TV. Programa Escola de Profetas. Não tenho muito vocação…


Canal 7, Band. Raul Gil e seu show de calouros. Talvez quinze anos atrás, mas não hoje.


Canal 5, Record. O melhor do Brasil. Uma das piores coisas já apresentadas na TV aberta brasileira. Algo tão ruim que poderia ser considerado uma cópia muito piorada do Video game da Angélica (sic). Talvez o título do programa seja uma ironia.


Canal 4, SBT. Seriado enlatado. Pelo menos não era humorístico mexicano do Programa do Chaves.


‘Público’, como algo sem dono


Canal 2, TVE Bahia. De repente, o mundo da mediocridade da TV aberta deu lugar a um importante hiato. Um programa onde o antropólogo Roberto DaMatta discorre, livremente, quase sem cenários, sobre a formação cultural do povo brasileiro. Era simples, um pano de fundo que parecia um tapete com matizes africanas. Ele, do lado esquerdo do vídeo, e sua imagem sendo cortada de tempos em tempos por vídeos antigos e imagens mostrando manifestações típicas do nosso povo.


DaMatta discursou sobre alguns dos nossos problemas cotidianos, argumentando sobre a possibilidade de muitos deles serem frutos da nossa má formação cultural. Falou sobre a famosa frase que, segundo ele, representa bem o povo brasileiro, o famoso ‘você sabe com quem está falando?’ A constituição da nossa personalidade foi explanada de forma brilhante e simples, como em seus livros. Falou do nosso erro ao tentar fazer da escola uma extensão da nossa casa, ao chamar a professora de ‘tia’, deixando de lado o respeitoso tratamento, antes obrigatório, mas hoje, arcaico, ‘senhora’. A falta de respeito com os outros. A falta de consciência do nosso povo ao entender ‘público’ como sendo algo sem dono, e não como bem comum a todos, dentre outras coisas.


O que está acontecendo com o espectador?


Mas o que isso tem a ver com a mídia? Tudo.


As TVs abertas exploram a ignorância, a falta de cultura e o desprezo da maioria da população pelas artes, leituras e as ciências sociais de forma tão gritante que, quando deparei com um grande autor discursando sobre suas obras e estudos, fiquei maravilhado. Algo, na minha concepção, de extrema importância para o entendimento da nossa sociedade é renegado como sendo ‘somente um programa para os velhos’, como cansei de ouvir. Por isso, no auge da minha velhice de três décadas de vida, agradeço a Deus por ainda conseguir enxergar esse contraste como um absurdo.


Façamos algumas perguntas a nós, e por nós mesmos: por que devemos nos contentar em ver a fictícia vida dos personagens das novelas, quando podemos aprender sobre a nossa realidade e buscar melhorar a nossa sociedade? Para que perder tempo com a vida alheia nos reality shows, nessa democratização nacional da fofoca, se podemos aprender mais sobre a nossa cultura? Como entender a audiência astronômica de programas que exploram as mazelas e desgraças do ser humano, com seus apresentadores demagogos e vendidos? E o pior, como entender os baixos pontos do Ibope alcançados pelos poucos programas de conteúdo útil e realmente interessante da nossa TV aberta?


Meu Deus, com que finalidade se assiste ao E24 da Band, onde acidentes e atendimentos a doentes terminais tornam-se espetáculos ante uma câmera nervosa, imagens difusas e gritos de dor?


O que está acontecendo com essa raça da humanidade denominada de espectador?


Talvez fosse necessário mais alguns programas com o nosso antropólogo Roberto DaMatta para responder essas perguntas. Mas acredito que ninguém irá perder um final de semana para pensar em coisas sérias e com o intuito de melhorar nossas vidas. Afinal, o Zorra Total vem aí e domingo tem Faustão, Silvio Santos, Gugu…

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Estudante de Propaganda e Marketing da Faculdade 2 de Julho, Salvador, BA