Thursday, 25 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

Os luminares detestam o iluminismo

A Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj) não gostou do comentário deste
observador a respeito do novo projeto que tramita no Congresso para a
regulamentação da profissão de jornalista e da nova ofensiva para a criação do
Conselho Federal dos Jornalistas [ver ‘A cabeçada de Fenaj. Mais uma‘ e ‘Mesmo com bola nas costas…‘].


Não gostou, nem poderia gostar. Este observador está empenhado, junto com
outros profissionais de diferentes gerações, na cruzada para a requalificação da
nossa imprensa em grande parte deteriorada pela mercantilização do processo
jornalístico.


A Fenaj preocupa-se principalmente com questões corporativas, gremiais, que
dificilmente produzirão melhorias no processo de obter e apresentar informações
corretas e completas à sociedade.


São divergências cruciais, ontológicas. Impossível qualquer conciliação.


Defender melhores salários e mais decentes condições de trabalho para
jornalistas é obrigação de sindicatos e federações de sindicatos. Isso não é
corporativismo. Mas decretar que assessores de imprensa sejam jornalistas
formados (como o faz agora a Fenaj) é exigência absurda, ainda pior do que o
corporativismo, porque desvenda uma fatal atração e trágica dualidade.


A Fenaj está mais preocupada com as assessorias de imprensa (ou comunicação)
do que em preservar nosso jornalismo de qualquer contaminação com atividades
empresariais ou políticas.


Enquanto na Europa os sindicatos de jornalistas estão empenhados em evitar
que profissionais da imprensa sejam simultaneamente assessores de
imprensa (ou relações públicas), o órgão máximo da corporação brasileira tudo
faz para misturar e confundir atividades aparentemente afins, mas
intrinsecamente conflitantes.


Parceira dos lobbies


É evidente que a Fenaj está mais atenta em conquistar as simpatias dos
assessores de imprensa (hoje majoritários no seu quadro de associados) do que
agradar os jornalistas preocupados em proteger a sua profissão de convivências
perigosas (e hoje em minoria). Fica evidente também que se prosseguir nesta
trajetória suicida perderá fatalmente a credibilidade que lhe resta junto à
categoria dos jornalistas.


A Fenaj adora o Congresso, especialmente este Congresso, não porque
represente um dos esteios da democracia, mas porque é um dos maiores criadores
de assessorias. Os representantes do povo raramente falam com a imprensa,
preferem fazê-lo através de assessores e quando esses assessores são também
jornalistas arma-se a diabólica usina em que as reportagens se transformam em
releases.


Se a Fenaj pretende aumentar o seu poder político – e recuperar a confiança
dos jornalistas – deveria concentrar suas energias na criação de uma nova
entidade ligada à atividade das assessorias, deixando que a antiga federação
abrigue exclusivamente os profissionais comprometidos com a operação de apurar,
editar e comunicar informações sem qualquer vinculação com interesses comerciais
ou políticos.


Uma coisa é defender a obrigatoriedade do diploma para o exercício do
jornalismo e assim protegê-lo do parajornalismo que tanto o avilta.
Outra, é endossar o delirante Projeto de Lei Complementar 79/2004 de autoria do
sanguessuga Pastor Amarildo (PSC-TO), cujo escopo é dissolver os atributos da
imprensa como porta-voz da sociedade para torná-la parceira dos lobbies e
agências de divulgação que proliferam à sombra dos governos.


Avaliação recusada


Este observador jamais recusou participar da empreitada de buscar a
excelência jornalística através da formação superior. Para os que não sabem, a
4ª edição do livro O Papel do Jornal (Summus Editorial, 1986) é uma
releitura da edição original (Artenova, 1974) com um apêndice dedicado à questão
do diploma com o seguinte título: ‘O jornalismo na era do Cruzado e a cruzada
contra o diploma de jornalista’. As demais edições (hoje são oito) mantiveram o
apêndice, a menção na capa e, principalmente, o mesmo compromisso.


À época, na condição de funcionário da Diretoria Editorial da Abril, em São
Paulo, não foi fácil assumir uma posição ostensivamente contrária à da empresa
para a qual trabalhava. Ainda para os que não sabem: Veja foi quem lançou
a primeira salva de artilharia contra o diploma por meio de um artigo de Boris
Casoy, então publicitário e patrocinado pela antiga ANJ (da qual a Abril era
associada).


Passados vinte anos este observador mantém as mesmas posições doutrinárias,
mas não pode deixar de lamentar o processo de degradação que, justamente por
causa da obrigatoriedade do diploma, foi imposto ao ensino superior privado e,
em especial, aos seus cursos de jornalismo.


Nesta revisão não pode ficar sem reparos o fato de que a grande imprensa tem
sido o sustentáculo das universidades privadas e, ironia das ironias, secundada
com entusiasmo pela Fenaj. Esta mesma Fenaj que sempre recusou qualquer tipo de
avaliação e fiscalização do ensino superior, chegando até a retirar os seus
representantes do comitê que organizou o ‘provão’ dos cursos de jornalismo para
manter-se fiel à exigência do diploma.


Fórmulas autoritárias


Despreocupada com a qualidade do ensino de jornalismo, a Fenaj exige agora,
por intermédio do Pastor Amarildo, que os professores dos cursos de jornalismo
sejam jornalistas formados. Formados onde? Nas arapucas que a Fenaj ajuda a
manter?


Disciplinas profissionais, obviamente, devem ser ministradas por
profissionais de jornalismo. Mas os professores de História, História das Idéias
(ou Cultura), de Literatura, de português (ou línguas estrangeiras) e demais
disciplinas relacionadas com a formação básica não precisam ser jornalistas.
Também os docentes das tecnologias de apoio (informática, biblioteconomia,
fotografia ou cinema).


O mestre em matéria de Legislação deve ser um jurista, o de Ética pode ser um
filósofo, mas o de Deontologia, este deve ser imperiosamente um jornalista
profissional. Profissional e sazonado, com dez anos de experiência comprovada.
No mínimo. Para não embarcar em aventuras como esta, proposta pela Fenaj.


A discussão sobre quem está habilitado a formar jornalistas não teria
acontecido se a Fenaj, no passado, tivesse incentivado a alternativa do mestrado
lato sensu, adotado nas escolas de jornalismo dos EUA e através da qual
seria possível alcançar, sem grande esforço, os padrões multidisciplinares e
universalistas exigidos pelo jornalismo moderno.


A questão do diploma – bem como a sua via-crúcis judiciária – hoje estaria
plenamente superada se graduados em ciências ou artes pudessem pós-graduar-se em
cursos profissionalizantes de jornalismo com dois ou três semestres de
duração.


Este tipo de solução iluminista não fascina os luminares da Fenaj. Suas
cabeças só pensam em fórmulas autoritárias e imediatas. Daí as cabeçadas.


[Texto fechado às 21h23 de 24/7] (continua)