Friday, 26 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

Os nomes sob as palavras

Não pergunte o que seu País pode fazer por você, pergunte o que você pode fazer por seu País. Louis Menand discute em recente número da revista The New Yorker quem escreveu essa frase famosa pronunciada pelo presidente John Kennedy em seu discurso inaugural de janeiro de 1961: Kennedy mesmo, como sustenta Thurston Clarke no livro Ask Not (Não pergunte), ou o discreto redator habitual de seus discursos, Theodore Sorenson?

O mistério é parecido com o da redação de duas das peças mais brilhantes – embora historicamente reacionárias – do jornalismo brasileiro, os editoriais do falecido jornal carioca Correio da Manhã (‘Basta!’ e ‘Fora!’) que ajudaram a enterrar o moribundo governo de João Goulart no final de março de 1964.

O historiador oficial do regime militar, Elio Gaspari, diz num de seus volumes que os editoriais foram escritos por várias mãos, com base em suas entrevistas com três dos editorialistas do jornal na época – alguns ainda vivos, como Carlos Heitor Cony, outros já falecidos, como Edmundo Moniz e Osvaldo Peralva. O grupo incluía, entre outros, Otto Maria Carpeaux.

Uma das fontes de Gaspari, Cony, escreveu depois que reproduziu em sua entrevista o que recordava da época. Mas a memória, como nós jornalistas sabemos, falha mesmo quando é boa, e falha mais à medida que o tempo passa. A obra de Gaspari não menciona entre os autores desses textos coletivos o nome de Antônio Moniz Vianna, que foi redator-chefe do jornal entre as gestões de Antônio Callado e Edmundo Moniz, além de crítico de cinema por 29 anos, e editorialista. Os dois editoriais no entanto lembram mais a severa indignação de Moniz Vianna do que os textos mais contidos de Peralva ou Cony.

Num artigo publicado há alguns anos em O Estado de S. Paulo, outro egresso do Correio da Manhã, Ruy Castro, atribui a escritura dos dois editoriais a Moniz Vianna. Levantei essa hipótese por telefone com Gaspari, que nem admitiu a possibilidade de suas três entrevistas com os outros editorialistas estarem erradas.

Tanta certeza me deixou com mais dúvidas, e resolvi perguntar ao próprio Moniz Vianna, que está não só vivo como lúcido em seu apartamento no Rio. Ele se lembra de alguns detalhes: escreveu o texto final dos dois editoriais, e deu os títulos a ambos. As versões preliminares eram de Osvaldo Peralva, que abandonara o Partido Comunista Brasileiro por horror ao stalinismo. Ao liberal Carpeaux não agradava a idéia de derrubar governos em geral, e ao esquerdista Edmundo Moniz desagradava a idéia de derrubar um governo pelo menos simpático à esquerda.

Por ser médico além de jornalista, Moniz Vianna recebeu vários telefonemas de Cony naqueles dias. Cony não participou da redação dos editoriais porque estava acamado, recuperando-se de operação na vesícula. Moniz Vianna era para ele uma fonte dupla, sobre o descontrole militar e sobre a vesícula operada.

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Jornalista, Diretor de Redação do DCI