Friday, 19 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Os olhos do povo

Um colega me telefonou para dizer que havia a possibilidade de ser transferido para o Brasil. ‘Poderíamos bater um papo?’ ‘Claro, quando quiser’, respondi. No dia seguinte, ele me telefonou novamente: ‘Vai ser criada a censura de imprensa em seu país?’ ‘Você está louco?! A mídia é livre, totalmente livre’, respondi. Logo depois li um artigo do Alberto Dines sobre a proposta de um Conselho Federal de Jornalismo e o texto completo do anteprojeto que um amigo de Florianópolis, Jefferson, ótimo profissional, me enviava sem comentários. O colega estrangeiro estava informado.

O anteprojeto, do ministro do Trabalho, Ricardo Berzoini, imagina ‘orientar, disciplinar e fiscalizar’ a profissão! Não acreditei no que li. Acho que Lula, que aceitou encaminhar a coisa ao Congresso, foi muito mal aconselhado. E Berzoini nada sabe sobre o nosso trabalho.

A nossa profissão é extremamente disciplinada por definição. Temos horários rígidos, espaço a respeitar e somos obrigados a informar o melhor, mais rápido e mais corajosamente possível. Quem nos orienta são os editores, responsáveis finais pelo preparo da mídia. Pode acontecer – e acontece, infelizmente – que se receba orientação para escrever certas coisas por interesse da empresa proprietária. Mas um conselho oficial nos dizer o que pensar (orientação), como preparar nossas matérias, decidir sobre a qualidade? Dizer como devemos trabalhar (fiscalizar)? Essa, não. Só posso atribuir a idéia à inexperiência do autor ou autores. Querem um jornalismo a favor, que só aplauda e elogie. Propaganda no lugar da informação e notícia! Confio em que o Congresso rejeite. E os colegas se rebelem.

A liberdade de opinião é uma das liberdades fundamentais. A liberdade de imprensa foi uma conquista, mas sequer se trata disto. Há dois poderes para a segurança da sociedade civil, da empresa e do indivíduo: o Judiciário e a mídia, a imprensa. O Congresso existe para contrabalançar os poderes imperiais do Executivo e representar os inúmeros interesses conflitantes da vida social.

Meio de corromper

O Judiciário independente é que decide as contendas. É onde se vai buscar justiça, o reconhecimento dos direitos. A mídia são os olhos e ouvidos do povo. Assegura o direito de saber que é do povo. Mesmo os sistemas autoritários são produto do contrato social realizado e assumido pela nação para que haja uma estrutura que sirva às suas necessidades. Tudo isto é sabido e não raro esquecido pelos contratados, burocracia e aparelho de governo. Um contrato pelo qual pagamos todos com impostos e taxas.

E a mídia, independente do Executivo, Legislativo e Judiciário, só dependente do respeito às leis, assim como todos nós, que vigia o respeito aos poderes, públicos e privados, e ao indivíduo. Ela não está acima de poder algum. Coopera e contribui para que não esqueçam para que existem. Vigia para que não se desviem de suas funções de bem servir a quem paga pelos seus serviços.

A democracia não existe sem a mídia independente. Mídia controlada, como sugere o anteprojeto, é o primeiro passo para o fim das liberdades e para os poderes esconderem seus atos e gastos, autorização para a prática de meios corruptos e corruptores. A mídia garante a transparência dos atos e o comportamentos daqueles com poder. Só ela.

O conselho sugerido é uma ameaça à democracia. Entrega o controle das liberdades a indivíduos que ficam com imenso poder. Eles serão seres humanos, com todas as fraquezas. Tentarão fechar os nossos olhos e ouvidos. Inapelavelmente.

Comecei minha vida profissional quando existia o DIP – Departamento de Imprensa e Propaganda, da ditadura Vargas. O conselho pode ser bem pior com a melhor das intenções de seu criador. É inaceitável.

O indivíduo e a empresa, os políticos, todos têm total direito à justiça. Sim, uma forte lei anticalúnia pode ser necessária. Mas é só.

A qualidade do jornalista só pode ser definida na prática da profissão. Nenhuma outra. A ética é outra questão que só a própria mídia pode codificar e vigiar. O conselho é o oposto do que pode ser positivo. É um meio de corromper.

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Correspondente do Último Segundo () em Israel