Friday, 29 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1281

Outras máquinas, novas mentes – 3

O mundo existe para ser descoberto; a vida existe para ser questionada e interpretada. Nos dois artigos anteriores (ver aqui e aqui), preocupei-me em eleger, como alvo, as mutações propiciadas pelas novas tecnologias da informação, sobretudo na vida de uma geração que, ao nascer, já as encontrou disponíveis, além do impacto por elas gerado na geração anterior, tendo esta de assimilar o novo, sob pena de ficar à margem.

As manifestações que se fazem presentes nas mais importantes capitais do país requerem um olhar atento, seja quanto ao teor dos protestos, seja no tocante ao modo de como elas se articulam. Para os dois aspectos, algo os une: a parceria entre jovens e redes sociais. Sim, se muitos jovens perdem tempo precioso de suas vidas pela sedução irresistível ao consumo de telas das quais nada extraem de produtivo, não é menos verdade que outros tantos usam e percebem o potencial ofertado pelas “ferramentas comunicacionais”.

Quem se dispuser a compreender os recentes acontecimentos não pode fazê-lo com olhar ingênuo. Menos ainda, procurar suporte teórico na lógica binária, herdeira direta da razão dogmática. Os protestos são legítimos e justos. Milhares de jovens que, supostamente, estavam entregues à inércia contemplativa, na verdade se encontravam em estado de vigília, até transformarem em atos públicos o que, durante anos, armazenaram em silencio.

Corações e mentes

Alguns dirão: “Isso é estratégia de desestabilização política”. “É arregimentação sob articulação da extrema-direita”.Ok. Manifestação de protesto, em qualquer parte do mundo, tem infiltrações e manipulações. Michel Foucault, há muito tempo, observou que os poderes atuam em rede. Outro teórico, Pierre Bourdieu, igualmente, registrou que, em rede, também se articulam os contrapoderes. Não há, portanto, “lugar” para reducionismo. A classe política, a mídia, a segurança pública e os intelectuais dão sinais de não entenderem o que está acontecendo. Na falta de uma percepção mais apurada, partem para a simplificação.

Um jovem universitário, estudante de Letras, Francisco Felipe de Paula Neto, postou no Facebook: “Então o Facebook se tornou a ‘Ágora’ contemporânea?”. Bela provocação ao pensamento. O estudante promoveu rico link histórico ao agregar temporalidades tão díspares entre si e, ao mesmo tempo, tão próximas quanto ao fundamento.

Sim, as redes sociais virtuais, também, estão servindo para a reativação de um certo “assembleísmo”, a exemplo do que, por pouco tempo – é verdade –, chegou a existir na democracia ateniense. O tema é interessante e, por isso, tem sido objeto de reflexão entre diversos teóricos, a exemplo de Manuel Castells (Internet e sociedade em rede), Franco Berardi (O futuro da tecnosfera de rede), Mark Poster (Cidadania, mídia digital e globalização), Michael Hardt (Movimentos em rede, soberania nacional e globalização alternativa), dentre outros…

Não haverá de ser por conta de atos de destruição (encomendados ou não) que jovens antenados abdicarão de ideais. A questão é saber por quanto tempo, nos corações e mentes deles, permanecerá a chama pela transformação… Uma coisa é certa: “outras máquinas” estão atiçando “novas mentes”.

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Ivo Lucchesi é ensaísta, articulista, doutor em Teoria Literária pela UFRJ, professor titular de Linguagem Impressa e Audiovisual da FACHA (RJ)