Thursday, 25 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Overdose de grito, alegria e mau humor

– Olha o gol, olha o gol, olha o gol!


Não, não, esse berro-aberração não foi de Galvão Bueno, embora ele o tenha inventado na Copa de 2002 (felizmente, logo o abandonou). Era Luiz Carlos Jr. narrando um avanço de Adriano no jogo-treino do Brasil com a Nova Zelândia, no domingo (4/6). Ora, melhor recorrer ao controle remoto e sintonizar o original, não? Na Globo, Galvão Bueno estava especialmente contido. Até deu para assistir mais ou menos, sem xingar. Tinha razão o leitor/colaborador que comentou na semana passada que os decibéis de Luiz Carlos Jr. já alcançaram os de Galvão. No domingo, ultrapassaram.


O grito vem sendo a marca registrada do sistema Globo. Na chegada da seleção a Frankfurt, depois do jogo, Faustão encobriu com seus berros a fala da estrela Fátima Bernardes, que pretende repetir o sucesso de sua participação na Copa de 2002 – avaliação da emissora.


No balanço geral, a sorte é que o de domingo foi o último jogo da seleção não-transmitido pela ESPN Brasil. A partir do dia 9 teremos todas as partidas da Copa nos canais ESPN (Brasil e internacional). Mesmo com apenas 40 profissionais na Alemanha, contra os 160 do sistema Globo/Sportv (informação da Revista da TV, publicação dominical do Globo – com os enviados do jornal a equipe chega a 187), a ESPN já deu dois furos: o anúncio do corte de Edmilson e a chegada do volante Mineiro à Thermoplan Arena, em Weggis (Suíça), onde a seleção treinava. A propósito, em tática para atração de novos assinantes, a operadora Net abriu o sinal da ESPN Brasil no canal 37.


Um espanto


Nos impressos, o Copa 2006, caderno especial do Globo que estreou no domingo (4), ganhou 20 páginas com muita, muita matéria – e muita, muita alegria. Um clima assim bem Pacheco, um ar de parceiro da CBF, oba-oba total. Tirando o veterano de copas Artur Xexéo, que descobriu um personagem grego à procura de público, os colunistas não-comentaristas de futebol nada acrescentaram: ainda não encontraram assunto, quem sabe quando a Copa começar? Mas os repórteres se saíram bem, conseguiram extrair até uma entrevista mais ou menos de Ronaldinho Gaúcho.


No lado oposto, o do futebol-tristeza, a Folha de S. Paulo. Qual seria o objetivo deste jornal com sua cobertura mal-humorada? Fizeram pesquisa e constataram que o leitor quer matérias azedas? Eis alguns títulos retirados do índice do caderno de esportes de domingo:




** Seleção pouco vê dupla Ronaldo e Ronaldinho


** Mais jovem dos Ronaldos exibe sua faceta teflon


** Brasil finaliza a fase do faz-de-conta


** Estatística: Rivais fracos inflam média de gols de Parreira


** Copa 2006: Seleção aprova Weggis, só em campo


** Esperança de reservas fica ainda menor


** Saiba mais: Limousines roubam cena em hotel


** Mexicano apitará estréia, e técnico diz que não liga


A matéria das limousines é um espanto:




Onze Volkswagen Phaeton 3.2, idênticos, estão estacionadas lado a lado na porta do hotel Kempinski, em Königstein, onde a seleção brasileira se concentra a partir de amanhã, feriado na cidade. Na recepção, ninguém está autorizado a dizer se os automóveis ficarão à disposição dos jogadores. Cada carro custa a partir de 973.400, ou aproximadamente R$ 210 mil. Inaugurado em 1999, o hotel tem 105 quartos e cobra diárias de até 600 euros.


Julgamento de Nuremberg


Talvez o leitor precise dar uma passadinha rápida em Königstein e descobrir o porquê das limusines, já que a Folha foi incapaz de informar. Os repórteres não devem assistir aos treinos, ou veriam os passes de Ronaldinho a Ronaldo. Ah, e a ‘faceta teflon’ do Gaúcho é porque nada gruda nele. O que frustra terrivelmente a Folha: ela precisa de escândalos para exercer o jornalismo. É isso?


O cidadão que pretendia ler pelo menos as matérias sobre o neonazismo e a fraca punição aos crimes de racismo nos campos de futebol alemães desiste. Eu, hein, pensa, vou cair no choro. É obrigado a clicar, e olhe lá, na imperdível coluna do Tostão, porque as mudanças gráficas no site do Jornal do Brasil transformaram em pedreira a simples leitura do melhor colunista do diário. Resumindo, a cobertura da Folha é gratuitamente antipática. Vai ver se acha um jornal marxista, e futebol é o ópio do povo. O hilário é que Galvão Bueno foi capaz de dizer o seguinte no domingo: ‘Tá certo que o futebol não resolva todos os problemas, mas…’. Já que até a Globo cedeu, resta-nos a Folha como o último bastião lúcido do país. Já há quem diga que a redação, tida como palmeirense, está devastada demais com a lanterna do time e quer massacrar a seleção…


Talvez isso tudo explique a grosseria do técnico Parreira com um repórter da Zero Hora em entrevista dias atrás. Foi depois pedir desculpas. Sua justificativa: pensou que o rapaz era da Folha… Se o Globo irrita por ser alegrinho demais, a Folha exaspera ao roubar a alegria do futebol. Parece estar na Alemanha cobrindo o Julgamento de Nuremberg, e não a Copa do Mundo. Ah, vão catar coquinho!