Thursday, 28 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1281

Paulo Machado

‘O leitor Geraldo Brasil Silvério escreveu: ‘Quero transmitir meu protesto em ver que a Agência Brasil, órgão público de interesse coletivo, pauta suas notícias e debates pela mídia comercial e seus interesses e demandas, em vez de pautar-se pelo interesse público e coletivo.’ A Agência Brasil respondeu que: ‘agradecemos a colaboração do leitor mas discordamos da sua opinião em relação à Agência Brasil’. Todavia a ABr não informou por que discorda.

Já o leitor João Carlos foi mais específico em sua mensagem: ‘A reportagem da Agência Brasil sobre o fim da marcha dos movimentos sociais em Brasília foi um exemplo de como a mídia é sensacionalista usando como manchete ‘Manifestação do MST em Brasília termina sem conflitos’.

A – A Marcha não era do MST, mas sim de um conjunto amplo de movimentos sociais brasileiros. A Agência Brasil errou ao dizer que a marcha era do MST. A equipe que fez a reportagem não apurou quem organizava essa manifestação em Brasília?

B – A manchete da reportagem parece que o normal seria que houvesse conflitos. Quem esperava isso? Os organizadores da Marcha? A Agência Brasil esperava conflitos? Para a Agência Brasil manifestação é sinônimo de conflito? Por quê?

C – A Agência Brasil reforçou a idéia dos veículos de comunicação de que as manifestações do MST geram sempre conflito.’

Dizendo-se ofendido, o leitor Walter Fernando Torres foi mais fundo: ‘Vejo com desgosto no Twitter e no seu site, noticia da visita do presidente da Republica, Luiz Inácio Lula da Silva – que deve ser sempre tratado com muito respeito – à Bolívia, onde foi recebido pelo presidente Evo Morales – que também merece todo respeito – um tratamento profundamente DESRESPEITOSO quanto a ambos. Eu me sinto ofendido como brasileiro, em ter que aturar uma noticia dada dessa maneira, por uma agência de noticias que não é governamental mas é estatal – mantida com MEUS IMPOSTOS. Vejam a noticia: Lula assina em reduto eleitoral de Evo Morales acordo para construção de rodovia. Reduto eleitoral? Como? Se o presidente do Brasil visitar Chicago, ele foi a REDUTO ELEITORAL de Obama? Ou no Texas a reduto eleitoral de Bush? Não é assim que se dá uma notícia séria, isenta. DEVOLVAM MEUS IMPOSTOS! Nego-me a sustentar esse tipo de agência de noticias!’ Os grifos são do leitor. A Agência Brasil não respondeu a mensagem mas modificou o título da matéria tirando a citação ao ‘reduto eleitoral’, sem informar aos leitores que procedeu tal modificação. No entanto, no primeiro e no segundo parágrafos, a notícia destaca: ‘A visita de Lula à Bolívia acabou se transformando em festa no reduto eleitoral de Evo Morales, que está em plena campanha para a reeleição.’

Ao definir sua pauta, uma agência de notícias diz ao leitor quais assuntos considera importantes para sua informação. Ao definir os enfoques e as possíveis abordagens de um assunto ela procura chamar a atenção do leitor para os aspectos que considera relevantes nos fatos reportados. Ao editar as matérias e colocar os títulos ela ressalta as informações mais importantes das notícias. Cada etapa dessas do processo de produção da informação jornalística deve estar baseada em critérios estabelecidos a partir do referencial maior da comunicação pública – o interesse público.

Na matéria Manifestação do MST em Brasília termina sem conflitos, publicada dia 14 de agosto, a ABr procurou chamar a atenção do leitor para o que não aconteceu, ou seja, a ausência de conflitos, o que podemos considerar a não notícia. Ao destacar no título da matéria um fato que não aconteceu a Agência Brasil revelou o que esperava que acontecesse e ao agir dessa maneira deixou claro para os leitores qual o seu referencial ‘manifestação de movimento social é sinônimo de conflito.’ Pelo menos foi essa a interpretação do leitor.

Por que a Agência Brasil destacou que a manifestação ‘sem conflito’ era do MST e não de movimentos da sociedade civil organizada conforme cita no texto da reportagem? Por que associar conflito e MST? Essa associação estava presente nos fatos ou no tipo de referencial que a ABr adota em relação às manifestações populares?

Qual o referencial que a Agência Brasil adotou ao destacar o lugar onde o presidente Lula assinou o acordo com a Bolívia, e não o acordo em si, no título da matéria Lula assina em reduto eleitoral de Evo Morales acordo para construção de rodovia? Por que o fato político do presidente Evo Morales estar em campanha eleitoral deve prevalecer sobre o fato diplomático de cooperação internacional entre o Brasil e a Bolívia? Qual dos dois fatos interessa mais ao público brasileiro? Quais os interesses nacionais que estão jogo?

O fato do presidente Evo Morales encontrar-se em campanha para reeleição é uma informação importante para o leitor saber em que contexto político foi assinado o acordo e mereceria ou uma matéria específica tratando do tema, ou um parágrafo dentro da matéria sobre o acordo, mas não como o lead da notícia. Ao colocar os dois assuntos: acordo bilateral e campanha política, em uma única matéria , dando destaque a esta última, a ABr não teria inferido a existência de um vinculo político local para o encontro entre os dois presidentes? A reportagem apurou a existência desse vínculo e a confirmou ou simplesmente deduziu por conta própria?

Ao destacar que o presidente Lula esteve no reduto eleitoral do colega a ABr não dá a entender ao leitor que o objetivo da viagem do presidente foi participar da campanha política no país vizinho? Qual o referencial que a agência adota em relação à política latino-americana para noticiar o fato dessa maneira? A construção de uma rodovia que proporcione uma saída do Brasil para o Pacífico não é um fato relevante o suficiente? Em que medida esse acordo pode alterar a situação geopolítica da região?

A construção de referenciais baseados em princípios e objetivos da comunicação pública poderia evitar que certos assuntos fossem tratados da maneira como foram. Esses referenciais geralmente fazem parte de planos editoriais e manuais de redação que podem ajudar a prevenir certos problemas que eventualmente venham a comprometer a credibilidade do veículo de comunicação e de seus profissionais. Na ausência desses instrumentos editoriais as redações podem se nortear por referenciais alheios à comunicação pública cedendo à hegemonia da agenda de grupos dominantes e de sua visão preconceituosa sobre determinados assuntos – pelo menos é esse o entendimento de alguns leitores.

Nas próximas três semanas o ouvidor estará de férias. Voltaremos com nossas colunas semanais a partir do dia 2 de outubro.

Até lá.’