Friday, 29 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1281

Pausa na baixaria

Os principais diários do país, aqueles considerados de circulação nacional, voltam à velha rotina de cobrir a campanha eleitoral à base de declarações especialmente selecionadas. Ou seja, a imprensa tradicional brasileira segue sendo pautada pelos marqueteiros de campanha, embora pareça que a campanha de verdade para o segundo turno ainda não tenha esquentado.


Explica-se: enquanto não se define para que lado vai a senadora Marina Silva e seu Partido Verde, qualquer movimento mais agressivo pode significar a perda de votos.


A senadora acreana continua agindo como a evangelizadora em casa de tolerância. Segundo os jornais, ela chegou a ironizar a ânsia de alguns de seus correligionários por ministérios, na negociação iniciada por uma oferta de cinco bons empregos pelo candidato do PSDB, José Serra. Para o nível de alguns dirigentes do Partido Verde, brincou Marina, basta pensar num conselho de estatal que já estaria bom.


Segundo plano


Como se vê, é bem provável que a candidata opte por uma direção, ou por se manter neutra e calada, enquanto seu partido se divide como sempre esteve, optando por se manter agarrado a cargos tanto federais como estaduais.


Com exceção de Marina, de seu candidato a vice, o empresário Guilherme Leal, do ex-candidato a senador Ricardo Young e mais uns dois ou três figurantes, não se distinguem no palco verde protagonistas capazes de personificar a reserva moral identificada na candidatura que provocou o segundo turno. Portanto, muito provavelmente a própria imprensa vai esquecer os temas que a candidatura da senadora agregou à campanha.


Marina Silva já sonhou mediar uma convergência entre partidos de esquerda e centro-esquerda, composta por um núcleo de petistas e tucanos, com parcelas do PMDB e de partidos menores, capaz de ressuscitar a aliança que conduziu o processo de redemocratização, com um programa de desenvolvimento sustentável como meta principal. Mas essa idéia não passou de um delírio. A imprensa não lhe deu a menor atenção e o personalismo das lideranças partidárias, de qualquer maneira, não permitiria que a proposta avançasse.


Nos próximos dias, o discurso ambientalista volta ao segundo plano e a campanha cai de novo na baixaria. Com a ponderável contribuição da imprensa.


Fatos, factóides e versões


Enquanto os partidos reorganizam seus discursos, a imprensa engajada faz sua parte. Até a falta de acontecimento pode virar notícia.


O lançamento do livro do jornalista Merval Pereira, marcado para sábado (9/10), na Livraria Cultura, em São Paulo, é um evento cultural, jornalístico, ou parte da campanha eleitoral?


Pereira, colunista do Globo dedicado quase exclusivamente a criticar diariamente o governo Lula, juntou seus artigos em um livro intitulado O Lulismo no Poder, no qual defende a tese predominante na imprensa sobre supostos pendores autoritários do atual chefe do governo.


Lançado na Academia Brasileira de Letras, em 28 de setembro, com ampla cobertura da imprensa, o livro será o ponto de partida para uma palestra do autor seguida de debate com o público, com transmissão ao vivo pela rádio CBN, do grupo Globo.


Até aí, registrado o senso de oportunidade da editora, pode-se especular quanto um evento como esse se confunde com os fatos da campanha eleitoral. Considere-se também a possibilidade de militantes petistas comparecerem em grande número ao evento e temos aí os ingredientes para algo mais do que um debate.


O engajamento da imprensa em uma das candidaturas, oficializado pelo jornal O Estado de S.Paulo e demonstrado diariamente pelos outros grandes veículos de circulação nacional, autoriza todo tipo de especulação em torno do noticiário durante o período eleitoral. Também funciona como um antídoto para o próprio noticiário, de modo que, no clima de desconfiança na imprensa criado pela própria imprensa, prepara-se o terreno até mesmo para mistificações em torno das realizações do governo.


Como a imprensa age claramente como um partido de oposição, extrapolando seu papel de crítica dos poderes, a propaganda governamental acaba por empurrar como verdade absoluta tudo que sai do Planalto.


O trabalho dos marqueteiros completa o quadro. E os eleitores vão às urnas movidos mais por emoção e preconceito do que pela informação.