Friday, 19 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Pauta em dia com seu tempo





A edição do Observatório da Imprensa de
terça-feira (3/5), veiculada pela TV Brasil, marcou uma dupla comemoração: os 13
anos da versão televisiva do Observatório e o Dia Mundial da Liberdade de
Imprensa. Este ano, a data – que é comemorada há duas décadas – será dedicada à
batalha das mídias digitais contra os sistemas políticos opressores. Para
celebrar as efemérides, o programa preparou uma coletânea de depoimentos de
grandes nomes do jornalismo exibidos ao longo da trajetória deste
Observatório. Ao todo, foram mostrados trechos de 25 entrevistas sobre
temas que


permearam as discussões promovidas pelo OI na TV desde 1998,
como sensacionalismo, regulação da mídia, ética e censura.

No editorial que abriu o programa, Alberto Dines relembrou a história do
projeto: ‘Fomos ao ar em rede nacional, ao vivo, em 5 de maio de 1998 na antiga
TV Educativa, hoje TV Brasil. E, por coincidência, também começamos como uma
mídia digital: dois anos antes, em 1996, o Observatório da Imprensa era
um site na recém lançada internet brasileira, mas o primeiro dedicado
exclusivamente ao acompanhamento da mídia’. Dines sublinhou que, passados quinze
anos, o site conta com mais de 60 mil seguidores pelo Twitter, a versão
televisiva é acompanhada semanalmente em todo o Brasil e, em 2005, o
Observatório chegou ao sistema público de rádio com a veiculação um
boletim diário.


A formação dos jornalistas no Brasil foi tema de algumas entrevistas
selecionadas para este programa especial. Millôr Fernandes, em depoimento
gravado em 1998, criticou a exigência do diploma em Jornalismo para o exercício
da profissão. O desenhista e escritor destacou que não é contra a
obrigatoriedade do diploma, mas disse que esta norma acabou por ‘bitolar’ a
imprensa porque exclui das redações talentos que não passaram por uma faculdade
de Jornalismo. Para o jornalista Ricardo Kotscho, no Brasil há profissionais
éticos, preparados e comprometidos com o trabalho, enquanto outros ‘não sabem
nem o que perguntar’ a um ministro ou especialista em determinado tema em uma
entrevista coletiva. ‘Assim como os políticos têm que conhecer bem o Brasil e
dominar os assuntos, os jornalistas também’, comparou Kotscho, em 2004. Os
jornalistas, na avaliação de Kotscho, têm que estar em constante
aprimoramento.


Muita informação, pouca qualidade


Na primeira edição do Observatório na TV, exibida em 5/5/1998, o
jornalista Antônio Britto avaliou a imprensa como ‘irregular’ e criticou a
‘falta de uma maior precisão’ nas informações divulgadas. ‘Cada época traz os
seus ganhos, os seus prejuízos. Honestamente, eu não me atreveria a dizer que a
imprensa hoje é pior. Acho que não. Tecnologicamente ela é melhor,
operacionalmente ela é melhor, mas ela se ampliou tanto, tem tanto veículo a
mais, tem tanto jornalista, tem tanta faculdade, que nós estamos pagando um
preço por esta quantidade. E quem está pagando o preço é o cidadão que está
recebendo muita informação nascida ou de uma imprecisão por falta de preparo ou
de uma intencional imprecisão decorrente do fato de que as pessoas se põem a
olhar a realidade já com um prejulgamento partidário ou de outra ordem’, avaliou
Britto.


Naquele mesmo ano, o jornalista Mino Carta destacou que o que torna a
profissão ‘radiosa’ e confere sentido à atuação da imprensa é o enfrentamento
das ‘prepotências da elite’. E os instrumentos para esta batalha são a
fiscalização do poder, o exercício do espírito crítico e o apego à verdade dos
fatos. ‘Você perde normalmente a batalha e você perde empregos’, afirmou o
jornalista.


Os problemas estruturais da comunicação no país foram tema de diversos
programas ao longo das 590 edições televisivas do Observatório. Há três
anos, o jornalista Ancelmo Gois traçou um panorama das principais ‘mazelas’ da
mídia do interior do Brasil: a dependência dos pequenos jornais em relação aos
políticos locais e o crescimento das rádios evangélicas.


O jornalista e ex-senador Artur da Távola, em 2000, analisou o poder da mídia
no Brasil pós-redemocratização. ‘Há uma tensão de dois opostos. De um lado, a
mídia com o poder que passou a ter e, de outro lado, como é o uso deste poder,
as finalidades éticas deste poder. Como ele é exercido na premência do
corre-corre do noticiário, que é tão verdadeiro, na superficialidade da apuração
e sobretudo no fenômeno que vem sendo muito comum: a união perversa entre a
suspeita, a condenação e o linchamento’, avaliou. Este é um ‘jogo diabólico’ que
exige uma profunda avaliação dos fatos. Em 2002, o jornalista Luís Nassif
afirmou que, em coberturas de crimes, o leitor ‘quer sangue’, mas sublinhou que
o jornal não deve ceder ao clamor das ruas sob a pena de deixar de ser um
‘instrumento civilizador’.


Censura pelo mundo


Ao longo desses 13 anos, o Observatório na TV entrevistou diversas
personalidades do jornalismo internacional e, para esta edição especial,
selecionou dois depoimentos sobre uma questão universal da mídia: a censura e a
autocensura. André Cañizalles, integrante do Centro de Investigação da
Comunicação da Venezuela, disse, em 2009, que os setores que sustentam o governo
de Hugo Chávez promovem um jornalismo oficial ‘complacente’ com o poder. ‘Quando
se fazem entrevistas coletivas na Venezuela, os ministros não convocam toda a
imprensa, só convocam a imprensa oficial porque esta imprensa não vai fazer
perguntas difíceis aos ministros’, criticou Cañizalles.


Juan Luís Cebrián, CEO do Grupo Prisa, que edita o jornal espanhol El
País
, avaliou, em 2010, que a censura na sociedade digital se faz cada vez
mais difícil. ‘O que hoje não se publica por um, é publicado amanhã por outro
qualquer na rede’, constatou Cebrián. Mesmo em sociedades de regimes políticos
austeros, como Cuba e China, onde há barreiras para a livre circulação de idéias
na internet, é possível chegar a acordos e avançar. Outro problema que preocupa
Cebrián é a autocensura de jornalistas. Muitos têm receio em abordar
determinados temas que possam prejudicar as empresas onde trabalham e, assim,
acabam afetando a qualidade do noticiário. Uma ‘doença’ da imprensa, na visão do
jornalista.


Debates em torno da presença de baixaria, futilidades e sensacionalismo na
mídia estiveram presentes na trajetória do programa, sobretudo em 1998, ano em
que a mídia dedicou um amplo espaço ao nascimento de Sacha, filha da
apresentadora de televisão Xuxa. Naquele ano, João Roberto Marinho,
vice-presidente das Organizações Globo, defendeu o espaço do ‘jornalismo de
abobrinhas’ nos meios de comunicação de massa: ‘O importante é que nós
coloquemos à disposição dos telespectadores os dois tipos de jornalismo, desde
que feitos com qualidade, dentro de princípios éticos’. João Roberto admitiu que
a empresa comete ‘deslizes’ em busca de audiência, mas ponderou que este
processo é natural dentro de um mercado competitivo. O jornalista Armando
Nogueira destacou que o jornalismo pode oferecer ao público o tipo de informação
que este ‘deseja’, no entanto também tem a obrigação de mostrar aos leitores e
telespectadores as notícias que ‘devem’ saber.


Interesse público


‘A vida em si é superficial e a imprensa não é outra coisa se não a repetição
e o reflexo [deste fenômeno] porque quem exerce o jornalismo e o telejornalismo
são pessoas humanas, que convivem com as outras. Evidentemente, nós tendemos
muito, pela prerrogativa de exercermos um trabalho tão delicado e tão nobre, a
ter o ‘rei na barriga’’, avaliou Armando Nogueira. O jornalista ponderou que a
vida é composta por ‘abobrinhas’ e assuntos mais profundos. A mesma opinião foi
compartilhada por Roberto Civita, presidente do Grupo Abril. Na avaliação de
Civita, o jornalismo não pode enfocar apenas temas como Política e Economia.
‘Nós não estamos fazendo jornalismo para nós mesmos nem para um pequeno círculo
de iniciados. Estamos fazendo para o maior púbico possível’, disse Civita.
Crime, sangue, escândalos e corrupção, em geral despertam interesse maior do que
assuntos políticos, por exemplo.


O jornalista Evandro Carlos de Andrade, então diretor da Central Globo de
Jornalismo, ponderou que a emissora não busca escândalos, nem promove o
sensacionalismo quando se trata de jornalismo investigativo. Para Evandro,
jornalismo é ‘somatório’ e abarca tudo o que desperte interesse. ‘A Folha de
S.Paulo
, que é uma espécie de catedral do farisaísmo e da hipocrisia no
Brasil, fez uma pesquisa uma vez que perguntava assim ao público: ‘Você come
biscoitos recheados inteiros ou divididos ao meio?’ Tem outra [pergunta] assim:
‘Qual a freqüência com que você lava o umbigo?’. ‘Você prefere que a folha de
papel higiênico saia por baixo ou por cima do rolo?’. E uma muito boa: ‘Você já
roeu as unhas dos pés alguma vez?’ Eu não sei por que a Folha estava com
este interesse, mas eu acho que isso tudo tem cabimento’, ironizou. Para
Evandro, se o leitor ‘espremer’ um jornal todos os dias verá o que sobrou de
efetivo interesse público não chega a 10%. O restante é ‘abobrinha’.


A concentração dos meios de comunicação foi tema de diversas entrevistas
neste programa de aniversário. Na avaliação feita pela jornalista Miriam Leitão
em 2007, o leitor fiscaliza a imprensa e decide trocar de produto quando este
não se encaixa no seu perfil ou deixa de atender às suas necessidades. ‘Tem esse
senhor soberano que é o leitor, o ouvinte, o telespectador. Ele tem muito poder
de decisão’, destacou Miriam. Dois anos depois, o jornalista William Bonner,
apresentador e editor-chefe do Jornal Nacional, da TV Globo, comentou a
presença massiva da emissora e lembrou uma imagem que costuma atribuir ao
JN quando este telejornal foi lançado, em 1969: ‘Eu imagino uma casa e
nesta casa tem uma única janela. Essa janela era o Jornal Nacional.
Aquele era o seu ponto de contato, no final dos anos 1960, com o mundo. Com os
domínios que ultrapassam o limite geográfico da rua onde você mora. Em 2009,
quarenta anos depois, quantas janelas a gente têm em casa? Então, dizer que ‘se
o Jornal Nacional não deu é como se não tivesse acontecido’ hoje não é
uma verdade como pode ter sido nos anos 1970′. Nessas quatro décadas, a
consolidação de outras emissoras de TV e o vertiginoso crescimento da internet
alteraram o panorama, na avaliação de Bonner. E a mudança é positiva para a
pluralidade da informação.


O jornal em papel tem futuro?


Em 2007, logo após o fim da edição em papel do Jornal do Brasil, o
então ministro da Secretaria de Comunicação Social da Presidência da República,
Franklin Martins, constatou que o processo de digitalização e a internet abrem
possibilidades para uma maior pluralidade da mídia brasileira. Atualmente, cerca
de 65% dos custos de um jornal são dedicados à compra do papel, à estrutura de
circulação e à administração dessas duas etapas de produção. ‘O coração do
negócio central da imprensa, que é a redação, é responsável, mais ou menos, por
um terço do jornal. Talvez os jornais sobrevivam como um jornal em papel ao lado
de uma edição eletrônica, mas a tendência, no longo prazo, é de se caminhar para
o jornal eletrônico. Há um monte de interrogações não respondidas e desafios
como, por exemplo, como se vai fazer um modelo de negócios, já que a maioria das
pessoas que pega notícia na rede não está acostumada a pagar por isso’, afirmou
Martins.