Thursday, 25 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Pedro Doria

‘A surpreendente polêmica norte-americana a respeito do seio exposto de Janet Jackson é bem mais reveladora do governo George W. Bush do que parece à primeira vista. Foi recorde histórico de procura na Internet – no Yahoo!, chegou a representar 20% de todas as buscas feitas na quarta passada – e incitou o espírito censor das redes de TV como há muito não se via. Não é moralismo apenas que move o ímpeto da auto-regulamentação.

A rede CBS, que exibiu o Super Bowl com direito a seio direito grátis, tem no momento todos os motivos para agradar o governo Bush. Há coisa de um ano, o FCC – equivalente à Anatel – mudou suas regras, passando a permitir que as redes de televisão tivessem acesso a até 45% da audiência. O limite anterior era 35%. De presto, Fox e Viacom (a quem pertence CBS, MTV e outras) entraram num frenesi de compra de emissoras de TV aberta país afora para veicular seu sinal.

No momento, está nas mãos do presidente Bush uma lei aprovada pelo Congresso dos EUA que faz um recuo – não traz o limite de volta para 35% mas o coloca em 39%. Isso permitirá que os dois grupos tenham, juntos, controle sobre quase 80% da audiência no país. O jogo, que aí tem quase nada a ver com a parca nudez de Janet Jackson, é de interesses. A Fox de Rupert Murdoch já faz abertamente o discurso político que interessa ao presidente. A CBS está sob pressão, uma sutil chantagem.

E a pressão não é apenas política – do outro lado da equação estão homens, mais de 15 anos, menos de 30. Nos últimos anos, estes desligaram a TV. Até assistem, eventualmente, a canais por assinatura – mas seu tempo, norte-americanos jovens do sexo masculino gastam-no na Internet, nos videogames. O Super Bowl, incluindo aí o acidente da irmã de Michael Jackson, foi costurado para trazer de volta este público de poder de consumo nada irrelevante.

Para agradar a Casa Branca, a CBS recusou-se a levar ao ar um comercial da ONG Move On contra o governo Bush. Alegou-o controverso demais, embora outros comerciais que veiculou pudessem ser considerados igualmente controversos. Não sairia barato – 2,3 milhões de dólares por 30 segundos – mas a ONG tinha como pagar. Na final do campeonato de futebol americano, 40% dos aparelhos de TV estão ligados no mesmo canal – a maior audiência do país.

E é por isso mesmo que há limites para a quantidade de pessoas que uma rede de TV pode alcançar. Evita que poucos patrões tenham poder demais sobre a informação disponível. Evita também que, num esquema de troca-troca de favores, o governo tenha acesso facilitado à máquina de produzir percepções.

A solução para limpar a cara foi, durante a exibição da cerimônia de distribuição do prêmio Grammy, domingo último, impor à transmissão um pequeno atraso. Os 15 segundos de diferença entre o evento e o que chegava às casas das pessoas serviu, por exemplo, para que um editor borrasse o decote (inofensivo) da cantora teen-pop Cristina Aguillera.

E a questão fundamental é que encontrou-se uma desculpa para a censura prévia. Auto-censura, é verdade – mas prévia. E daí vem o Oscar. Não será exibido pela CBS, mas pela ABC. A emissora já anunciou que também imporá uns segundos de atraso à transmissão, embora não tenha deixado claro o porquê. Ao contrário dos prêmios de música, o troféu máximo de Hollywood não tem tradição de ousadias no campo sexual. O mesmo não pode ser dito de política: o Oscar sempre foi profundamente político. Há um ano, Michael Moore fez uso do palco para discursar contra Bush. Então, se seios expostos não são esperados, que poderia motivar o ímpeto censor da ABC?

A Constituição dos EUA é um primor da história democrática moderna, folha única, frente e verso, um preâmbulo mais sete artigos – só. Poucos norte-americanos conhecem todos estes artigos, apesar de sucintos e claros. Mas todos conhecem e se orgulham da primeira emenda à Constituição, feita no mesmo momento em que a carta magna era assinada. Foi idéia de Thomas Jefferson: se ficasse como primeira emenda ao documento original, a referência seria mais forte. Assim foi. O Congresso não fará lei para evitar a liberdade de expressão ou da imprensa; ou o direito das pessoas de se reunirem pacificamente ou de cobrarem do governo. Em 1791, era política radical. E ainda é hoje em dia.

Ao berrar contra o mamilo direito contornado por uma estrela de metal no intervalo do Super Bowl, o governo Bush agrada um naco conservador de seu eleitorado. Faz mais que isso: encosta uma faca no pescoço dos altos executivos da Viacom em particular, de todas as TVs em geral. Oferece com uma assinatura do presidente mais poder e dinheiro; mas cobra apoio em troca. A questão do seio, portanto, não é nada. É só discurso, polêmica de nada, circo ao povo no momento de sua exibição como no momento de sua condenação. Mas ele representa a instituição da censura, do anúncio da Move On aos discursos do Oscar. (Ninguém na Casa Branca quer imaginar aquilo que Sean Penn pode dizer com a merecida estatueta de melhor ator nas mãos.)

A democracia norte-americana foi abalada em 2000 quando a Suprema Corte decidiu que de fato a Flórida carecia de recontagem de votos mas não havia tempo – estabelecendo Bush na Casa Branca. Com o 11 de setembro, as coisas ficaram um pouco piores. Na mesma semana em que todos discutiam o seio da irmã de Michael Jackson, um juiz federal em Iowa concedeu uma liminar ao FBI – polícia federal de lá. Exigia que a Universidade de Drake fornecesse todos os dados disponíveis sobre alunos e funcionários que participaram de um evento público de oposição ao governo. O FBI não diz para que quer as informações. Nos últimos 30 anos, não há história de um juiz obrigando qualquer instituição a informar sobre quem participou de qualquer evento político.

Por acaso, é também do que trata a Primeira Emenda: o direito dos cidadãos de se reunirem quando quiserem sem que o Estado possa interferir. A Primeira Emenda é o pulo do gato que Thomas Jefferson instituiu na Constituição dos EUA; é aquilo que impede ditaduras.’



MICROSOFT FURTADA
Folha de S. Paulo

‘Microsoft é vítima de furto no Windows’, copyright Folha de S. Paulo, 14/02/04

‘A Microsoft, responsável por 90% dos sistemas operacionais instalados em computadores pessoais em todo o mundo, admitiu ontem que uma parte do código-fonte do Windows NT 4.0 e do Windows 2000 estava circulando clandestinamente na internet.

A empresa ignora quando e como ocorreu o vazamento. ‘Estamos investigando o problema e trabalhando com o FBI para rastrear os responsáveis’, disse Tom Pilla, porta-voz da empresa. Desde quinta-feira, endereços de sites com o código-fonte estavam circulando em salas de bate-papo.

O código-fonte é uma espécie de DNA de um sistema operacional, a linguagem de base a partir da qual todas as operações do programa têm seu funcionamento assegurado. É um segredo industrial guardado a sete chaves.

Apenas um número restrito de clientes tem acesso a ele. Entre esses clientes há governos estrangeiros reunidos por meio de um acordo chamado Government Security Program, ou GSP. O Reino Unido foi o último país europeu a aderir a esse acordo, há um ano.

Ao assumir em comunicado que ocorrera vazamento, o fabricante de softwares quis também reduzir os riscos para seus clientes. A parte do código que circulava pela internet equivale a 203 Mbytes, ou a apenas 15% dos arquivos com as informações de base dos dois sistemas.

Mas David Emm, especialista em segurança da McAfee, empresa especializada em combate a vírus, disse que é muito cedo para calcular o impacto do incidente.

O vazamento não permite, por exemplo, que se construa uma versão doméstica ou modificada do Windows. Mas o maior perigo estaria na possibilidade de hackers conseguirem penetrar em computadores equipados com Windows NT ou 2000. A Microsoft afirma, no entanto, que o risco inexiste em razão da parcela pequena do software que caiu no conhecimento público.

Segundo o diretor da McAfee, ‘um ladrão não precisaria ter a planta inteira de uma casa para roubá-la: basta saber qual a janela que não tem alarme’.

O jornal britânico ‘The Guardian’ diz que a questão não se esgota nos bloqueios que impediriam que hackers furtassem informações ou contaminassem os computadores com novos vírus. O problema criado, diz o jornal, está em expor uma parte do segredo industrial da Microsoft a seus concorrentes.

A empresa termina com o episódio uma semana de intensas preocupações.

Mesmo que a boa notícia tenha sido a assinatura de um contrato com os estúdios Disney para o estudo de codificação que impeça cópias piratas de seus filmes, a primeira das más notícias foi a admissão de que uma das mais recentes edições do Windows, o XP, estava com problemas sérios de segurança.

Esses problemas haviam sido assinalados seis meses atrás por consultores independentes. Para o XP a empresa tornou disponível nesta semana um endereço do qual os usuários podem baixar um ‘remendo’. Esses remendos são habituais entre os fornecedores de softwares. A própria Microsoft distribuiu alguns em 2003.

O incidente agora constatado equivale em gravidade ao que ocorreu em 2000, quando o que vazou foi o próprio XP, antes de sua comercialização.

‘Precisamos ficar atentos para qualquer aumento inabitual do fluxo de tráfego’, disse à BBC Tarek Meliti, diretor técnico do provedor TDM. Com agências internacionais’



FRANÇA
Deborah Berlinck

‘Diretor de TV francesa se demite após transmissão de notícia errada’, copyright O Globo, 11/02/04

‘Um erro jornalístico provocou uma crise sem precedentes numa das principais redes de televisão da França, a France 2. Ontem, o principal apresentador e toda a equipe do jornal das 20h foram suspensos por duas semanas. Além disso, o diretor-geral de informação da emissora, Olivier Mazerolle, pediu demissão. Motivo: o âncora David Pujadas anunciou na quarta-feira a retirada progressiva do ex-primeiro-ministro Alain Juppé da vida política, quase ao mesmo tempo em que este revelava o contrário, ao vivo, no jornal da rede concorrente, a TF1.

Nesse dia o país parou diante da televisão para ouvir Juppé anunciar sua decisão. Ele acabara de ser condenado em primeira instância por um tribunal a ficar dez anos sem poder ocupar cargos públicos por financiamento ilegal de um partido. Isso provocou uma enorme crise política. Primeiro porque foram levantadas suspeitas de que o presidente Jacques Chirac também estaria por trás do esquema de financiamento ilegal liderado por Juppé. Segundo porque o ex-primeiro-ministro preside o grupo político de direita que sustenta o governo de Jacques Chirac, o UMP, e é o principal aliado do presidente.

Com a aprovação do diretor Mazerolle, Pujadas abriu o noticiário anunciando a retirada de Juppé da vida política e manteve a versão até o final, apostando numa informação confidencial de um aliado de Juppé. O erro custou caro: no dia seguinte o apresentador teve que pedir desculpas aos telespectadores. Mas o caso deflagrou revolta na redação: 67,4% dos jornalistas votaram uma moção contra a direção, o que levou o diretor-geral Mazerolle, de 61 anos, a pedir demissão. Por trás da crise na France 2 está uma briga por audiência. Ontem, o jornal ‘Le Monde’ publicou um artigo em que diz que o telejornal apresentado por Pujadas não avançava em matéria de audiência. Em três anos, ele só conseguiu aumentar a audiência da France 2 em 1% face à TF1, sua grande rival.’



Folha de S. Paulo

‘Falsa notícia derruba chefe de TV francesa’, copyright Folha de S. Paulo, 12/02/04

‘Olivier Mazerolle, diretor de jornalismo da France 2, emissora pública da televisão francesa, pediu ontem demissão, depois que 242 de seus 333 subordinados votaram uma ‘moção de desconfiança’ sobre seu desempenho.

Mazerolle levou a emissora a cometer um erro de informação pelo qual os jornalistas dizem ter sofrido prejuízo de credibilidade.

Na terça-feira da semana passada, o telejornal noturno de maior audiência, o ‘20 Heures’, informou que o líder do partido do presidente Jacques Chirac, Alain Juppé, abandonaria a política depois de ter sido condenado em primeira instância por contratação fraudulenta de funcionários para a máquina partidária.

Mas Juppé, que já foi primeiro-ministro, é deputado e também prefeito de Bordeaux, deu, na mesma terça-feira, às 20h, uma entrevista à TF-1, emissora de TV privada e concorrente, em que anunciou que não renunciaria até o julgamento de recurso judicial.

Além da queda de Mazerolle, o episódio levou ontem à suspensão por duas semanas do âncora do ‘20 Heures’, David Pujadas, e de dois de seus adjuntos.

O pedido de Mazerolle foi aceito por Marc Tessier, presidente da France Télévisions, que controla os canais públicos de TV.

Tessier foi ontem convocado para dar explicações ao Conselho Superior do Audiovisual, agência reguladora das telecomunicações na França. Segundo o jornal ‘Libération’, o conselho pretende interpelá-lo sobre a ‘honestidade das informações’ levadas ao ar, o que faz parte dos compromissos contratuais que sua emissora deve cumprir.

Até o início dos anos 80, o rádio e a TV eram monopólio do Estado na França. Parte da rede foi privatizada, e a legislação permitiu a criação de empresas privadas e de entidades comunitárias para gerir canais de televisão e rádio.

As emissoras públicas são em grande parte mantidas pela ‘redevance’, imposto anualmente cobrado dos proprietários de aparelhos de rádio e televisão.

Greve na Radio France

A crise na France 2 coincidia ontem com o 16º dia de greve dos jornalistas da Radio France, empresa que controla as estações públicas de rádio da França. Os grevistas pedem a aplicação de um dispositivo de seu contrato coletivo que equipararia seus salários aos que são pagos pelos canais públicos de televisão.

Mas o presidente da Radio France, Jean-Marie Cavada, e o ministério de tutela, o de Cultura e Comunicação, argumentam que não têm como arcar com uma folha de pagamentos maior em razão dos cortes orçamentários que o governo determinou para conter o atual déficit fiscal.

A Radio France tem uma audiência constante de 15 milhões de ouvintes -ou um quarto da população francesa. Algumas de suas emissoras, como a France Culture e a France Musiques, acumulam prêmios europeus por programação de qualidade.

Em sua edição de ontem, o ‘Le Monde’ publica texto assinado por três sindicalistas da rádio em que eles afirmam que fazer greve não faz parte da cultura interna de suas redações e que exigem apenas a aplicação de um princípio trabalhista com o qual o governo já havia concordado.

Anteontem, a RFI (Radio France International), emissora pública com transmissões para países estrangeiros, também entrou em greve -em razão do que seu presidente classificou de ‘simples efeito de contágio’.

Também estão em greve desde 28 de janeiro último os funcionários da emissora de rádio da RFO da ilha de Guadalupe, no Caribe, um Departamento de Ultramar da França. Eles protestam contra a importação de produções, que julgam excessiva, e contra a ênfase dada ao entretenimento, não aos programas culturais. Com agências internacionais’