Tuesday, 16 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1283

Pequeno retrato da corrupção

Os jornais do fim de semana e da segunda-feira (10/10) trazem sequências de reportagens que desvendam um cenário muito inquietante sobre a infiltração do crime organizado nas instituições públicas brasileiras.

Apanhando-se qualquer um dos grandes jornais, aleatoriamente, e rastreando-se com critério as notícias, publicadas em conjunto ou de maneira esparsa, o retrato que se tem é o de um amplo e consolidado processo de ocupação dos poderes, em todas as instâncias, por grupos que desviam recursos públicos para negócios particulares.

A cobertura esporádica e fragmentada da imprensa não treina o senso de observação do leitor, e conduz à idéia de que o crime organizado é apenas aquele que envolve grandes operações, com volumes atordoantes de dinheiro e manobras mirabolantes para dissimular os desvios. Ou que a corrupção está restrita ao pagamento dos financiamentos de campanha eleitoral.

Mas, na realidade, a atividade criminosa está entranhada no próprio sistema, de modo que se torna impossível a detecção e investigação de todas as ocorrências pelos métodos tradicionais. Além disso, como até mesmo o Judiciário tem sido acusado de acrescentar, à ineficiência e morosidade, a baixa capacidade de punir seus integrantes, a conclusão de tanta leitura é que o Brasil precisa de uma reforma institucional ampla e profunda.

Caça-níqueis

Os partidos políticos se transformaram em balcão de negócios. Mais do que uma frase de efeito quase inócuo, essa afirmação, que vem sendo repetida por alguns parlamentares, retrata uma realidade tão plena que já não surpreende ou escandaliza ninguém.

No final do ano passado, o deputado federal Fernando Chiarelli (PDT-SP) procurou a imprensa para denunciar que um desses negócios, comandado pelo notório presidente do Partido da República, Valdemar Costa Neto, era financiado pela máfia da jogatina.

Com apoio de representantes de praticamente todos os partidos, Costa Neto conduzia diligentemente pelos meandros do Congresso o projeto número 2944, propondo a legalização do jogo, inclusive com caça-níqueis. Na época, o deputado Chiarelli declarou que muitos parlamentares estavam recebendo dinheiro para votar a favor desse projeto.

Afora textos esparsos, nenhum jornal investiu nessa pauta.

Instituições de Terceiro Mundo

O que há de diferente na imprensa neste fim de semana é que, após o ruidoso embate entre o presidente do Supremo Tribunal Federal, ministro Cezar Peluso, e a corregedora nacional da Justiça, ministra Eliana Calmon, fica mais claro entender como a ineficiência da Justiça contribui para a proliferação da corrupção.

Uma sequência de reportagens sobre desvios de conduta de deputados estaduais, prefeitos e autoridades policiais revela que o mal está por toda parte, como elemento dos processos políticos e administrativos do Estado, em todas as instâncias.

O escândalo detonado pelo deputado paulista Roque Barbiere, ao denunciar o pagamento de propinas pela aprovação de emendas na Assembléia Legislativa de São Paulo, é apenas parte desse roteiro.

A leitura de apenas um jornal dá uma idéia da extensão do problema. O Globo, por exemplo, publicou no sábado (8/10), na sequência de uma reportagem sobre a expansão do PSD, partido criado pelo prefeito de São Paulo Gilberto Kassab, entrevistas de especialistas nas quais se afirma que a proliferação de siglas facilita e estimula as barganhas na política.

No mesmo dia, a manchete do jornal carioca era sobre a operação da Polícia Federal que desarticulou uma quadrilha que lavava dinheiro da máfia dos caça-níqueis com a legalização de carros contrabandeados.

O jornal esqueceu de fazer a relação, mas é clara a hipótese de que os chefes dessa quadrilha sejam os financiadores dos parlamentares que defendem a legalização da jogatina.

No domingo (9/10), o Globo trouxe como manchete as medidas do novo comandante da Polícia Militar do Rio na tentativa de estabelecer algum controle sobre a chamada “banda podre” da corporação, envolvida em crimes que vão desde a formação de milícias que exploram as populações pobres até o assassinato da juíza Patrícia Acioli, ocorrido em 11 de agosto.

Além disso, o jornal informava que os cinco tribunais superiores possuem 1211 seguranças para garantir o bem-estar de seus ministros em Brasília, número maior do que o total de policiais federais encarregados de vigiar 15 mil km de fronteiras brasileiras.

Finalmente, na segunda-feira (10), o Globo informa que a descoberta de fraudes já custou a cassação de mandatos de 274 prefeitos – quase 5% dos que foram eleitos em 2008 em todo o país.

O levantamento é parcial e se refere a apenas um dos grandes jornais e a um noticiário desarticulado, que não faz referências cruzadas nem remissões. Mas pode-se, por aí, ter uma idéia do longo caminho que ainda precisamos percorrer até a proclamação de uma verdadeira República no Brasil.

O noticiário dá conta de que o Brasil encontrou finalmente o caminho do desenvolvimento econômico. Mas, em termos institucionais, ainda somos um país do Terceiro Mundo.

 

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