Wednesday, 24 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Perplexidade diante de tantas escolhas

Por muitos anos tivemos em cena o jornalismo rural – aquele que se aprendia na faculdade, que noticiava/ensinava ao agricultor uma nova técnica agrícola ou a fazer torta de abóbora na safra. Mas, no geral, esse tipo de jornalismo não se posicionou muito em relação a temas agrários polêmicos, tais como reforma agrária, por exemplo, principalmente em tempos bicudos de ditadura militar. Mas, em tempos de tantas decisões delicadas na área ambiental, como noticiar meio ambiente ou ‘sustentabilidade’?

Acredito que nunca foi tão complicado cobrir a área de meio ambiente nas redações de jornais, revistas, rádios e TV. Não exatamente pela imensa quantidade de matérias a serem escritas, mas pela inexorável dificuldade de se posicionar a respeito. Na era das redes sociais, ao contrário, blogs de ambientalistas têm imensa facilidade em lidar com isso tudo, na ausência da censura. Expõem seus pontos de vista sobre qualquer tema, e está feito. Não têm satisfações a dar a não ser para suas próprias consciências e seus seguidores. Já os jornais de prestígio, as rádios, as TVs…

O motivo maior dessa dificuldade se deve ao fato de que tratar da construção ou não de Belo Monte, defender ou não mudanças no Código Florestal, por exemplo, impõe tomar partido. E esse partido a ser tomado atinge a visão histórica de desenvolvimento do Brasil que eventualmente se tenha, a escolha ou não do apoio ao modelo desenvolvimentista em curso no país desde os anos 1950 (e agora do neo-desenvolvimentismo), a escolha de uma visão política ou outra e a escolha de um modelo energético possível. E isso é muito complicado para a grande mídia. Não é por acaso que o que tem sido noticiado sobre a temática não raramente aparece na editoria de Economia ou de Política, e não em Geral/Cidades, como antes, pois requer cuidados adicionais. Em alguns jornais aparece nas páginas dos editoriais, pois envolve a visão da própria empresa jornalística sobre o tema. Caímos na Teoria Organizacional do Jornalismo. Aquela que trata dos vínculos da empresa jornalística com o mercado e suas relações institucionais.

Como fica o leitor/espectador?

Um exemplo? Recentemente, quando chamaram um link para Brasília no Jornal da Globo e vimos na tela Heraldo Pereira – o assunto era o pito da OEA quanto a Belo Monte. Heraldo, já no lead, disse aos telespectadores que o Brasil ‘precisava’ de hidrelétricas como Belo Monte e que a OEA pouco representava no rol das coisas, minimizando a ação do órgão. A questão é… Quem disse? Essa era a opinião pessoal dele, da emissora onde ele trabalha, da presidência da República, do povo brasileiro, do Congresso Nacional ou do Greenpeace, para citar apenas uma entidade ambientalista? Ficou pouco clara tal ingerência do jornalista no nível do jornalismo opinativo e em relação aos fatos apresentados. Já Miriam Leitão – colunista – disse com todas as letras recentemente, no Bom Dia Brasil, que Aldo Rebelo, relator das mudanças no Código Florestal, comunista histórico, havia tomado o partido dos ruralistas.

Dizem os manuais de jornalismo usados nas faculdades e nas redações que o jornalista deve ser neutro em relação ao noticiário. Ocorre que em temas tão contundentes, polêmicos e incandescentes como modelo de país, construção de novas hidrelétricas e mudanças no Código Florestal, os ânimos se alteram. E o que se vê são defesas de posições político-ideológicas, principalmente no nível do jornalismo opinativo.

O mesmo vem ocorrendo nos partidos. Será que os partidos comunistas vêm consultando as bases quanto a apoiar ruralistas? Não soa estranho que históricos partidos de esquerda apoiem o agronegócio? Afinal, antes eles não apoiavam o MST, por exemplo? Não há contradição nesse novo posicionamento? Quem mudou? O Brasil? O jornalismo? Os partidos políticos? Mudaram os rumos do Brasil, a ética, os valores civis e ambientais? E o leitor/espectador, fica como nisso tudo?

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Jornalista e doutora em Comunicação pela USP