Friday, 29 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1281

Plínio Bortolotti

‘A edição de quinta-feira do jornal O Estado de S. Paulo reproduz um diálogo gravado por dois cinegrafistas de TV, sem que os protagonistas percebessem, na inauguração do comitê do candidato a presidente Geraldo Alckmin, da coligação PSDB-PFL, em Brasília. Eles comentavam a última pesquisa do Instituto Datafolha, mostrando que Heloísa Helena, candidata a presidente pelo Psol, subira de 6% para 10% nas intenções de voto, quando o senador Álvaro Dias opinou: ‘A senadora soube levar mais emoção à TV’, fazendo a sugestão que o Jornal Nacional, noticioso da Rede Globo, fosse transformado em prioridade na campanha de Alckmin. Pelo registro dos cinegrafistas, reproduzido pelo jornal, o presidente do PFL, Jorge Bornhausen (SC), dirigindo-se aos outros políticos disse: ‘É preciso mobilizar para entrar no Jornal Nacional (…) O Álvaro tem razão: nosso objetivo se chama Jornal Nacional. Quem ganhar no Jornal Nacional, ganha a eleição’. Para isso, o comando da campanha planeja ‘produzir notícias diárias que possam ganhar espaço’ no noticioso global.

Obviamente, os comitês de todas as campanhas devem estar discutindo questões semelhantes: a melhor forma de fazer o seu candidato ‘aparecer’ nos meios de comunicação, especialmente na televisão, presente em 90% dos lares brasileiros. Por isso, os políticos priorizam a TV e, conseqüentemente, devem achar que o jornal impresso e o rádio têm menos poder de influenciar as pessoas.

É certo que o Jornal Nacional é o noticioso de maior audiência, mas será que foi citado por Bornhausen como exemplo genérico de jornal televiso, ou por ser julgado como o único a deter o poder de influenciar os telespectadores? (Aqui há uma questão subsidiária: assistindo-se a todos os jornais na TV, ver-se-á pouca diferença entre eles, tanto na forma como conteúdo; por que o Jornal Nacional continua atraindo a audiência como um ímã?) De um modo ou de outro, o comando da campanha atribui poder desmedido à TV. É forçoso reconhecer a influência dos meios de comunicação, mas erra quem acha que eles podem determinar todos os eventos históricos ou conjunturais. Há exemplos, no Brasil e no mundo, em que a mídia vai para um lado e a maioria das pessoas caminha para o outro.

Por fim, é preciso lembrar que políticos sempre se preocuparam com a imagem, mas a situação chegou ao paroxismo: a forma ganha precedência absoluta sobre o conteúdo. Portanto, ao leitor/espectador, cabe ficar atento aos candidatos para ver se vão abdicar do debate das propostas em favor da ‘teatralização’ da campanha, fabricando factóides (acontecimentos sem importância com o único objetivo de virar notícia), afinando o discurso de acordo com o público ou balbuciando generalidades qualquer que seja a pergunta. Para os meios de comunicação, explicitada a manobra, a responsabilidade aumenta. Os cuidados para não se enredar na teia preparada têm de ser redobrados: se os candidatos apontarem para um lado, será preciso verificar com acuidade o que há no outro. De outro modo: a cobertura das eleições não pode se resumir a acompanhar a agenda dos candidatos.

Folclore

As três primeiras notas da edição de domingo passado da coluna ‘Vale Tudo’, assinada pelo jornalista Alan Neto, abordaram a eleição estadual. Ainda que tratassem de temas aparentemente sem importância, continham falhas de apuração e erros de informação.

Na primeira, o colunista estranha o fato de a agenda dos dois principais adversários ao governo do Ceará, Lúcio Alcântara (PSDB) e Cid Gomes (PSB), coincidirem em várias ocasiões. Para validar sua crítica, ele reproduz um suposto diálogo, que teria havido entre dois habitantes da cidade de Pacujá, onde Cid e Lúcio estiveram na semana passada: ‘Dois candidatos no mesmo dia, na mesma cidade, tem cheiro de marmota’. Perguntei se ele estivera na cidade para registrar o diálogo, reproduzido entre aspas, pondo sob suspeita ambos os políticos. A resposta que obtive do jornalista foi que ‘um dos acompanhantes da comitiva’ lhe passara a história ‘em forma de folclore’.

Afirmando que ‘em campanha está valendo tudo’, na segunda nota, Alan Neto ironiza o candidato Cid Gomes por ele, em atividade de campanha, ter participado de um jogo de bilhar, dando ‘uma tacada que por pouco a bola não foi bater na outra mesa’. Fiz ver que em matéria na edição de 14/7, o repórter que cobria as visitas do candidato ao Interior, registrara o mesmo fato, revelando que Cid marcara ponto no jogo. O colunista também atribuiu ao ‘folclore’ a sua forma de abordagem.

Em seguida, na terceira nota, elogiando o coronel Deladier Feitosa, que ‘tão bem’ comandou a Polícia do Ceará, Alan Neto informa que o militar ‘impôs uma condição’ para ser candidato a deputado federal pelo PSDB, a de ‘usar a farda da PM durante a campanha’. Ocorre que o Estatuto dos Militares proíbe o uso do uniforme militar em ‘manifestações de caráter político-partidário’: observei ser improvável o coronel não conhecer essa lei. Neste caso, o colunista admite o erro e faz a correção na coluna deste domingo.

Alguns podem achar que são detalhes, sem prejuízo maior para os políticos citados. Mas tenho certeza de que os candidatos (ou qualquer pessoa na mesma situação) se sentiram atingidos, vendo-se envolvidos em situações irreais, criadas com o propósito de legitimar críticas ou ‘brincadeiras’, em uma coluna que se propõe informativa. Depois, um ‘detalhe’, dependendo da circunstância, pode ganhar grandes proporções, principalmente em uma campanha política.

Como já escrevi algumas vezes, os colunistas têm o direito de emitir opinião, depois de analisar e interpretar determinado acontecimento. Mas, por óbvio, o fato gerador da opinião tem de ter existido, concretamente; se não em vez de jornalismo, teremos ‘folclore’.’