Friday, 29 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1281

Portugal e Holanda em batalha campal

Vi o jogo entre Portugal e Holanda (domingo, 25/6) ao lado de um português, meu pai. Portugal tem séculos de história entalados na garganta. Vive lamentando seu poderio marítimo perdido muito a contragosto. No domingo, na Arena de Nurenberg, o país resolveu cobrar todos os prejuízos causados pela Holanda.


Tudo começou no hino:




Heróis do mar, nobre povo,


Nação valente, imortal,


Levantai hoje de novo


O esplendor de Portugal!


Ali já era um recado do que viria pela frente. Mas, os ânimos foram mais atiçados após o hino da Holanda, quando este eleva Mauricio de Nassau à categoria de herói nacional. Os portugueses que vivem na Holanda, e são discriminados lá, neste momento fizeram um sinal para Figo, capitão do time: ele deveria comandar também o processo de desforra.


Tudo estava planejado desde o início, mas os holandeses fizeram o favor de danificar o craque da seleção portuguesa de maneira cruel e agressiva logo no primeiro tempo. O fato apressou o inadiável momento de glória e apesar da posse de bola pela Holanda, Maniche com a categoria de um lord, faz um golaço que treme o mundo, habitat natural da portuguesada aventureira que saiu para povoar o planeta. Cristiano Ronaldo teve que sair logo depois e chorou no banco, como um um herói que, seco pela vitória, mas muito mais pela luta, deixa o campo livre para que seus colegas lhe vinguem a ousadia e a maldade de Bronckhorst.


Depois disso, o campo de futebol virou um ringue. Incontáveis foram as vezes em que os médicos de ambas as seleções entraram com gelo e muita massagem de modo a acalmar os ânimos. Mas nada tornava o jogo mais fácil ou mais simples. Não bastava chutar a bola e mirar o gol, antes algum jogador deveria cair em campo com uma cotovelada, uma tesoura ou um safanão.


Compromisso com a realidade


Enquanto isso Galvão Bueno tratava de ‘manter a calma’ do lado de cá e tal como um típico narrador português ‘esquecia-se’ de dizer onde estava a bola. Por isso, enquanto cartões amarelos e vermelhos eram distribuídos a mancheias pelo árbitro russo, Galvão anunciava o quadro dos adolescentes surdos-mudos do Fantástico.


‘Ele é um historiador’, reclamava meu pai. E como muitos historiadores, acabam deixando passar o melhor dos acontecimentos. Mas, aos poucos, descobríamos com nossos próprios olhos que Portugal estava ali para limpar seu nome na história, nem que fosse ao custo de muitas tamancadas nas canelas, é verdade.


Resta saber como será com a Inglaterra. Há muito eles têm do que reclamar dos súditos da rainha. Em 1966, por exemplo, na Copa da Inglaterra, mudou-se o local do jogo de Portugal, o que levou o time a viajar por 24 horas de ônibus. É claro que depois de uma viagem dessas nenhuma equipe seria capaz de vencer. Vejamos, então, o que o ingrediente melancolia lusitana mais Felipão é capaz de fazer do time da camisa encarnada, mesmo que desfalcado pelas expulsões e advertências.


Espero apenas que alguém mais honesto com a realidade que acontece em campo seja escalado para narrar o jogo de Portugal e as adagas voadoras.

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Jornalista, mestre em Comunicação e Cultura (UFRJ) e professora de jornalismo no Rio de Janeiro