Friday, 26 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

Prato cheio para o sensacionalismo

Nos últimos dias, a mídia tem dedicado grande espaço para a cobertura do assassinato da garota Isabella Nardoni, aos cinco anos, em São Paulo. O crime aconteceu no último dia 29, um sábado à noite. Na televisão, a Record foi a principal beneficiada, vide os índices de audiência, pela ampla cobertura que tem dado ao assunto. Cobertura esta sensacionalista e sem respeito aos parentes dos envolvidos.

A emissora da Barra Funda tem dedicado toda a sua manhã para tratar do fato. Os jornalísticos Fala Brasil, SP no Ar e Balanço Geral e o matutino Hoje em Dia parecem não ter outra pauta, ou que nenhum outro fato relevante tenha acontecido no país desde a morte de Isabella.

A apelação, é claro, não é só da parte da Record. A Band com o Brasil Urgente e o SBT, com o finado Aqui Agora, também fizeram das suas. A grande diferença é que Band e SBT abordam/abordavam em um único programa. A Rede TV! é outra que aproveita o crime para aumentar os índices do Bom Dia Mulher, A Tarde É Sua, Notícias das 7 e até mesmo do Superpop.

Todos os canais estão invadindo a privacidade da mãe de Isabella e dos avós paternos da menina. Links montados em frente às residências impedem uma vida normal dessas pessoas. Não há uma razão de se estar lá. Na sexta-feira (11/4), Alexandre (o pai) e Anna Carolina (a madrasta) foram colocados em liberdade. Band, Record e Rede TV! fizeram a festa. A libertação do casal foi tratada como evento, com direito à expectativa para que mais um capítulo da história acontecesse. Em tempos de Big Brother, querendo ou não, Alexandre e a atual esposa viraram celebridade. A ponto de curiosos irem para a porta da delegacia tentar tirar fotos dos principais suspeitos. O máximo que devem ter conseguido fotografar foi uma viatura da polícia abrindo passagem no meio da multidão.

Mais uma vítima

Mas, não foi apenas a TV que exagera na cobertura, em nome de manter o público informado. A cada dia, os periódicos e a Internet ilustram os desmembramentos do caso Isabella como se fosse uma novela, onde reina a expectativa que o assassino seja encontrado. No melhor (?) estilo ‘quem matou Odete Roitman?’. Na semana passada, Veja, Época, Revista da Semana e Isto É deram suas capas para a garota. Raramente, o caso deixa de ganhar a primeira página dos jornais, principalmente os mais populares e de São Paulo, local do crime.

A apelação em nome da informação pode ser constatada às respostas das seguintes perguntas: se a menina morresse em Rio Branco (capital do Acre) haveria toda a comoção nacional? Se Isabella tivesse sido assassinada no interior paulista, numa cidade de difícil acesso, haveria essa espetacularização? Ou, se Isabella fosse uma menina pobre, filha de uma empregada doméstica, por exemplo, e negra, teria espaço na mídia? Claro que não. Isabella ganhou a mídia com sua morte, por que seu pai é advogado, vivia num edifício de classe média e por que era branca.

Por mais cruel que seja, a mídia é preconceituosa e racista. Os últimos casos que envolveram crianças mortas de forma cruéis, todas eram brancas. O japonesinho Ives Otta, o garoto João Hélio e agora, Isabella. A garota (morena) que sofreu tortura em Goiás é uma exceção. Mas, já caiu no esquecimento. Enquanto as TVs insistem em Isabella, quantas crianças não morreram de dengue no Rio e foram tratadas por jornais, telejornais e revistas, como apenas mais uma vítima fatal do mosquito? Quantas crianças não sofreram maus-tratos desde o dia 29 e não foram estampar capas de revistas e jornais? E a qualquer momento, novas informações. Mesmo que sejam irrelevantes.

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Jornalista, Rio de Janeiro, RJ