Friday, 26 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

Precarização nas redações se radicaliza

No atual momento de ápice da descaracterização da profissão de jornalista, o Espaço Cultural Latino Americano, localizado no centro de São Paulo, voltou a abrigar debate promovido pela oposição do Sindicato dos Jornalistas do estado, recebendo experientes profissionais do ramo que, no último dia 23 de agosto, ofereceram novos relatos e constatações a respeito da precarização da profissão.

Após discutirem em junho a onda de demissões que assola o país – e principalmente São Paulo, com cerca de 400 cortes –, os jornalistas Rodrigo Viana, Antonio Biondi e Pedro Alexandre Sanches, além do advogado trabalhista Vinicius Casconi, expuseram algumas realidades das maiores redações do país, mediados pela jornalista Bia Barbosa, do coletivo Intervozes, grupo militante da democratização das comunicações. Como não é difícil supor, se o atual quadro de estabilidade e liberdade nas redações é desalentador, varrendo toda a mídia tradicional, as relações contratuais de trabalho não podem se encontrar em momento muito mais vantajoso para o jornalista.

“Muitas, a maioria, das empresas fazem contratos de PJ (Pessoa Jurídica) com os profissionais de cargos mais altos e que recebem maiores salários, pois assim o empregador tem menos despesas indiretas”, disse Biondi, para quem redações, a exemplo do UOL, que produzem conteúdos multimídia em quantidades industriais, “são salas de engordamento de pessoas, trabalhando até 15 horas, se precisar”.

Próximo da contravenção

Obviamente, os donos da mídia se valem de argumentos econômicos para justificar a vantagem que levam na precarização da relação de trabalho (em outras palavras, o adeus à CLT), o que se reflete, conforme denunciam vastamente os mais diversos estudiosos da comunicação, no próprio conteúdo do veículo em questão, uma vez que a intimidação e submissão ideológica se radicalizam. E assim, o jornal, rádio, site ou emissora reproduzem incessante e quase exclusivamente os valores e interesses de seus donos. “O fato é que, enquanto a esquerda não se resolve, não decide como encarar tais questões, a Folha de S.Paulo diz que o PJ é a solução normal dos tempos atuais e assim a coisa segue”, completou Biondi, atualmente no portal iG. “Existem muitos jornalistas que também são registrados apenas como radialistas, o que diminui seus ganhos, de acordo com a tabela de salários da profissão”, acrescentou Bia Barbosa. “Alguns até como auxiliares-administrativos”, completou Sanches.

Dessa forma, não é difícil notar que acaba sendo criada uma ciranda de vícios e medos que favorece apenas o lado mais forte da corda, isto é, o patronato, cada vez mais unido contra os ventos de regulação social da comunicação e combate aos monopólios midiáticos que ainda tomam conta do país. Em um contexto em que a mídia convencional e dominante se situa praticamente como um partido de oposição, por sua atuação sistemática e vociferações que beiram o patológico contra o PT e sua base aliada, ao mesmo tempo em que se esmera em manter viva a chama do moribundo e “em disputa” PSDB e sua influência nas pautas da direita, é evidente que grupos como Folha, Globo, Estadão, Abril, RBS usem seus (numerosíssimos) instrumentos para lutar por seus interesses políticos e econômicos. E nada mais.

Não à toa, diante do atual momento de desvantagem espacial nos maiores palanques e cabides da República, o tão propalado “pluralismo”, entre outras falácias marqueteiras, fica cada vez mais reduzido e também descaradamente violentado. Folgam exemplos de um jornalismo crescentemente próximo da contravenção, tal como se viu na recente edição da revista Veja desvendando o “inimaginável”: Zé Dirceu vai a Brasília e faz política. Convenhamos que tal revelação não trouxe uma fração da emoção de quando se descortinaram as consultorias pal(a)occianas. Muito menos carecia de invasão domiciliar, falsidade ideológica contra camareiras…

Canibalização das relações de trabalho

“Tenho 18 anos de profissão e, para usar a definição da professora Ivana Bentes (da UFRJ), sempre fiz parte do `precariado´”, contou Pedro Alexandre Sanches, que atualmente está no jornalismo cultural pela revista Caros Amigos e no portal Terra, entre outras contribuições. Pois, como o próprio mencionou, se é pra ser trabalhador precário, ao menos é melhor não ter patrão, o que por outro lado pode significar cargas irracionais de trabalho em free lance – expediente empregatício cada vez mais em voga, por sinal.

E tal como discutido no encontro anterior, os jornalistas presentes constatam uma terrível situação de alienação dos profissionais da área, cada vez mais desconhecedores de seu papel social e incapazes de atuar solidariamente. “O jornalista não tem consciência de classe, é uma das categorias menos sindicalizadas. Muitos profissionais absorvem a ideia do cada um por si, quem faz um discurso coletivo é quase um ET”, falou Rodrigo Viana, ex-repórter da Globo, atualmente da Record News, além de blogueiro e colaborador da Caros Amigos.

Além disso, Viana traz à tona outra amarga questão que atinge diretamente as redações: os valores liberais de mercado, que atualmente regem não somente os negócios e investimentos dos grupos de mídia, como incutem seus próprios princípios de trabalho e individualidade nos recintos jornalísticos. “Até por questão de vaidade, de assinar o próprio nome na matéria, buscar furos, prestígio, o jornalista perde esse sentido de classe, de companheirismo. O quadro liberal é muito hegemônico nas redações”, resumiu Viana.

Dessa forma, urge uma atuação mais ofensiva de toda a categoria, fragmentada em inúmeras divisões e diferenças em suas realidades de trabalho e enfraquecida pelo desmantelamento das lutas sindicais do passado e o completo buraco regulatório da profissão, sem lei alguma para reger a atuação de uma mídia que não expressa todas as vertentes de nossa sociedade. Como agravante, tampouco dispomos de regulação sobre a profissão de jornalista, exposta à crescente canibalização de suas relações de trabalho e cada vez mais à mercê das imposições e ameaças do mercado.

Valores e interesses

“São vários exemplos de redações muito precarizadas. Na mídia grande, quase todas, na verdade. Por exemplo, o portal do MSN terceiriza praticamente toda a redação, o caderno iPad do Estadão é todo produzido por free lancers, os fotógrafos em geral estão muito precarizados… E essa tendência vai aumentando”, alerta Biondi. “É preciso acertar uma série de coisas. Hoje, o jornalista que trabalha para um veículo multimídia – ou seja, que tem site, TV, rádio, impresso – faz uma matéria, digamos, para o jornal, mas aproveita e prepara um áudio também, além de colocar em mais um ou dois canais midiáticos de determinado grupo aquela mesma matéria. O cara é vinculado a somente um veículo de mídia, mas acaba fazendo matéria que sai em três ou quatro que pertencem ao mesmo grupo empresarial”, completa, de modo a evidenciar que tal amplificação do trabalho não se estende ao salário.

Contra essa série de lacunas, que têm violentado e desestimulado a profissão, além de permitir seu uso para atender a interesses escusos ou anti-sociais, os chamados barões da imprensa já estão alinhados, combatendo toda e qualquer faísca de debate democratizante da comunicação. Sempre apelando para os fantasmas da censura e autoritarismo estatal do alto de todo seu conhecido e desvelado cinismo, de quem sempre apoiou as ditaduras vigentes, ora de farda, ora de mercado, nacionais ou internacionais.

Sendo as comunicações uma arena reconhecida por toda a esquerda como das mais estratégicas no processo de democratização de nossas sociedades capitalistas, uma retomada da combatividade do jornalista se faz mais que necessária, passando simultaneamente pela reação aos desmandos dos donos da imprensa tradicional e pelo fortalecimento e viabilização progressivos de novos e alternativos meios de comunicação.

O jornalismo é, acima de tudo, função social e a realidade de hoje é que suas verdadeiras premissas não encontram a mínima guarida nas redações mais famosas do Brasil. Sua precarização é apenas mais uma arma que os patrões desenvolveram para conservar e disseminar seus valores e interesses políticos, sociais, econômicos e culturais.

 

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[Gabriel Brito é jornalista do Correio da Cidadania]