Friday, 19 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Presença e visibilidade social

A mídia ocupa hoje papel fundamental na sociedade contemporânea. Ela se configura como o espaço público de maior visibilidade social e por ela circulam discursos de grupos que têm características e interesses próprios. Além disso, recebe e conduz temas para outros espaços públicos, promovendo, dessa forma, um debate mais ampliado.

Há diferentes e complementares conceitos de espaço público ou esfera pública. Ele pode ser visto, como faz o pesquisador e professor Sérgio Costa, como o local no qual os problemas que afetam o conjunto da sociedade são absorvidos, discutidos e processados, a caixa de ressonância dos temas que devem ser trabalhados pelo sistema político. Ou ainda como uma rede adequada para a comunicação de conteúdos, tomadas de posição e de opiniões. Seguindo essa concepção, que é do filósofo alemão Jürgen Habermas, é na esfera pública que os fluxos comunicacionais são filtrados e sintetizados, a ponto de se condensarem em opiniões públicas enfeixadas em temas específicos.

Independente do conceito a que se atenha de espaço público, é inegável que as decisões que nortearão a vida social hoje passam, necessariamente, pelas esferas públicas que vão se formando, criando e sendo recriadas. A contemporaneidade tem a característica de criar espaços em que discussões que afetam diretamente questões privadas sejam realizadas publicamente. Assim, por exemplo, o direito das mulheres gestantes de terem licença-maternidade é debatido abertamente em espaços públicos distintos, como associações representativas dos direitos femininos e a imprensa.

Nesse sentido de contribuição para o amadurecimento da democracia, a mídia é, mais do que importante, estratégica. Afinal, ela é um dos espaços em que mais se vêem características – como ‘lugar da negociação e das propostas’, ‘espaço de luta e de oposição’, ‘direito à opinião responsável’, ‘possibilidade de convencimento do outro pela sensibilização’ – que esferas públicas modernas possuem.

Conceitos e distinções

Os meios de comunicação de massa são, hoje, o principal espaço público onde são discutidas, e muitas vezes decididas, questões ligadas à cidadania e aos direitos humanos. É necessário se fazer uma distinção entre esses dois conceitos. Enquanto a cidadania trata do aspecto coletivo ou social de determinado assunto, os direitos humanos estão mais ligados ao caráter individual do mesmo assunto. A cidadania diz respeito à pessoa perante seus semelhantes na sociedade, ao contrário dos direitos humanos, que lida com questões da pessoa em e para si.

Considerando as características da mídia, os movimentos sociais utilizam os meios de comunicação para se fazerem ouvir. De forma organizada e planejada, esses movimentos municiam a mídia de acontecimentos que geram discussões acerca dos temas com que trabalham. Ao fazerem isso, estão construindo a cidadania e contribuindo para que os direitos humanos sejam debatidos e, o mais importante, conquistados.

Existe uma reflexividade entre os direitos discutidos pela sociedade e os apresentados nos jornais. Na visão de Adélia Barroso, professora e doutoranda em Comunicação, o jornalismo é um espaço público central que mostra diversos aspectos da complexa sociedade atual e proporciona um entendimento mais geral do que aquele que ocorre nas inúmeras esferas sociais. É uma esfera que contribui para organizar os acontecimentos contemporâneos, dando-lhes alguma coerência. Esse espaço central de visibilidade é, para ela, passagem obrigatória dos temas que se pretende que ultrapassem os limites do pequeno grupo.

Portanto, a cidadania é debatida e conquistada, também, através dos meios de comunicação de massa. Por eles, são travadas discussões e mostram-se fatos que suscitam na sociedade a percepção da importância de uma cidadania verdadeiramente completa, que levará a uma real democracia e a uma vida em comum mais igualitária. A cidadania se mostra como estratégia eficiente para a entrada no espaço público, que é onde se discute e se busca legitimidade para a reivindicação de direitos.

Construção social da realidade

No mesmo sentido, os direitos humanos, ao estarem na pauta da mídia, passam a ser discutidos e evoluem em seu próprio arcabouço jurídico. A partir do momento em que os jornais publicam matérias, de forma reiterada e complementar, sobre determinado assunto emergente na área de direitos humanos, tal assunto passa também a ser discutido nos espaços públicos que fazem a diferença no sentido político. As câmaras e as assembléias políticas despertam para a urgência ou a necessidade de se discutir e regulamentar determinado tipo de direito humano quando percebem que esse direito vem sendo exigido pela sociedade civil através de movimentos organizados, por exemplo.

A mídia, ao potencializar e centralizar discussões de questões ligadas à cidadania e aos direitos humanos, contribui para a construção social da realidade dessa era contemporânea em que vivemos. Contemporânea porque as características típicas da modernidade constituída a partir da Revolução Francesa não mais conseguem explicar ou traduzir o que hoje vivenciamos. Ao contrário, hoje lidamos com questões muito mais complexas do que as que se seguiram ao medievalismo. A própria expansão do poder da mídia, que hoje regula e de certa forma intimida os três poderes constituídos democraticamente, caracteriza a contemporaneidade.

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Jornalista da Embrapa (Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária) em Sete Lagoas, MG