Tuesday, 16 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1283

Prioridades de pauta, os símbolos e o poder

Enquanto se desenrolava a cerimônia de posse do segundo mandato do presidente da República, em Brasília, na segunda-feira (1/1), a mais importante concessionária privada de televisão do país – a TV Globo – priorizava a exibição de uma velha novela no seu velhusco Vale a pena ver de novo. Ao mesmo tempo, no canal Globo News de televisão por assinatura, do mesmo grupo empresarial, uma reverenciada analista política ‘ilustrava’ a audiência com um interminável comentário crítico sobre o ‘anacronismo’ da faixa presidencial brasileira que, segundo ela, não teria equivalente nos países politicamente ‘modernos’.

Estranhas formas de servir ao interesse público.

Ao ver e escutar o comentário sobre a faixa presidencial, lembrei-me de uma conhecida máxima que reza: ‘A política é feita de símbolos’. Será que mudou a política? Os símbolos de poder teriam alguma relação com anacronismo ou modernidade na prática política?

A faixa presidencial foi criada por decreto em 1910, pelo presidente Hermes da Fonseca – aquele que venceu a disputa eleitoral contra Rui Barbosa – e tem como objetivo distinguir, dar uma marca própria à imagem do presidente da República. O primeiro presidente a usá-la publicamente, depois do próprio Hermes da Fonseca, foi Getulio Vargas; e, desde então, todos os outros presidentes o fizeram. Constitui, portanto, uma legítima tradição republicana brasileira de quase um século.

Estrutura simbólica

Mas a faixa é, sobretudo, um símbolo de poder. Na posse de um novo presidente, quem deixa o cargo passa a faixa presidencial a quem assume. Desde que a reeleição foi instituída, no primeiro governo de Fernando Henrique Cardoso, o reeleito não tem de quem receber a faixa presidencial para o novo mandato e, portanto, ou coloca a faixa em si mesmo ou solicita a alguém que o faça.

Depois da posse formal no Congresso Nacional, o presidente Lula homenageou a Dona Marisa pedindo a ela para colocar a faixa e, em seguida, subiu a rampa do Palácio do Planalto – outra tradição – já ostentando o símbolo presidencial.

O que importa, no entanto, é lembrar a estreita relação existente entre o exercício do poder político e as estruturas simbólicas nos diferentes regimes políticos e formas de governo. Trata-se de fenômeno secular, sabido e estudado.

Bronislaw Baczko, um dos maiores estudiosos do imaginário social, por exemplo, afirmou que qualquer instituição social, em especial instituições políticas, participa de um universo simbólico que a envolve e constitui o seu espaço de funcionamento.

Um exemplo é a rediscussão que o importante antropólogo Clifford Geertz, recentemente falecido, fez do conceito weberiano de carisma – largamente utilizado na ciência política. Geertz argumenta que é equivocada a tendência de reduzir o carisma somente a características psicológicas do líder. Para ele, carisma é uma construção simbólica culturalmente determinada. Na verdade, os líderes carismáticos, historicamente, se ajustam ao ‘centro dinâmico’ de sua cultura. O carisma se transforma, então, numa estrutura simbólica com a qual o líder consegue identificar-se, na medida em que se aproxima simbolicamente deste ‘centro dinâmico’ do imaginário social.

Nada de errado

O leitor sabe que na política o que não falta é a utilização de símbolos no e pelo poder: bandeiras, brasões, selos, armas, ritos, cores e hinos. O recente funeral do ex-presidente Gerard R. Ford dos Estados Unidos, por exemplo, seguiu um extenso ritual com honras civis e militares que reafirma o poder da presidência na democracia estadunidense.

Da mesma forma, a faixa presidencial brasileira constitui uma tradição que reafirma o poder único do presidente da República. É apenas mais um símbolo de poder. Nem mais, nem menos.

Não há nada de errado com a faixa presidencial brasileira. Os símbolos de poder não são nem anacrônicos nem modernos. Eles são constitutivos das estruturas simbólicas que envolvem o poder. No Brasil e em qualquer outro lugar.