Friday, 29 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1281

Profecias que se cumpriram

Crianças carentes, sem um lar adequado, sem uma escola que as forme para a cidadania, estão à mercê da bandidagem e nela acabam ingressando. Quem previu o problema, no contexto carioca, foi Leonel Brizola, nos anos 1980-1990. A operação de guerra a que agora estamos assistindo no Rio de Janeiro é um aspecto dessa profecia que se cumpriu.

Empregar a violência para deter o crime é a outra ponta de uma história que começa na ausência de um projeto educacional que ofereça às crianças e aos jovens horizontes de inserção social, trabalho, dignidade. A educação é, senão a única, uma inquestionável iniciativa pacificadora.

Não basta documentar e comemorar a derrota dos traficantes, como a mídia tem feito nos últimos dias. É preciso lembrar e lamentar a derrota social e política anterior, a nossa derrota, quando esses bandidos ainda não eram bandidos, tinham entre 7 e 15 anos de idade, e precisavam estar dentro da escola, recebendo (e também suas famílias) atenção integral, abertura de caminhos melhores do que a ‘carreira’ criminosa.

Brizola, Darcy e Anísio Teixeira

Nos seus tijolaços, matéria paga em grandes jornais (O Globo, Folha de S.Paulo, Correio Braziliense), Brizola insistia em que a maior parte da criminalidade existente no Rio de Janeiro era composta por jovens com menos de 18 anos de idade. Crianças e adolescentes, na verdade, a serem atendidos por uma escola que superasse o velho esquema dos insuficientes turnos de quatro horas.

Era preciso investir numa escola de tempo integral, na qual o aluno passasse o dia inteiro, estudando (domínio da leitura, da escrita e do cálculo, instrumentos fundamentais), pesquisando, se divertindo, com animação cultural, com prática esportiva, com assistência médica, dentária e higiênica. Tudo gratuito. Que o Estado pusesse em prática a visão educacional de Anísio Teixeira —de uma escola pública, laica e obrigatória—, sob a orientação de Darcy Ribeiro.

Como podemos constatar neste vídeo, o a antropólogo e sociólogo também fazia suas profecias. Darcy Ribeiro antevia o Brasil como civilização cheia de promessas, uma nova Roma, em que os mestiços brasileiros, recebendo educação humanizadora, e não um remendo qualquer, desenvolveriam seus talentos e potencialidades.

O projeto educacional de Anísio/Darcy/Brizola foi abertamente combatido por forças políticas representadas por Moreira Franco (em 1987) e Marcelo Alencar (em 1995), que sucederam a Brizola no governo do Rio. Do ponto de vista da imprensa, O Globo celebrou o enterro da escola popular brizolista, ao publicar, em maio de 2006, uma série de reportagens sobre os Centros Integrados de Educação Pública (Cieps): ”Vinte e um anos depois, as lições dos Cieps”. A conclusão era uma só: foi tudo um grande fracasso. (Um fracasso desejado, certamente.)

Dilma e Haddad

Antes de chegar ao governo Lula, Dilma Rousseff militou no PDT e sabia muito bem como Brizola acreditava na causa da educação como essencial para a emancipação definitiva do povo brasileiro.

Dilma tem um aliado importante no resgate desse projeto. Permanecendo no MEC, como tudo leva a crer (até o Estado de S. Paulo já admite o fato), Fernando Haddad, que também se inspira em Anísio Teixeira, bem sabe que a melhor prevenção para a violência urbana está nas escolas. Em escolas nas quais se realize uma educação de elite para todos. A melhor tropa de elite será uma população com educação de qualidade.

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Doutor em Educação pela USP e escritor; www.perisse.com.br