Tuesday, 19 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1279

Quando se discute religião

Em sua coluna de domingo [3/2/08], a ombudsman do Washington Post, Deborah Howell, avaliou a polêmica gerada por uma discussão, em um fórum online do diário, no dia 7/1, sobre identidade judaica. O furor foi tanto que resultou em duas desculpas públicas, uma demissão e muita recriminação. Sally Quinn, escritora e colunista do Post, e o editor da Newsweek, Jon Meacham, moderadores do espaço ‘On Faith’ (Sobre Fé, tradução livre), onde ocorreu o debate, apresentam toda semana uma questão a um painel de especialistas em religião. A daquela semana foi: ‘A PBS está exibindo a série ‘Judeus Americanos’. Sabemos o que ‘identidade judaica’ significou no passado. O que significará no futuro? Como uma religião minoritária mantém suas raízes e encara as mudanças?’.

Um dos articulistas, Arun Gandhi, neto do líder indiano Mahatma Gandhi, escreveu que a ‘identidade judaica no passado ficou presa à experiência do Holocausto. É um bom exemplo de como uma comunidade pode exagerar uma experiência histórica ao ponto de afastar amigos. O mundo lamenta pelo episódio, mas quando um indivíduo ou uma nação recusa-se a perdoar e seguir em frente, a lamentação torna-se rancor. A identidade judaica no futuro parece não trazer esperanças. Criamos uma cultura de violência (nos quais os principais envolvidos são Israel e os judeus) que vai eventualmente destruir a humanidade’. Este comentário foi postado sem passar por uma supervisão editorial. O editor David Waters achou que o conteúdo era ‘controverso e inflamatório’. ‘Mas muito do que publicamos neste espaço é controverso, dado o amplo debate que mantemos no sítio’, opinou.

Para acompanhar o artigo de Gandhi, Waters colocou um ponto de vista oposto, do reverendo Welton Gaddy, que chefia a Aliança Interfé, não partidária. O chefe de Waters, Hal Straus, editor de interatividade e comunidades, considerou o ‘artigo uma crítica pacífica das políticas israelenses, não uma crítica anti-semita’. Como judeu e editor, eu encaro muito a sério o anti-semitismo. Deveríamos ter pedido a Gandhi para ser mais claro’, disse.

Dentre os que se sentiram incomodados com os artigos estavam Jack L. Arbiser, professor da Emory University School of Medicine, em Atlanta. ‘Fiquei surpreso por vocês terem publicado o artigo racista de Arun Gandhi. A identidade judaica e o judaísmo não estão baseados no Holocausto. A identidade judaica está baseada no Torá, documento de Deus dado à humanidade. O que ele escreveu se encaixa à filosofia nazista’, afirmou.

Desculpas

No dia 10/1, Gandhi desculpou-se com os internautas: ‘Não acredito que as políticas do governo de Israel refletem o ponto de vista de todos os judeus’. Ele renunciou ao cargo de presidente do conselho do Instituto para a Não Violência M.K. Gandhi, da Universidade de Rochester, no dia 25/1. ‘Minha intenção era gerar uma discussão saudável na proliferação da violência. Em vez disso, sem a menor intenção, minhas palavras resultaram em dor, raiva, confusão e vergonha’, desabafou. Ele afirmou estar ‘arrasado’, especialmente por ter saído do instituto, do qual foi co-fundador. Gandhi disse também que escreveu o artigo às pressas na Índia, onde estava a trabalho, e que podia ter sido ‘mais cuidadoso, menos apaixonado, mais diplomático e não tão duro’. Ainda assim, ele não se arrepende do que escreveu sobre as políticas israelenses, embora afirme conhecer muitos judeus que lutem pela paz.

Meacham e Sally desculparam-se no dia 18/1 e publicaram uma carta crítica de Judea Pearl, pai do falecido repórter do Wall Street Journal Daniel Pearl, assassinado por extremistas muçulmanos no Paquistão, em 2002. Muitos leitores não ficaram satisfeitos com as desculpas e pediram que o artigo fosse tirado do ar e que Gandhi saísse do painel – mas os editores já afirmaram que não o tirarão e que a política do sítio é não remover artigos.

Todos os envolvidos no caso reconheceram o erro. Para Straus, o artigo não deveria ter sido publicado; Waters acha que deveriam ter pedido a Gandhi para reescrevê-lo. Meacham disse que o artigo foi mal-escrito e acredita que deveria ter pedido desculpas há mais tempo. Para Deborah, o artigo também não deveria ter sido publicado e as desculpas deveriam ter sido feitas com mais antecedência. Ela acredita que o texto, agora no arquivo do fórum, deveria conter links para as desculpas e a carta de Pearl.