Thursday, 18 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1283

Quem “controla” a mídia?

Você já ouviu falar em Alexander Lebedev, Alexander Pugachev, Rupert Murdoch, Carlos Slim ou Nuno Rocha dos Santos Vasconcelos? Talvez não, mas eles já ‘controlam’ boa parte da informação e do entretenimento que circulam no planeta e, muito provavelmente, chegam diariamente até você, leitor(a).


Enquanto na América Latina, inclusive no Brasil, a grande mídia continua a fazer de conta que as ameaças à liberdade de expressão partem exclusivamente do Estado, em nível global confirma-se a tendência de concentração da propriedade e controle da mídia por uns poucos megaempresários.


Na verdade, uma das conseqüências da crise internacional que atinge, sobretudo, a mídia impressa tem sido a compra de títulos tradicionais por investidores – russos, árabes, australianos, latino-americanos, portugueses – cujo compromisso maior é exclusivamente o sucesso de seus negócios. Aparentemente, não há espaço para o interesse público.


Na Europa e nos Estados Unidos


Já aconteceu com os britânicos The Independent e The Evening Standard e com o France-Soir, na França. Na Itália, rola uma briga de gigantes no mercado de televisão envolvendo o primeiro ministro e proprietário de mídia Silvio Berlusconi (Mediaset) e o australiano naturalizado americano Rupert Murdoch (Sky Itália). O mesmo acontece no Leste europeu. Na Polônia, tanto o Fakt (o diário de maior tiragem) quanto o Polska (300 mil exemplares/dia) são controlados por grupos alemães.


Nos Estados Unidos, a News Corporation, de Murdoch, avança a passos largos: depois do New York Post, o principal tablóide do país, veio a Fox News, canal de notícias 24 horas na TV a cabo; o tradicionalíssimo The Wall Street Journal; o estúdio Fox Films e a editora Harper Collins. E o mexicano Carlos Slim é um dos novos acionistas do The New York Times.


E no Brasil?


Entre nós, anunciou-se recentemente que o Ongoing Media Group – apesar do nome, um grupo português – que edita o Brasil Econômico desde outubro, comprou o grupo O Dia, incluindo o Meia Hora e o jornal esportivo Campeão. O Ongoing detém 20% do grupo Impressa (português), é acionista da Portugal Telecom e controla o maior operador de TV a cabo de Portugal, o Zon Multimídia.


Aqui sempre tivemos concentração no controle da mídia, até porque , ao contrário do que acontece no resto do mundo, nunca houve preocupação do nosso legislador com a propriedade cruzada dos meios. Historicamente são poucos os grupos que controlam os principais veículos de comunicação, sejam eles impressos ou concessões do serviço público de rádio e televisão. Além disso, ainda padecemos do mal histórico do coronelismo eletrônico, que vincula a mídia às oligarquias políticas regionais e locais desde pelo menos a metade do século passado.


Desde que a Emenda Constitucional nº 36, de 2002, permitiu a participação de capital estrangeiro nas empresas brasileiras de mídia, investidores globais no campo do informação e do entretenimento atuam aqui. Considerada a convergência tecnológica, pode-se afirmar que eles, na verdade, chegaram antes, isto é, desde a privatização das telecomunicações.


Apesar da dificuldade de se obter informações confiáveis nesse setor, são conhecidas as ligações do Grupo Abril com a sul-africana Naspers; da NET/Globo com a Telmex (do grupo controlado por Carlos Slim) e da Globo com a News Corporation/Sky.


Tudo indica, portanto, que, aos nossos problemas históricos, se acrescenta mais um, este contemporâneo.


Quem ameaça a liberdade de expressão?


Diante dessa tendência, aparentemente mundial, de onde partiria a verdadeira ameaça à liberdade de expressão?


Em matéria sobre o assunto publicada na revista CartaCapital nº 591, o conhecido professor da New York University, Crispin Miller, afirma em relação ao que vem ocorrendo nos Estados Unidos:




‘O grande perigo para a democracia norte-americana não é a virtual morte dos jornais diários. É a concentração de donos da mídia no país. Ironicamente, há 15 anos, se dizia que era prematuro falar em uma crise cívica, com os conglomerados exercendo poder de censura sobre a imensidão de notícias disponíveis no mundo pós-internet (…).’


Todas estas questões deveriam servir de contrapeso para equilibrar a pauta imposta pela grande mídia brasileira em torno das ‘ameaças’ à liberdade de expressão. Afinal, diante das tendências mundiais, quem, de fato, ‘controla’ a mídia e representa perigo para as liberdades democráticas?

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Pesquisador sênior do Núcleo de Estudos sobre Mídia e Política (NEMP) da Universidade de Brasília e autor, entre outros, de Diálogos da Perplexidade – reflexões críticas sobre a mídia, com Bernardo Kucinski (Editora Fundação Perseu Abramo, 2009)