Friday, 26 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

Reedição do “Partido da Economia”

Em 24/05, neste Observatório, Mauro Malin, em artigo intitulado “O protegido dos deuses“, trata do caso Palocci e levanta algumas questões bem interessantes. Nos diz, por exemplo, que “o ministro chefe da Casa Civil, Antônio Palocci, não está `blindado´ apenas pelo Palácio do Planalto, onde passa a maior parte do tempo no gabinete da presidente Dilma Rousseff. As forças sociais e políticas que o protegem não distinguem fronteiras partidárias, estão dos dois lados do `balcão´ – governo e empresas – e contam com a compreensão de uma parte importante da mídia”.

Em seguida, nos fala da hipótese de “fogo amigo” (oriundo de petistas de São Paulo) e nos relembra que o mesmo já acontecera em 2005, quando do mensalão, entre Dilma e o próprio Palocci. É sobre isto que gostaria de falar. Estaria acontecendo, agora, o mesmo que aconteceu em novembro de 2005? Acredito que sim, a dinâmica é bem similar.

Em 2005, meses antes do famoso caso da violação do sigilo bancário do caseiro, ainda em meio à crise do mensalão, o ex-presidente Lula lutava por “administrar a crise” que, por vezes, escapava a seu controle. Naquela conjuntura, por volta de outubro e novembro de 2005, não só as denúncias do mensalão incomodavam o ex-presidente, como seu principal ministro começava a ser, também, alvo de denúncias que diziam respeito à sua administração na prefeitura de Ribeirão Preto.

Lados opostos

Quem acompanhou a crise do mensalão lembra que foi neste momento, com Palocci sendo alvo de denúncias de corrupção, que o ex-presidente passou a incrementar a tese de que os indicadores econômicos do país deveriam ser observados com atenção e que seria necessário um esforço de todos para que o país não saísse da rota de estabilidade econômica. Nesse mesmo momento, a crise parecia escapar ao controle com as denúncias de dinheiro cubano nas eleições e com a suspeita de escutas telefônicas em políticos da oposição (vale lembrar os fortíssimos discursos de Arthur Neto, ACM Neto e Heloísa Helena contra Lula). Tudo parecia escapar ao controle e até o impeachment veio à tona como possibilidade. O que aconteceu?

Foi em meio a este quadro caótico que o então deputado José Dirceu, ainda buscando apoio no Congresso para tentar evitar sua cassação, dispara fortes críticas à ortodoxia da economia levada a cabo por Palocci. Para piorar o quadro, vieram críticas de Dilma, então chefe da Casa Civil, como lembrou Malin acima. Na época, ela dizia que todos os esforços de ajuste fiscal iriam pelo ralo com a manutenção de uma política de juros altos. O quadro é semelhante ao atual: “fogo amigo”. Por algum momento isso gerou perplexidade.

Mas, não ficou somente nisso. Palocci queixou-se publicamente ao ex-presidente, fazendo todos saberem que estava absolutamente disposto a deixar o cargo diante de acusações e da falta de apoio. É no meio desta “pendenga” que, gradativamente, o ex-presidente vai se insinuando no papel de “pacificador”. Nesse papel de “apaziguador” Lula dá declarações de que a oposição não gostará muito da inflexão na economia que ocorrerá caso seja necessário substituir Palocci. Seria o caso de apostar no crescimento econômico ou apertar o cerco fiscal? O fato é que esse debate começa a tomar conta das conversas. E, nitidamente, parecem estar em lados opostos Dilma e Palocci. E em torno deles é que vão se juntando defensores de uma ou outra concepção de política econômica.

“Homem de confiança”

Em certo momento, o ex-presidente anuncia seu apoio irrestrito a Palocci, reforçando a blindagem em torno do ministro e iniciando a costura de um acordo com partidos oposicionistas para mantê-lo afastado das CPIs. Palocci, aproveitando o clima “favorável”, antecipa sua ida ao Senado para depor a respeito das acusações sobre Ribeirão Preto. Ora, alguns devem lembrar que, em seu depoimento, Palocci não enfrentou qualquer constrangimento.

Também é importante notar que já circulavam, entre a oposição, especialmente no PSDB, recomendações no sentido de não se fazer nada no sentido de prejudicar Palocci, pois isso poderia complicar o desempenho da economia e a administração do país numa eventual vitória do partido em 2006. À vontade, Palocci aproveitou, com todo seu brilhante tecnicismo, para se defender exclusivamente das dúvidas com relação à política econômica. Fez críticas a Dilma e pediu apoio e esforços para um ajuste fiscal de longo prazo. Qual o resultado? O ministro só colheu elogios.

Por seu lado, o presidente Lula permanecia numa situação interessante: elogiava Palocci, mas não desautorizava Dilma. O que isto significava? O fato é que a oposição, gradativamente, iria começando a cobrar do presidente demonstrações públicas de apoio ao ministro Palocci. Mas o que significaria, para a oposição, a manutenção de Palocci? Menor risco para a economia em 2006 e maior possibilidade de administração do país após uma vitória nas urnas? Maior distanciamento do presidente Lula em relação a um tipo de populismo chavista? Eram medos que a oposição alimentava e que pareceram decisivos para que ela esfriasse suas intenções não somente em relação a Palocci, mas à crise do mensalão como um todo.

Não podemos esquecer que Palocci sempre foi um dos principais interlocutores do governo, ao lado de Thomaz Bastos e Jacques Wagner, junto à oposição. Ele seria uma espécie de “homem de confiança” da oposição, no interior do governo Lula. E foi com isto que o ex-presidente “jogou” naquele momento. A partir deste episódio, os rumos do escândalo do mensalão pareciam conhecer uma certa previsibilidade. Perdiam força. Em seguida, com a cassação de José Dirceu, todos os “objetivos” pareciam estar alcançados e todo maior ímpeto investigativo no Congresso perdeu força.

Baixo espírito público

Resultado: o ex-presidente Lula foi muito hábil em trazer a questão da política econômica à tona, pois ela não só reduziu o impacto das acusações de corrupção contra Palocci, como ainda “domesticou” a oposição. O enfrentamento com Dilma, que poderia ser definido como “fogo amigo”, em minha opinião não foi “fogo amigo”, e sim, pura “encenação”. O ex-presidente, como disse, habilmente, trouxe à tona um tema e matou vários coelhos ao mesmo tempo. Fez isso sozinho? Não! O fez com certa cumplicidade da oposição, mas não somente da oposição. Contou com a complacência de vários setores da mídia.

A própria Folha de S.Paulo, que à época, se destacava como ponta-de-lança no embate por mais investigações, chegou a denunciar o que chamou de entrada em cena do “Partido da Economia”, ou seja, a discussão sobre os rumos da economia vinham por sobre a discussão da crise do mensalão e das acusações a Palocci, numa clara intenção de abafamento. Se naquele momento pareceu sensato, aos olhos da oposição e de setores da mídia, apoiar Palocci, o mesmo se justifica agora? Não estaríamos pisando em cima de valores republicanos ao permanentemente abdicarmos de investigações envolvendo dinheiro público e tráfico de influência sempre “em nome da estabilidade econômica”? O que isto significa? Será que além da “sensatez” da oposição e da mídia não existe uma elite empresarial que se torna, a cada dia, mais cúmplice destes atos ilícitos de personalidades públicas?

Pode parecer ingenuidade da minha parte dizer isso, mas o que percebo é que a fórmula lulista de associar toda crítica à “conspiração” e preconceito” pode se perpetuar num grande clima de cumplicidade nacional. “Blindagem”, nestes casos, não é para oferecer segurança, mas para manter a impunidade.

Isso precisa ser discutido e a imprensa vai se posicionar como? Ao lado da República ou dos grandes interesses financeiros? Como disse, pode parecer ingenuidade, mas é esta questão que não vai sair da pauta de debates tão cedo. Que desenvolvimento econômico de um país é tão importante que soterra valores? Não à toa, vivemos em um país que combina muito bem a modernidade econômica com níveis tão baixos de espírito público. E a coisa promete continuar assim por muito tempo.

Sempre na pauta

Talvez Lula esteja certo e exista mesmo uma “conspiração”, mas ela envolve muito mais atores políticos relevantes (oposição, setores da mídia, grandes empresas). O governo sabe disso e age, com base nisso, a seu favor e, contando com as benesses governamentais, quem vai se atrever a ir tão contra assim? Afinal de contas, como o ex-presidente falou, “Palocci era o Pelé da economia”. Como duvidar, então, que ganhar R$ 10 milhões em dois meses não seja algo absolutamente possível?

O detalhe que incomoda é que era um momento de arrecadação de recursos para a eleição presidencial, da qual Palocci era um dos coordenadores. Pelo menos, a habilidade de Pelé todos conhecemos e respeitamos. Mas, quem é Palocci? Que interesses ele assegura com sua influência no governo? Sem ele, o fim do mundo seria antecipado? Talvez sim, pelo menos para alguns setores políticos e econômicos que dependem de seus favores e influência.

Como disse, o assunto vai estar sempre na pauta, pois exemplos assim não vão faltar.