Friday, 29 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1281

Regulação da mídia, o debate inevitável

A regulação da mídia volta à pauta do Observatório da Imprensa na TV. No Reino Unido, os líderes dos três principais partidos políticos firmaram um acordo para criar um órgão regulador externo para a imprensa escrita. O projeto ainda precisa ser votado em plenário e passar pela revisão na Câmara dos Lordes – e já causa celeuma. O mecanismo será criado por meio de uma Carta Real e novo órgão poderá aplicar multas de até R$ 3 milhões. Jornais, revistas e sites noticiosos poderão ser obrigados a publicar retratações imediatas, com destaque na primeira página.

A adesão das empresas será voluntária, mas aqueles que optarem por não aderir serão passíveis de punições ainda mais severas. A medida foi tomada como resposta ao escândalo protagonizado por tabloides do grupo News Corp,do magnata Rupert Murdoch, em 2011, quando jornalistas foram acusados de espionagem, grampos ilegais, chantagem e tráfico de influência. Representantes de jornais se queixam de que ficaram de fora do processo de debates e já articulam um boicote ao novo órgão.

No México, o governo apresentou projeto de uma ampla reforma do setor de telecomunicações para fomentar a concorrência. A medida terá forte impacto nas áreas de telefonia e televisão, onde o empresário Carlos Slim – o homem mais rico do mundo – detém uma robusta fatia do mercado. O programa do OI exibido ao vivo na terça-feira (26/3) pela TV Brasil examinou essas duas propostas de regulação e debateu a necessidade de algum tipo de regulação para a mídia brasileira.

Alberto Dines recebeu no estúdio de São Paulo os jornalistas Eugênio Bucci e João Brant. Bucci é professor da Escola de Comunicação e Artes da Universidade de São Paulo (ECA-USP) e da Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM). É colunista do jornal O Estado de S. Paulo e da revista Época, e foi presidente da Radiobrás. João Brant é integrante do coletivo Intervozes e do Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação. É mestre em Regulação e Políticas de Comunicação pela London School of Economics. No Rio de Janeiro, o programa contou com a presença de Adilson Cabral, professor de Comunicação Social da Universidade Federal Fluminense (UFF). Doutor pela Universidade Metodista de São Paulo, coordena o Centro de Pesquisas e Produção em Comunicação e Emergência. É especialista em políticas de comunicação.

Debate inevitável

Antes do debate no estúdio, em editorial, Dines comentou que as discussões em torno de regulação, autorregulação e marco regulatório podem parecer áridas para o cidadão, mas têm um potencial explosivo para jornalistas, políticos e acadêmicos. “Depois de quase quatro séculos de total liberdade de impressão, a Inglaterra parece prestes a enterrar a doutrina da autorregulação voluntária – que não conseguiu evitar abusos – e adotar um paradigma mais interventor. Mas no México, o novo presidente Enrique Peña Nieto, de centro direita, também está disposto a empreender mudanças. Inevitável, a questão regulatória está na ordem do dia. Mesmo longe daqui”, disse Dines.

A reportagem produzida pelo programa entrevistou Aluízio Maranhão, editor de Opinião do jornal O Globo. Para o jornalista, o novo órgão britânico, na prática, não funcionará. A Inglaterra rompeu uma tradição adotada desde o século 17, de não haver interferência externa na imprensa. Maranhão sublinhou que os crimes praticados por jornalistas do News of the World foram descobertos pela própria imprensa inglesa e não pela polícia. “Os responsáveis estão sendo processados como devem: pela legislação penal. Então, não seria necessário nenhum novo aparato, ainda mais um aparato como esse, vertical, de cima pra baixo”, criticou o jornalista.

Já o mercado mexicano, na opinião de Aluízio Maranhão, é extremamente concentrado e, por isso, a iniciativa do governo é bem-vinda. Maranhão afirmou que no Brasil o debate sobre a regulação da mídia e uma nova regulação na área de telecomunicações acaba se confundindo: “Você tem grandes atores novos no mercado de informação que são as empresas de telecomunicações e telefonia. E a nossa legislação com respeito a isso é antiquíssima. É preciso mudar a regulação dessa área: quem é quem, quem pode fazer o quê. Outra coisa é a regulação da mídia que é apresentada de uma maneira disfarçada como se fosse essa a regulação necessária, mas que quer entrar, intervir na produção de conteúdo. Aí se chama censura – ou que se dê outro nome. Isso, no Brasil, é inconstitucional. O Supremo Tribunal Federal, faz dois ou três anos, reafirmou o direito à liberdade de expressão no seu sentido mais amplo”.

O papel dos jornalistas

Guilherme Canela, assessor de Comunicação e Informação da Unesco, defende a criação de órgãos reguladores independentes. A regulação da mídia deve ter mecanismos que levem ao fortalecimento de meios de comunicação independentes e plurais. Para ele, algumas das questões centrais nesse debate são a regulação da propriedade e de instrumentos de transparência.

O jornalista Carlos Castilho ressaltou que, antes de tudo, é preciso melhorar a qualidade da produção jornalística. “Criar novos códigos é importante na medida em que isso gera discussão. Mas não podemos esperar que esses códigos e essas novas leis resolvam todos os nossos problemas. Novos códigos geralmente implicam fiscalização e medidas de punição. Nós temos que envolver as televisões, os jornais e os jornalistas nessa busca de um novo conceito sobre como produzir material para ser exibido. É complicado? Sim, é. É utópico? Sim, é. Mas nós não temos outra alternativa”, sugeriu Castilho.

Da Inglaterra, o correspondente Silio Boccanera comentou a reação dos meios de comunicação à tentativa de regulação. “Provocou irritação da imprensa porque tira de jornais e revistas o poder de se fiscalizar sozinhos, sem interferência de políticos, juízes ou autoridades de fora do setor. A proposta agora é criar uma agência regulatória separada e independente dos órgãos de imprensa. Editores e proprietários reagiram enfurecidos. Denunciam uma suposta ameaça à liberdade de imprensa com potencial de censura e intimidação”, contou o jornalista. Boccanera explicou que os jornais temem perder a liberdade para criticar políticos e poderosos.

A quem interessa a regulação?

No debate ao vivo, Dines comentou que a autorregulação não foi bem-sucedida na Inglaterra. O modelo do Comitê de Queixas contra a Imprensa (PCC, na sigla em inglês) – que regulava a imprensa escrita – foi referência em todo o mundo, mas não impediu que tabloides britânicos praticassem graves desvios éticos. João Brant explicou que o Reino Unido tem uma longa tradição de regulação dos meios eletrônicos de comunicação que culminou com a criação da Ofcom, em 2003, que regula a radiodifusão.

Na opinião de Brant, o PCC tinha um código eficaz, mas a aplicação das normas não foi bem realizada . Para ele, os veículos de mídia impressa mais protegiam do que regulavam uns aos outros. “Há riscos e há ameaças possíveis à liberdade de expressão e ao direito de informação do público. Mas eu acho que o que estava evidente era o risco maior de manter um sistema que não vinha dando certo”, disse o jornalista. Brant ressaltou que os objetivos de regular a mídia, em geral, são garantir o pluralismo, a diversidade, ampliar a liberdade de expressão e o direito à informação do público.

Dines ressaltou que durante o processo de discussão do projeto de regulação da mídia britânica os jornais e revistas foram convidados a se manifestar, assim como as vítimas atingidas pelos escândalos protagonizados pelo News of the World. Com o projeto prestes a ser aprovado, os jornalistas criticam a criação do novo órgão. Para João Brant, é interessante notar que tanto a iniciativa britânica quanto a mexicana colocam o cidadão no centro do debate. “Eles entendem a comunicação como um serviço público a serviço do direito do cidadão à informação, à uma ampliação da liberdade de expressão e, portanto, o centro não é a própria mídia”, disse Brant. O jornalista explicou que o debate em torno da regulação na Inglaterra é feito com frequência e vem de longa data.

“A palavra democracia precisa ser colocada no centro desse debate porque o que está em jogo é se você consegue garantir, de fato, um sistema democrático em que as diversas vozes sejam ouvidas e que o cidadão tenha direito a todas as versões e diferentes perspectivas sobre os fatos”, defendeu o jornalista. Brant ressaltou que é preciso entender que a liberdade de imprensa é uma garantia fundamental, mas ela existe para a sustentação dos diretos à liberdade de expressão e à informação. Não se pode agir sem levar em consideração a sua função pública.

Debate vetado

Adilson Cabral chamou a atenção para o fato de que nem na Inglaterra nem no México as propostas de regulação têm origem em governos identificados com a esquerda, como ocorre na Argentina, na Bolívia e na Venezuela. Para ele, é importante observar a conexão de várias experiências diferentes, mas o Brasil deve planejar a regulação a partir de seus próprios parâmetros. O modelo de regulação em debate na Inglaterra está ligado ao desenho da política britânica. “É diferente da nossa política, onde o termômetro define até onde o governo consegue ir ou levar o debate sobre as comunicações”, comparou Adilson Cabral.

Na opinião de Eugênio Bucci, uma discussão reprimida ou com viés equivocado acaba resultando em soluções que não levam à resolução dos problemas. “É claro que na Inglaterra haverá um avanço. A sociedade está despertando para isso. Os políticos estão se entendendo dentro desse sentido”, avaliou Bucci. No Brasil, a discussão não é feita porque predominam mentalidades que acreditam que não falar sobre o tema é melhor para a liberdade. “Isso é um engano terrível que pode acarretar consequências mais terríveis ainda. A pior coisa que pode acontecer no Brasil é não se debater a regulação ou a autorregulação”, advertiu o jornalista.

Bucci explicou que, no Brasil, adota-se o termo regulamentação como sinônimo de regulação, mas que é preciso entender a diferença entre as duas palavras. A regulação inclui, além da regulamentação – que é o estabelecimento de regras –, a fiscalização do cumprimento das normas. “Marco regulatório parece nome de imperador romano. O que quer dizer isto? Apenas uma legislação, um conjunto de normas, postas pelo Estado, e que disciplinam como um determinado mercado funcionará”, explicou Bucci. Temas como concentração de propriedade, concessões de canais de radiodifusão para parlamentares, proselitismo religioso nas em rádios e TVs e inovações tecnológicas pedem um conjunto de normas atualizado. “Há uma série de desvios e deformações que precisam ser disciplinados por lei. Outras coisas podem ser disciplinadas por autorregulação e pelo bom senso dos jornais”, disse Bucci.

***

Discussão na ordem do dia

Alberto Dines # editorial do Observatório da Imprensa na TV nº 677, exibido em 26/03/2013

Para o leitor, ouvinte ou para o telespectador as palavras regulação, autorregulação ou marco regulatório soam distantes, sem grande palpitação. Mas para jornalistas, políticos ou acadêmicos, regulação, autorregulação e marco regulatório podem ser explosivas.

Em julho de 2011, quando o jornal inglês The Guardian revelou o escândalo das escutas telefônicas feitas pelos repórteres a serviço do tabloide News of the World, regulação e autorregulação entraram para o vocabulário corrente. Menos de dois anos depois, tivemos diversos jornalistas do tabloide presos, o jornal fechado, uma comissão parlamentar de inquérito instalada e agora suas surpreendentes conclusões divulgadas e aprovadas pelos três principais partidos do Reino Unido.

Depois de quase quatro séculos de total liberdade de impressão, a Inglaterra parece prestes a enterrar a doutrina da autorregulação voluntária – que não conseguiu evitar abusos – e adotar um paradigma mais interventor.

Mas no México, o novo presidente Enrique Peña Nieto, de centro direita, também está disposto a empreender mudanças e anunciou uma intervenção no segmento das telecomunicações, contrariando grupos como a Televisa, que o ajudaram a se eleger.

Inevitável, a questão regulatória está na ordem do dia. Mesmo longe daqui.

***

A mídia na semana

>> O papel da imprensa é fiscalizar, suspeitar, investigar. Mas antes de tornar pública qualquer suspeita é preciso reunir um mínimo de indícios e evidências. Não foi o que aconteceu com as denúncias de que o ex-presidente Lula fez várias viagens à África para fazer lobby em favor de empreiteiras brasileiras. Um ex-presidente não está proibido de fazer lobby, sobretudo quando se trata de promover no exterior os interesses de empresas brasileiras. Em última análise, quem ganha é o Brasil. A campanha é tola, não se sustenta, um foca teria percebido que grandes veículos só devem botar a boca no trombone quando conhecem a partitura do que vão tocar.

>> O presidente do Supremo Tribunal Federal é simultaneamente presidente do Conselho Nacional de Justiça. Suas responsabilidades envolvem todas as instâncias do judiciário e, quando ele manifesta suas preocupações com as perigosas amizades entre magistrados e advogados, está externando uma preocupação da sociedade e cumprindo com os seus deveres. Joaquim Barbosa não condenou todas as amizades entre juízes e advogados, chamou a atenção para uma eventual zona cinzenta onde a imperiosa isenção de um magistrado pode estar comprometida pelo seu relacionamento com um causídico. Os conflitos de interesse só podem ser evitados pela consciência individual e esta, para funcionar, precisa ser continuamente ativada. As associações de magistrados deveriam fazer a sua parte e não fazer beicinho, amuadas com o lembrete do chefe do Judiciário.

>> O processo de mudanças ao qual estamos atrelados tem produzido situações surpreendentes. Uma delas aconteceu no último sábado em Castelgandolfo, perto de Roma, quando os dois papas, Francisco e Bento XVI, se encontraram, se abraçaram, oraram, almoçaram e se deixaram fotografar. O último encontro entre dois papas aconteceu há seiscentos anos. De alguma forma juntos, os dois pontífices não podem falhar.

>> Os vinte anos do programa Manhattan Connection valem não apenas pelo bom jornalismo que apresenta aos domingos à noite, nem só pela inteligência dos participantes ou a leveza usada para explicar as grandes controvérsias do momento. O programa do jornalista Lucas Mendes na Globonews é também um modelo muito bem sucedido que as redes de tevê terão que utilizar para atender o mercado: a parceira de produtores independentes com grandes empresas de comunicação. O Manhattan Connection é um caminho de qualidade, de empreendedorismo.

>> A meses da Copa das Confederações e a pouco mais de um ano do Mundial, a seleção brasileira continua sem vencer um grande adversário. Os chargistas não perdoaram e caíram na pele do time canarinho. Se continuar assim, corre o risco de o futebol brasileiro não amadurecer a tempo.

Leia também

O exemplo inglês – Venício A. de Lima

******

Lilia Diniz é jornalista