Friday, 26 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

Repensar é preciso

Terminada mais uma maratona eleitoral, afora euforia dos vitoriosos e ressentimento dos derrotados, o que interessa mesmo é avaliar o que aconteceu. O fundamental é extrair lições com as quais passos futuros sejam dados na direção de um comportamento à altura da seriedade e gravidade dos problemas nacionais. Mídia, classe política e eleitorado devem refletir sobre procedimentos adotados.


Questões para análise


Creio que, em nenhuma eleição anterior, setores do jornalismo impresso e outros da mídia eletrônica estiveram sob intenso fogo cruzado quanto a acusações a respeito de processos de manipulação. A primeira lição, portanto, a retirar-se da experiência é: 1) em sendo verdade, a mídia manipulou em favor de ‘b’, porém venceu ‘a’; 2) a maior parte da população ou não absorve efeitos da manipulação, ou não acompanha o que a mídia codifica. Inúmeros artigos foram escritos contra o caráter tendencioso adotado por veículos de informação.


Diante do resultado das eleições, fica a constatação de que o eleitorado não segue o que boa parte da mídia produz. A outra conclusão é a de que, a despeito da ‘intensa manipulação’, a consciência do eleitor está imune a qualquer grau de denúncia, seja por estado de crença, seja por inércia crítica. Que poder, pois, haverá de ter a mídia? Tem ela real eficiência, ou seu poder é bem menor do que a ela se atribui? Essa questão terá de ser equacionada.


Outro ponto merecedor de observação diz respeito à relação entre mídia e legislação eleitoral. Indaguemos o seguinte: se há severa punição contra prática de boca-de-urna, além de restrições que, nessa eleição, foram acrescidas, por que se permite abusivamente o que vou classificar de ‘boca-de-mídia? Explico. Na proximidade de zonas eleitorais, ficam bancas de jornal expondo manchetes que bem podem ser mais indutoras de voto do que seria a panfletagem. É jornalisticamente lícita a publicação, no dia da eleição, de notícias que seriam esperadas para o dia seguinte? Percorrendo manchetes de expressivos jornais do país, selecionamos as seguintes:




** O Globo – Pesquisas: Lula e Cabral têm vitória assegurada hoje


** O Dia – Pesquisas: Lula e Cabral terão hoje vitória esmagadora


** O Estado de S.Paulo – Lula chega ao 2° turno com 21 milhões de votos à frente


** Folha de S.Paulo – Pesquisa indica vitória de Lula para presidente hoje


** A Tarde (Bahia) – Lula chega às urnas como grande favorito


** Tribuna de Minas – Pesquisas apontam vitória de Lula


De modo diferente, portaram-se outros veículos, destacando:




** Jornal do Brasil – Os 7 desafios do novo presidente


** Estado de Minas – Lula e Alckmin pedem seu voto


** Correio Braziliense – Nas urnas o destino da nação


** Tribuna da Bahia – O futuro do Brasil em suas mãos


** Zero Hora – O Brasil vai falar


É notória a atitude ética presente no segundo bloco, em oposição ao critério nada ético do primeiro. Note-se inclusive a redação pífia constante na manchete do Estadão. Dá a entender que agora iniciará o segundo turno. Em lugar de ‘chega ao fim’, ou usar formas verbais como ‘encerra’, ‘termina’ ou ‘decide’, a redação optou por ‘chega ao 2° turno’. Provavelmente, por falta de espaço na linha, alguém sugeriu cortar a expressão ‘ao fim’, deixando a frase incompreensível.


Massacre das pesquisas


Um terceiro fato a ser analisado se refere ao tédio dos ‘debates’ televisivos. Não será hora de, em nome do respeito ao eleitor, instituir-se a prática do pool de emissoras? Em lugar de se promoverem vários (iguais), com aquela paranóica rigidez de tempo, realizar-se um com efetiva consistência?


A propósito dessa questão, não se pode deixar de destacar a ‘insuperável’ Rede Globo. Em matéria de show, ninguém a supera. Cenário inebriante, tecnologia de última geração, sem deixar de registrar a pantomima de incluírem-se ‘indecisos’ para, ‘nervosamente’, lerem suas (?) perguntas. Aliás, para melhor transparência, convém que, na próxima vez, o mediador, ao sortear a quem couber a ‘fala’ final, abrir a outra cartela e exibi-la ao público. É o mínimo que se pode cobrar em matéria de lisura ética. Em caso contrário, pode ficar, no espectador, a sensação de que, na outra, constaria o mesmo nome. Não acham?


Enfim, para futuras eleições, será que a mídia (impressa e eletrônica) adotará comportamento verdadeiramente jornalístico, de modo a extrair dos candidatos o sumo do que efetivamente tenham para apresentar como programa de governo? Ou ainda estaremos, para sempre, condenados a votos oriundos de ‘crenças’, ‘simpatias’, ‘rancores’, ‘assistencialismos’, ‘promessas vãs’, ‘elite vs. povo’, ‘direita vs. esquerda’ e outros clichês que mobilizam ‘torcedores’ e potencializam a ‘cegueira’ de parte a parte, fazendo da escolha verdadeiro ‘arrastão’?


Outra pergunta: até quando o eleitor brasileiro será objeto de massacre de pesquisas de intenção até o último momento? Quem sabe, o propósito seja esse mesmo. Massacrar sim; projetos de nação, não. Bem, nesse caso, deixe-se tudo como está.

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Ensaísta, doutor em Teoria Literária pela UFRJ, professor titular do curso de Comunicação das Faculdades Integradas Hélio Alonso (Facha, Rio de Janeiro)