Friday, 29 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1281

Rescaldo pós-eleitoral

O exercício da democracia não se resume a obrigação do voto – mas tem nele o aval público para a implementação de um projeto de governo ou de medidas que correspondam aos anseios populares – a ‘mediar’ essa relação (povo/governo) estão os meios de comunicação – arena do debate político e dos embates discursivos, palco onde se fazem sentir as forças da sociedade e também, muitas vezes, os interesses corporativos e conflitantes dos veículos de comunicação.

Talvez isso explique o rescaldo pós-eleitoral pronto a reavivar-se num clima de acirramento, ou, seria melhor dizer, disputa discursiva pelo espaço (poder) da arena pública, também das opiniões, pelo que se tem visto e acompanhado na última semana, principalmente na internet. Demarcam-se os limites e ampliam-se as discussões sobre a necessidade de ‘controle da mídia’ – o que sempre suscita muita polêmica, com a radicalização das opiniões e com a (sempre necessária) defesa incondicional da liberdade de imprensa.

O momento não deixa de ser oportuno para uma reflexão mais aprofundada, de crítica e autocrítica – já que ‘as lutas pelo poder são lutas por fixação de significados, e tem poder quem detém os canais de produção e circulação de informação’ [Gregolin, 2002] ou quem os sabe usar a seu favor. Talvez a imprensa se ressinta (e não sem razões) de certas atitudes do PT (em dívida com as rotativas da imprensa) – mas a impressão que se tem é a de que ela está cobrando a sua quota – e que isso se faça não com ‘venalidades’ (ou favores) nem com vilanias (e manipulações), e, sim, com respeito mútuo e responsabilidade, uma vez que o princípio a norteá-la deveria ser, acima de tudo, a prestação de um serviço público.

Discussão franca

Nada pior para a democracia que uma imprensa sem credibilidade – nada pior para um governo que uma imprensa sem liberdade e, conseqüentemente, nada pior para os cidadãos que a censura de opinião e expressão. Não vivemos numa sociedade ideal, por isso mesmo é que se deve estar atento para certos desvios ou maniqueísmo, também para a luta pela garantia dos direitos de cada cidadão.

Não obstante, não parece correto ou sensato, por exemplo, propor uma divisão política por classes, embora a pauta política/democrática, na verdade, seja cada vez mais dominada por interesses econômicos. E se nessa conformação (pós-moderna) o sentido de ‘povo’ não é mais o de ‘uma totalidade estruturada, portadora de um espírito geral, objetivo, do qual todas as totalidades individuais até certo ponto participam, uma comunidade composta de pessoas com experiências semelhantes às dos concidadãos, com vidas relativamente paralelas, com opiniões relativamente autônomas, lentamente adquiridas e individualmente formadas, pessoas, em suma, que são plenamente capazes de controlar os seus representantes’, tampouco se deve dizer que se tornou o povo tão-somente ‘público’, ‘freguês’ [Rosenfeld, p. 211], uma massa amorfa facilmente manipulável. Talvez o seja até certo grau mas, ainda que se queira negar, as pessoas têm adquirido certa consciência, pela experiência ou pelo acúmulo de logros. Há de se analisar a questão com mais profundidade.

É inegável que a luta democrática se dá essencialmente no terreno midiático, cada vez mais politizado enquanto a política se midiatiza com a preponderância das estratégias do marketing e das técnicas televisivas, do fluxo contínuo de imagens e da mistura dos gêneros [Courtine apud Gregolin, 2002]. Necessário, portanto, ajustar os focos, e empenhar(em)-se todos para uma discussão franca sobre a comunicação social e sobre as responsabilidades dos governos e dos meios de comunicação – inclusive para que o exercício democrático não se restrinja ao ato (avalista) de escrutínio.

Referências

GREGOLIN, Maria do Rosário Valencise. O acontecimento discursivo na mídia: metáfora de uma breve história do tempo. In: GREGOLIN, M. R. V (Org). Discurso e Mídia: a cultura do espetáculo. São Carlos: Claraluz, 2003.

ROSENFELD, Anatol. Texto/Contexto II. A crise da democracia. São Paulo, Ed. Perspectiva, 2000.

COURTINE, Jean-Jacques. Os deslizamentos do espetáculo. In: GREGOLIN, M. R. V (Org). Discurso e Mídia: a cultura do espetáculo. São Carlos: Claraluz, 2003.

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Funcionário Público, Jaú (SP)