Wednesday, 24 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Resposta a um jornalista e blogueiro

Caro Mino Carta,


Não sei por que você tomou a peito apoiar a embaixada italiana, desejosa de obter de toda maneira a extradição do ex-militante de um pequeno e inexpressivo grupo armado italiano de uma época já tão distante. Infelizmente, e isso pode acontecer com todos nós jornalistas, você pisou na bola. Não chega a ser tão grave, porque um pequeno grupo decidido de simples cidadãos, juristas e políticos com o apoio do ministro da Justiça resolveu a parada, mas podia ser muito grave.


Foi-me difícil decidir escrever este comentário, porque sua trajetória é praticamente inatacável e sua contribuição ao restabelecimento da democracia no Brasil ficou evidente nas denúncias que corajosamente fazia, como editor de suas revistas, enfrentando os ditadores militares.


Evidentemente respeito sua opinião, talvez baseada num bom informante quanto à decisão do ministro da Justiça de dar refúgio a Cesare Battisti, mas péssimo quanto à real participação do Battisti naquele momento político italiano. Você vive felizmente numa democracia no Brasil e eu numa outra democracia exemplar na Suíça, e sabemos que o debate franco, como este, é que nutre essas duas sociedades na livre expressão.


Selva da imprensa


Ora, escrevo porque sua influência como editor da revista CartaCapital poderia ter sido bastante nefasta e significar para um homem, batido pela vida, em nada diferente dos ‘subversivos’ brasileiros que você tanto entendeu, o retorno à Itália na condição de um condenado a apodrecer na prisão.


Marina Petrella, também italiana e muito mais envolvida na luta contra o establishment daqueles anos de chumbo, estava morrendo de desgosto e de tristeza num hospital parisiense, já em estado semicomatoso, sem querer se alimentar, nos dias que precediam sua extradição para a Itália. Depois de trinta anos de vida normal, depois de ter abandonado o extremismo, ia ser separada de suas filhas, do marido, de seus alunos, para envelhecer e morrer numa prisão. Porém, foi graças à compaixão da esposa do presidente francês Nicolas Sarkozy, e sua irmã, atriz conhecida aqui na Europa, ambas italianas, que se decidiu perdoar, porque a nova vida de Marina Petrella dispensava uma tão tardia punição.


Quando, em março de 2008, publiquei nos pequenos jornais e sites em que escrevo (proibido que fui e sou de participar da grande imprensa já depois da ditadura) um artigo em favor de Cesare Battisti, contando para os brasileiros a triste sina desse foragido, que quase foi sequestrado, em 2004, pelos italianos, mesmo sendo um simples zelador de prédio e pequeno escritor de romances policiais, alguns amigos, companheiros como se diz, se senbilizaram.


Entretanto, quando CartaCapital publicou aquela reportagem tendenciosa e nada imparcial, tudo se comprometeu. Porque sua revista, que se poderia dizer de centro-esquerda, às vezes mesmo bem de esquerda, serve de orientação para muitos jovens e para muitos militantes de esquerda. E ficaram na dúvida. Quem sou eu, simples jornalista expatriado, que como um Joris Ivens terá de sobreviver com seus frilas, enquanto lúcido e não enfartado por não ter mais lugar na grande imprensa, para competir com CartaCapital? Como ganhar a confiança de meus amigos e companheiros com minhas colunas benévolas diluídas na selva da imprensa brasileira?


A gota d´água


Mas, como dizem os crentes, milagre acontece. E a imprensa nanica de esquerda, Caros Amigos, Brasil de Fato, bons informantes na França e na própria Itália, o senador Eduardo Suplicy, os juristas Dalmo Dallari e Luiz Eduardo Greenhalgh, o deputado Fernando Gabeira e a incansável escritora francesa Fred Vargas que, por cinco vezes esteve no Brasil para encontrar políticos e juristas, foram aos poucos mostrando ser necessária uma decisão franca e clara da esquerda brasileira em favor de Cesare Battisti. Um encontro virtual com o combativo Celso Langaretti, ex-preso político, nos permitiu unificar e agilizar a linha de frente da informação alternativa e assim foi possível se acabar com a indecisão de tantos, até ali paralisados pela versão tendenciosa da CartaCapital.


Veja bem, alguns amigos de direita, que respeito e que ouço porque o diálogo é próprio da democracia, me confidenciaram divergir da maneira como se defendia Battisti, mas que, do ponto de vista humano, estavam de acordo, porque se tivesse sido culpado já havia pago, e de sobra, seus crimes. Isso se chama sentimento humanitário.


Porém, para nós, para Fred Vargas, que minuciosa, por vício de sua formação de arqueóloga, levantou todos os autos e acusações italianas contra Battisti, o processo ou processos foram viciados e nosso próprio ministro da Justiça, Tarso Genro, levanta no seu arrazoado a questão da dúvida após tantos vícios processuais.


Não houve, como você diz, cidadãos de boa fé enganados por uma esquerda festiva, linguagem que se usava na rua Major Quedinho, na sua época do Jornal de Tarde. Mas gente decidida a impedir que se cometesse uma arbitrariedade para se satisfazer a um Romano Prodi, como você diz de centro-esquerda como a CartaCapital, em queda livre e fazendo de tudo para ficar no poder. Ou para ser uma simples cereja a mais no doce a ser servido ao dono atual da Itália.


Um homem ia ser sacrificado, e ao final o próprio presidente francês, que já perdoara Marina Petrella, se desinteressou do caso, mesmo se na época eleitoral pediu para se prender Battisti no Rio de Janeiro.


O nosso ministro da Justiça Tarso Genro, ao conceder o refúgio humanitário a Cesare Battisi, foi digno, justo, lúcido e humano. E todos os cidadãos brasileiros que de uma ou outra maneira viveram ou sofreram a ditadura militar souberam e sabem apreciar sua coragem de ousar ir contra a corrente, contra o diktat da grande imprensa e de um outro país, que, pelo que leio na imprensa italiana, quer exigir que Lula anule a decisão de Tarso Genro.


Lamento esse longo texto, mas o comentário em seu blog foi a gota d´água, mesmo se sempre admirei e admiro sua figura e sua posição em numerosas outras questões. Faço-o em termos democráticos, por questões conceituais e não pessoais.


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Neste link, meus textos em favor de Cesare Battisti.


 


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Jornalista