Friday, 26 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

Sem olhos para as tragédias

O mundo está empolgado com a Copa e o Brasil empolga-se um pouco mais ao esquecer que é impossível viver apenas de paixão e prazer.


Além das eleições de outubro – decisivas para o futuro do país – temos na agenda o mundo em polvorosa e a continuação no Nordeste da catástrofe climática que assolou o Sudeste no fim do ano passado e início deste.


Nos jornalões de domingo (27/6), percebe-se a desumanização da sociedade brasileira quando se verifica que a tragédia que desabou sobre os estados de Alagoas e Pernambuco foi praticamente escondida. Nas capas da Folha de S.Paulo e do Estado de S.Paulo, poucas linhas de texto.


A insensibilidade diante da morte e destruição fica mais patente ao reparar que nas páginas internas dos dois diários paulistas havia farto e dramático material informativo. Significa que os porteiros das redações não ignoravam a dimensão do evento climático, por isso prepararam-se, investiram recursos da empresa, mas na hora de montar a primeira página, trocaram o apelo por sentimentos mais nobres como a solidariedade pelas trepidações do espetáculo esportivo.


Jornalismo inofensivo


O Globo erradicou da capa todas as referências às conseqüências do dilúvio e apenas registrou-o burocraticamente nas páginas internas. E como os diários ainda mantém-se como os mais confiáveis indicadores da importância dos fatos, este cruel desbalanceamento arrasta o resto da mídia – rádio, os canais a cabo e a internet – para o mesmo caminho.


A quem interessa este tipo de insensibilidade e descaso? Aos governos, claro. Quanto menos destaque para as tragédias, menos cobranças. Esta é a essência do jornalismo das ‘boas notícias’, favorável, inofensivo,e que a Folha abraçou com tanta desenvoltura.


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Ciranda de ilusões


Alberto Dines # reproduzido do Diário de S.Paulo, 27/6/2010; intertítulos do OI


‘O `esfriamento´ do Mundial já preocupa a Fifa’, alardeou um dos cadernos esportivos na sexta-feira (25/6). O alarme da multinacional futebolística soou antes da péssima exibição luso-brasileira e a constância dos empates no placar do Mundial.


A preocupação dos super-cartolas tem a ver com a eliminação dos anfitriões sul-africanos já que os 400 mil turistas não conseguirão animar as ruas de um país de 48 milhões de almas. Sem os delírios dos hospedeiros a aldeia global não desperta, por melhores que sejam as imagens televisivas em 3D e HD. O circo midiático tem limites, esta Copa mostra isso a cada jogo, a cada onda do twitter.


Por isso a Fifa deixou de lado a compostura e resolveu torcer abertamente pela equipe de Gana, esquecida de que a continuada ascensão da seleção do Tio Sam poderá revitalizar – ao menos comercialmente – um modelo de evento visivelmente acelerado e desgastado.


Missões de 1950


Um mês extra de férias a cada quatro anos equivale a uma semana de folga anual, além dos descansos regulamentares. As eventuais quedas de produtividade podem ser compensadas por horas extras, mas os pesados investimentos em estádios, infra-estrutura e logística só podem ser garantidos se o negócio for promissor. A esta altura dos acontecimentos – metade da Copa já transcorrida – difícil esperar estalos de criatividade, explosão de talentos e secretas vibrações capazes de torná-la inesquecível.


Neste cenário – por enquanto melancólico – entra em campo a Copa de 2014, a segunda a ser sediada no Brasil. Em 1950, o Brasil só tinha duas obrigações: construir um estádio monumental no Rio de Janeiro e animar um certame internacional interrompido ao longo de 12 anos pela catástrofe da Segunda Guerra Mundial. A primeira tarefa foi cumprida com a construção do Maracanã, o maior estádio do mundo. Falhamos na segunda missão ao perder para o Uruguai e manter o esporte-rei em desvantagem perante os Jogos Olímpicos.


Breve decisão


Agora não se trata de construir apenas um mega-estádio (desta vez em São Paulo), preparar e reparar arenas de grande porte em 12 estados do Norte ao Sul do país ou montar uma portentosa e sofisticada malha de transportes de curta, média e longa distância que o PAC sequer tocou.


Os recentes estragos causados pelos dilúvios em Alagoas e Pernambuco, seis meses depois das catástrofes no Sudeste, escancaram a vulnerabilidade de um país que cresceu bagunçadamente em cima de lixões, em baixo de encostas e ao lado de rios sem margens burlando leis, controles e cuidados ambientais mínimos.


Dunga ainda poderá converter-se no guerreiro solitário e poderoso que promete nos comerciais de cerveja. Porém, os padrinhos de Dunga terão que decidir até o fim do ano o que fazer com esta encanecida e desgastada ciranda de ilusões inventada para substituir o bem-estar.