Friday, 19 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Senador quer retratação da revista

A matéria reproduzida ao final deste comentário, publicada originalmente pela Folha Online na quinta-feira (19/2), revela o primeiro grande equívoco do novo presidente do Senado, José Sarney (PMDB-AP): processar a revista The Economist por uma matéria que julgou ofensiva ao seu passado (e presente) político.


É até possível que o senador, eleito pelo Amapá, mas líder político no Maranhão, tenha razão em todos os argumentos que expôs na carta enviada à revista, mas o ato de processar a publicação é, sim, um erro crasso.


No fundo, Sarney repete a bobagem do presidente Luiz Inácio Lula da Silva quando, em 2003, o governo tentou expulsar do Brasil o correspondente do The New York Times que escreveu um besteirol sobre os hábitos etílicos de Lula. Naquela ocasião, por sinal, o governo brasileiro também informou que processaria o NYT, mas acabou voltando atrás depois de uma ‘retratação’ que de retratação não tinha absolutamente nada.


E por que nos dois casos a via judicial ou a retaliação à imprensa é um erro crasso? Em primeiro lugar, porque os ofendidos acabam magnificando a ofensa. Ora, qualquer cidadão minimamente informado que leu a matéria do NYT sobre Lula percebeu que o que havia ali era mau jornalismo ou uma piada de péssimo gosto. Não dava mesmo para ser outra coisa, pois as fontes do repórter eram o inefável Diogo Mainardi e Leonel Brizola, este último profundamente amuado com o fato de ter sido Lula, e não ele, Brizola, o primeiro presidente oriundo da esquerda após Jango…


Se Lula e seus conselheiros tivessem simplesmente ignorado a reportagem, o dano à imagem do presidente, que já foi pequeno, seria mínimo. Ao contrário, quem sofreria o dano maior teria sido o repórter, que até já confessou ter escrito a matéria sob efeito de algumas caipirinhas. Ao partir para cima do jornalista, porém, o governo brasileiro conferiu credibilidade à reportagem e levou o diário norte-americano a proteger seu correspondente, uma atitude típica e previsível para quem já pisou em uma redação. O primeiro instinto de um jornal é sempre de proteger o seu profissional (e a sua marca, óbvio), depois se faz o ajuste de contas com a verdade.


Mal na fita


Em segundo lugar, processar um veículo de comunicação sério e com credibilidade posta à prova ao longo de tantos anos é uma estupidez porque a experiência mostra que, salvo exceções que só comprovam a regra, a probabilidade do ofendido perder o processo é grande, muito grande. Um jornal como o NYT e uma revista como The Economist raramente publicam ofensas gratuitas; e quando tratam de temas polêmicos ou que envolvem a vida privada de personalidades públicas, consultam seus departamentos jurídicos antes, bem antes, de a edição chegar às bancas.


No caso de Sarney é preciso, no entanto, dar a ele o benefício de uma dúvida importante: talvez faça parte da estratégia política do novo presidente do Senado ocupar espaço no noticiário, mesmo que com matérias de viés negativo. Só isto explicaria tanta vontade de cobrar uma reparação da revista britânica, que nada mais fez além de publicar um arrazoado com informações presentes em qualquer jornal ou revista aqui mesmo em Pindorama, com grande freqüência, por sinal. Ou o leitor jamais viu escrito por aí que Sarney é um ‘dinossauro’, um ‘senhor feudal’ (ou variações sobre o mesmo tema – oligarca, coronel, sinhozinho e tantas outras)? Não leu ou ouviu que a família Sarney domina os meios de comunicação no Maranhão? Outro dia mesmo, em artigo reproduzido neste Observatório, Sebastião Nery escreveu uma preciosidade sobre Sarney e o estado dominado pelo clã:




‘No Maranhão, para nascer, maternidade Marly Sarney. Para morar, vilas Sarney, Kiola Sarney ou Roseana Sarney. Para estudar, escolas José Sarney, Marly Sarney, Roseana Sarney, Fernando Sarney, Sarney Neto.


Para pesquisar, pegue um táxi no Posto de Saúde Marly Sarney e vá até a Biblioteca José Sarney, que fica na maior Universidade particular do Maranhão, que o povo jura que pertence também a José Sarney.


Para saber noticias, leia ‘O Estado do Maranhão’, ligue a TV Mirante ou as rádios Mirante AM e Mirante FM, todas de José Sarney. Se estiver no interior, ligue uma das 13 repetidoras da TV Mirante ou uma das 35 emissoras de radio, também todas do mesmo José Sarney.


Para saber das contas publicas vá ao Tribunal de Contas Roseana Sarney (recém-batizado com esse nome, apesar da proibição legal, o que no Maranhão não tem valor nenhum).


Para entrar ou sair da cidade, atravesse a ponte José Sarney, pegue a avenida José Sarney ou vá à rodoviária Kiola Sarney. Lá, se quiser, pegue um ônibus caindo aos pedaços, ande algumas horas pelas ‘maravilhosas’ rodovias maranhenses e chegue ao município José Sarney.


Não gostou de nada disso? Quer reclamar? Vá ao Fórum José Sarney, procure a sala de imprensa Marly Sarney ou a sala da Defensoria Publica Kiola Sarney.


Desde Calígula, quem sabe Nero, nunca se viu gente tão abusada.


E Sarney acha pouco. Agora, quer ser o Boi-Bumbá do Senado.’


Até onde este observador conseguiu apurar, Sarney não está processando Sebastião Nery. Claro, não dá o mesmo ibope nem gera reportagens como o processo a ser movido contra The Economist. Mas o que Nery escreveu é muito mais forte do que o que saiu na revista britânica.


De tudo que vai acima, portanto, é possível dizer que o ex-presidente Sarney cometeu um erro infantil, hipótese mais provável, ou está querendo aparecer, ainda que mal na fita, às custas da prestigiosa Economist. Neste caso, melancia no pescoço pode ser uma boa alternativa: o mico é o mesmo, mas no fim sai mais barato.


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Sarney questiona ‘The Economist’ por comparar sua vitória com semifeudalismo


Renata Giraldi # reproduzido da Folha Online, 19/2/09


O presidente do Senado, José Sarney (PMDB-AP), enviou uma carta com quatro parágrafos à direção da revista britânica ‘The Economist’ cobrando reparação pela reportagem que comparou sua eleição com uma ‘vitória para o semifeudalismo’ – referindo-se à disputa ocorrida no Senado.


Na carta, Sarney informa que acionou seus advogados e quer a reparação das informações publicadas. O peemedebista rebateu as críticas da publicação britânica, lembrando que há sete anos o Estado do Maranhão está sob o comando de seus adversários políticos e há 20, a capital do Estado é administrada por forças políticas antagônicas a ele.


O peemedebista se disse um homem cujo papel será reconhecido como o de ‘presidente da transição democrática’ que possibilitou que um operário fosse eleito o presidente da República – numa referência ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva.


‘A história julgará meu papel, mas sou reconhecido como o presidente da transição democrática, da convocação da assembleia constituinte e que priorizou o desenvolvimento social, o que permitiu o surgimento de uma sociedade verdadeiramente democrática e levou um operário a ser eleito presidente da República Luiz Inácio Lula da Silva’, disse o senador.


A ‘Economist’ diz que não é incomum que apenas um homem ou uma família domine Estados no Nordeste, mas que isso estaria mudando. Mas o controle da família Sarney no Maranhão é reforçado pelo fato de ela ser proprietária de uma estação de TV que passa programas da Rede Globo e que, no meio das novelas, ‘costuma exibir reportagens favoráveis ao clã’.


‘Nos últimos sete anos um grupo político rival controla o governo estadual do Maranhão [o governador Jackson Lago, do PDT]’, afirmou ele.’Concordo plenamente que o estado de conservação da cidade de São Luís [MA] é lamentável, mas é um absurdo debitar-me este fato, uma vez que meus adversários políticos administram a capital há 20 anos’, disse.


No último dia 6, Sarney disse, por meio de assessores, que a reportagem da revista era ‘imprecisa e leviana’. Também criticou a suposta irresponsabilidade da publicação.


A reportagem, intitulada ‘Onde dinossauros ainda vagam’ faz referências ao passado político de Sarney e ao número de vezes em que foi eleito para cargos públicos, afirmando que talvez fosse ‘hora de [Sarney] se aposentar’.


‘A revista pergunta se seria hora de eu me aposentar da vida pública, mas não é da tradição brasileira nem britânica limitar a atuação na vida pública devido à idade’, afirmou Sarney, que está com 79 anos.