Friday, 29 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1281

Será a sementinha da TV comunitária aberta?

O presidente Lula publicou, em 18 de fevereiro, um novo regulamento do ‘Serviço de Retransmissão de Televisão e do Serviço de Repetição de Televisão’ – ou simplesmente RTV e RpTV, como se costuma chamar no meio televisivo. As novas regras, aprovadas pelo Decreto Nº 5.371, de 17 de fevereiro de 2005, trazem algumas inovações. A maioria, só pequena novidade, sem importância para o cidadão comum. Mas uma delas é grande, e bem grande: a criação de um novo serviço, batizado pela legislação como ‘Serviço de Retransmissão de Televisão Institucional’, ou simplesmente RTVI, descrito pelo regulamento como uma ‘modalidade de Serviço de Retransmissão de Televisão destinada a retransmitir, de forma simultânea ou não-simultânea, os sinais oriundos de estação geradora do serviço de radiodifusão de sons e imagens (televisão) explorado diretamente pela União’.

Sim, mas onde está a TV comunitária nisso? Chegaremos lá. Antes é necessário explicar o que é exatamente o RTVI para depois entendermos por que esse serviço pode ser a sementinha da TV comunitária aberta.

Pois bem: na prática, a retransmissão institucional é um modo de aumentar o acesso público à programação produzida pelas emissoras de televisão da União. E, entre essas emissoras, a TV Câmara e a TV Senado devem ser as grandes beneficiadas pela criação da nova modalidade de retransmissão. Explico: atualmente, essas duas emissoras só estão disponíveis nas casas de três classes de cidadãos muito especiais: os poucos que contam em sua cidade com uma geradora da Câmara ou do Senado ou com retransmissora convencional que utilize a programação das TVs do legislativo federal; os felizardos donos de antenas parabólicas; e a pequena casta de abastados que são assinantes de TV paga (isso, é claro, se a empresa distribuidora fornecer a TV Câmara e a TV Senado em sua grade de programação). Ou seja, a maior parte da população brasileira não teve ainda a oportunidade de acompanhar os grandes debates nacionais que ocorrem no Parlamento (sim, nem só de discussões sobre o salário dos parlamentares vivem a Câmara e o Senado).

Dificuldade prática

Tendo em vista essa realidade, ainda durante a gestão de Miro Teixeira no Ministério das Comunicações os estão presidentes do Senado e da Câmara, senador José Sarney e deputado João Paulo Cunha, apresentaram ao Executivo a proposta da criação de uma nova modalidade de retransmissão, destinada exclusivamente às televisões do Poder Legislativo Federal. Conversa vai conversa vem, a Radiobrás entrou na negociação e a proposta final apresentada ao então ministro tornou-se mais ampla, englobando não apenas as TVs do Legislativo, mas todas aquelas cuja geração fosse explorada pela União.

Porém, como a Radiobrás já conta com um considerável parque de retransmissão e a TV Justiça não demonstrou muito entusiasmo nas negociações que levaram à edição do Decreto 5.371, as grandes beneficiadas serão mesmo a TV Câmara e a TV Senado. Essas, juntamente com as demais geradoras de TV da União, serão as únicas que poderão compartilhar o tempo de programação das retransmissoras de RTVI. Ocorre que a Radiobrás já tem o seu canal de uso exclusivo em várias outras localidades, e a TV Justiça não parece despertar muito interesse do público. Logo, as TV Câmara e TV Senado deverão ser as ‘clientes preferenciais do RTVI’. Sim, mas e a TV comunitária aberta?! Calma, leitor, chego lá….

Há uma dificuldade prática que se pode vislumbrar, e você provavelmente já pensou nisso: como a União vai bancar a instalação de retransmissoras de televisão em todo o território nacional? Será que vem mais aumento de carga tributária para financiar esses projetos? Não, e aí está o pulo do gato da estratégia de implantação do RTVI. Não será a União a responsável pela instalação dos equipamentos, e sim os municípios. Eles, e somente eles, terão a prerrogativa de requerer ao Ministério das Comunicações autorização para instalação de retransmissora de TV institucional – e levarão a outorga sem pestanejar, prescindindo do instrumento da consulta pública, requerido em todas as demais modalidades de retransmissão de televisão.

Poucos, mas os primeiros

E é justamente na moeda de troca dada aos municípios, para que eles possam se interessar em instalar as retransmissoras na modalidade institucional, que pode estar a sementinha da TV comunitária aberta. Essa moeda de troca se configura na possibilidade de inserção de programação local, em um limite de 15% da programação total, divididos do seguinte modo: 1/3 para o Executivo municipal; 1/3 para o Legislativo municipal; e 1/3 para entidades representativas da comunidade.

Ora, tenha a santa paciência! Você me fez ler esse texto até aqui, tentou criar um suspense e no final me disse que só 5% da programação total das RTVI serão destinados à comunidade? Então, se uma determinada RTVI transmitir 24h por dia, destinará apenas 1h e 12 min de sua programação às comunidades… e provavelmente será naquele horário entre 3h e 4h12 da madrugada?! Isso não é TV comunitária nem aqui nem na China!

Não mesmo, por isso eu chamei apenas de ‘sementinha’. São poucos minutos de programação… pouquíssimos, concordo. Mas são os primeiros, e aí está o fato histórico: nos quase 55 anos de história da televisão brasileira, é a primeira vez que o poder público destina alguns minutos, por poucos que sejam, a programas das comunidades em televisão aberta. Resta saber agora como será o discurso oficial: se o da ‘sementinha’ ou do ‘carvalho’, dizendo que ‘o atual governo finalmente realizou o antigo anseio dos movimentos que lutam pela democratização das comunicações e implementou a televisão comunitária no Brasil’. Espero que seja o da sementinha, e que a próxima novidade seja o tão sonhado canal aberto de TV comunitária.

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Jornalista, mestrando em Comunicação na Universidade de Brasília e consultor legislativo da Câmara dos Deputados