Friday, 19 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Si no es lo mismo, es igual

Recordar é aprender. No caso da desforra e recusa em renovar a concessão do canal de televisão venezuelano Radio Caracas Televisión (RCTV) e de tirá-lo do ar no último segundo do dia 27 de maio passado, nem original o presidente Hugo Rafael Chávez Frias conseguiu ser. Ocorreu algo semelhante na história da televisão brasileira, o qual si no es lo mismo es igual, como cantaria o cubano Silvio Rodríguez. E tanto aqui quanto lá, foi protagonizado por um militar.

Em 28 de setembro de 1970, o presidente do Brasil, general Emílio Garrastazu Médici, cassou a licença das emissoras da Rede Excelsior, sob a alegação de falência da empresa de comunicação. O argumento condizia com a realidade da emissora, à beira do abismo, porém selava o plano do revide gestado havia seis anos, como fez Chávez ao aguardar cinco anos para se vingar da rede venezuelana participante do frustrado golpe em abril de 2002.

Em 1º de abril de 1964, os militares brasileiros responsáveis pelo golpe de Estado marcaram na paleta a TV Excelsior porque ela se recusou a veicular o movimento das tropas no Rio de Janeiro e em São Paulo. O diretor da emissora, Álvaro de Moya, justificou no livro Gloria in Excelsior – ascensão, apogeu e queda do maior sucesso da televisão brasileira a postura da empresa:

‘A direção da emissora defendeu-se dizendo que a sede da Excelsior ficava próxima ao cais do porto e que toda essa área estava ocupada por partidários do Jango e do Brizola, armados com metralhadoras. (…) No dia do golpe militar, a Rede Excelsior não transmitiu os acontecimentos nem em São Paulo nem no Rio de Janeiro por ordem da direção da emissora. (…) A verdade é que a emissora, alinhada ao presidente deposto, não queria aceitar, tão cedo, a vitória dos militares e ver-se alijada das vantagens que usufruía junto ao poder político-econômico brasileiro’ (págs. 233-234).

Movimentos nebulosos

A esse episódio, os milicos somaram outro ocorrido dois anos e sete meses antes. Em 25 de agosto de 1961, Jânio Quadros renunciou e parte expressiva das forças armadas recusava-se a permitir a posse do trabalhista João Goulart, em viagem pela Ásia. O empresário Mário Wallace Simonsen, proprietário da Excelsior e da Panair do Brasil, externou apoio ao vice-presidente. Do escritório em Paris da Wasin S.A., empresa do império Simonsen, João Goulart sondou Juscelino Kubitschek e aliados sobre a crise e a campanha pela legalidade. Por este fato, o dono da Excelsior teve seu nome anotado na caderneta negra dos conspiradores. O primeiro ato de reprimenda foi logo em seguida ao golpe de 1964.

Em 10 de fevereiro de 1965, o marechal Humberto de Alencar Castelo Branco decretou a falência da Panair do Brasil, cassando a concessão das linhas aéreas da empresa sob a justificativa de débitos para com a União e incompetência administrativa. Cinco anos depois foi a vez da Excelsior.

As tentativas da família Simonsen em negociar as dívidas ou repassar o canal a outros empresários foram emperradas e ignoradas pelo governo militar. Médici mostrou-se irredutível – como Chávez aos apelos para a renovação da RCTV. Coisas de casernas e gabinetes empolgados com nebulosos movimentos do tipo Revolução Redentora e Revolução Bolivariana. Por isso é sempre bom recordar para, quem sabe, aprender.

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Jornalista, doutor em Comunicação Social e professor do mestrado em Comunicação e Linguagens e do curso de jornalismo da Universidade Tuiuti, Paraná